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House of Cunha - análise de conjuntura após a manobra de Eduardo Cunha e a redução da maioridade penal


O poder de veto da população organizada barrou a barbárie na 4ª feira 01 de julho de 2015, mas os custos desta mobilização podem ser menos extensos do que o poder de manipulação regimental de Eduardo Cunha e suas péssimas companhias.

09 de julho de 2015, Bruno Lima Rocha

"Neste momento da política brasileira, com a presidente se equilibrando com 9% de apoio declarado; com o partido de governo recebendo “bola nas costas” de Lula, o líder com poder de veto e que melou o congresso do PT; com a canha rentista forçando uma inflação baseada em preços controlados; e, com a desinformação estrutural estruturando falsas consciências viralizadas nas redes sociais brasileiras, a conclusão é óbvia. Os setores que tiverem direitos adquiridos e não se mobilizarem, recusando-se a organização de tipo reivindicativo e classista, simplesmente corre o risco de perdê-lo. O Tea Party brasileiro existe embora seja multifacetado e chegou às raiais da desfaçatez. Sua meta passa por cumprir a profecia auto anunciada por Fernando Henrique Cardoso. Ao avançar no desmonte da herança varguista, irão pelo ralo também as estruturas da regulação do mundo do trabalho e boa parte dos direitos conquistados na Constituição de 1988. Todo o cuidado é pouco", escreve Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais.

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Eis o artigo.

Os primeiros dias de julho representam um marco na política brasileira contemporânea. Se em algum momento a expressão “House of Cunha” foi adequada, esta foi na fatídica noite e madrugada de 1º para 2 de julho. O clamor por um Estado gendarme e vingador, devidamente alimentado e manipulado por âncoras de programas de TV sensacionalistas, fizeram com o que o baixo clero da Câmara desse o seu grito de alforria e ousasse comandar o país por cima da Constituição. Não foi a primeira vez e pelo visto tampouco será a última. Como veremos a seguir, a atual legislatura aperta o cerco sobre o Planalto, embora esteja dividido o Parlamento em uma acirrada disputa de caciques peemedebistas. Eduardo Cunha (RJ) seria a marca de uma nova direita em ascensão. Já o perene e duro na queda Renan Calheiros, senador de trajetória conjunta a Fernando Collor de Mello pelas Alagoas, é o oligarca longevo hoje bradando de defensor da república. Embora este tenha sido o fato e o apontamento mais relevante dos últimos dias, destacamos outras faces da política nacional de momento.

Debatendo a saída para a crise e a reação declaratória da presidente – será que a medida do governo provoca algo além de um pacto social com bases sindicais com pouca ou nenhuma disposição de luta?

O governo federal anunciou medidas de reforço do pacto social. Um jogo de “perde-perde” para manter os níveis de emprego direto em setores secundários e não aumentar a perigosa escalada de desindustrialização. Uma das saídas apontadas para o curtíssimo prazo foi tipicamente anticíclica, com o recurso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) operando para complementar o salário da indústria que não pára de demitir. Nunca em sã consciência alguém pode ser contra a manutenção do emprego direto em economia capitalista, e reconheço que tal medida até pode cumprir seu objetivo. O problema é o momento da entrada em vigor.

Agora, com o modelo entrando em crise, é a hora derradeira de rever os absurdos de ter uma avançada primarização da economia; o perigo que é ancorar a balança externa em produtos de pouco valor agregado e não juntar forças para enfrentar o sistema de espólio do rentismo. De novo, e sinto insistir no tema, o Executivo busca o placebo e não o antibiótico para o esgotamento do modelo.

Logo após a convenção  nacional do PSDB, Dilma se coloca corretamente dizendo que não vai aceitar provocação dos tucanos comandados pelo senador Aécio Neves, embora a prudência indica que ela deva temer o processo que perigosamente tramita no TSE. Pelo visto, a ex-esquerda vai ajudar a convocar o que resta do tecido social organizado para barrar a guinada à direita do Congresso Nacional - em especial na Câmara, na House of Cunha - mas nem admite qualquer tomada de posição naquilo que é pilar da dominação em nosso país. Não vai promover nada que lembre imposto sobre as grandes fortunas, aperto aos sonegadores de sempre, diminuição da Taxa Selic e consequentemente parar de rolar o lucro do rentismo e menos ainda esforçar-se para uma reforma política que proporciona o mecanismo plebiscitário. Parece piada macabra, mas apesar de todo o esforço de comunicação e a correta agenda diplomática presidencial, o país torra suas divisas. A corrida do ouro é pelas obrigações  do capital fictício, pois em 07  de julho de 2015, apenas o CDB 30 dias estava pagando 13,68%! Depois saem dados alarmantes de retirada de recursos da poupança e não há um mísero editor de economia em TV aberta para comparar os rendimentos e observar onde está a bomba de sucção!

Lado a lado com a desinformação interna há a campanha externa de descrédito de saídas por esquerda. O exemplo vem da Praça Syntagma em Atenas. Se tomarmos o modelo da Grécia, estamos anos luz de distância de reconhecimento da soberania popular. O rentismo tem a fome de um bando de gafanhotos, a bancada BBB também está faminta por nacos maiores do  poder restante e parece realmente que o baixo clero da Câmara está se transformando no Tea Party brasileiro. Como disse em veículo de mídia massiva recentemente, para além das batalhas de bastidores e gabinetes (quando "guerra de posições" virou desculpa para qualquer perda de escrúpulos e disputas de poder), quem tem direito adquirido é bom estar organizado o mais rápido possível.

 

House of Cunha - 1

Na madrugada de 1o de julho, a força da razão vence no Plenário da Câmara - mas Cunha e cia. não se entregam. Foram 303 votos contra 184 na votação da emenda da PEC 171 (este Projeto tem uma numeração perfeita para o caso). Desta vez, há que se reconhecer que tanto a esquerda como a centro-esquerda puderam unificar questão e realizaram a pressão necessária para evitar o desastre. O tema já foi mais que debatido por especialistas e militantes pelos direitos humanos. A mim cabe analisar o ambiente político. Em sendo fato que a agenda conservadora reverbera na mídia aberta co-financiada pelas verbas de publicidade da União, é fato recorrente que esta mídia joga no senso comum e corta no meio da pirâmide social. Como se debate em estudos sérios de comunicação, a TV aberta não morreu e atua diretamente no imaginário popular. É o povão que mais sofre com a violência urbana e o crime contra a vida. Quem circula pela cidade e metrópole é uma vítima em potencial. E, por pior que seja a dor de uma família ao perder alguém para a estupidez do varejo do crime, é preciso reconhecer também que as estatísticas de crimes violentos diminuem. Para pasmo dos desinformados (alvo dos que desinformam sistematicamente), a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (FASE) tem elevados índices de recuperação e ressocialização! Curiosamente, este dado fundamental para formar opinião a respeito dos menores infratores não circula.

Em contrapartida, a aula de desconstrução de direitos humanos e cidadania e o foco perverso na repressão violenta é o tema de aulas permanentes de proto-fascismo em EAD através de programas de mundo cão, como os de Datena, Sherazade e outros absurdos. A bancada BBB tem um alcance muito maior do que se imagina. Boi - Bala - Bíblia forma o novo consenso conservador no Congresso que atende pela alcunha de baixo clero ou Blocão, liderados pelo impagável Eduardo Cunha, secundado por seu par no chaguismo fluminense, Leonardo Picciani (ambos do PMDB-RJ). Na manhã do golpe parlamentar contra a Constituição eu disse “não me espanta se o emendão sair através de manobra, aglutinando as 36 emendas apensadas, e votando em bloco apenas para crimes de maior impacto”. Sinto por haver estado correto. A conta é simples; 303 votos é muito poder, considerando que 308 formam a maioria necessária para um Projeto de Emenda Constitucional.

O poder de veto da população organizada barrou a barbárie na 4ª feira 01 de julho de 2015, mas os custos desta mobilização podem ser menos extensos do que o poder de manipulação regimental de Eduardo Cunha e suas péssimas companhias. Dito e feito.

 

House of Cunha – 2

Circulou pela internet uma ilustração comparando as duas capas do jornal da câmara baixa do Parlamento brasileiro. Ambas representam todo o poder de manobra do baixo clero, da maioria dos cardeais e da versão aprimorada de José Sarney na figura do deputado federal pelo chaguismo fluminense (PMDB-RJ), Eduardo Cunha. As manobras de ponto e vírgulas e entrelinhas - já contestadas pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello - fizeram o quadro reverter pela segunda vez.

De uma derrota pontual – na madrugada de 1º de julho - para uma colossal vitória da direita, nas primeiras horas de 5ª, dia 02 de julho de 2015. A fórmula de Cunha para a manobra foi relativamente simples e já fora aplicada na votação do financiamento de campanha:

- os parlamentares permanecem em Brasília;
- a sessão é ampliada (eis a inconstitucionalidade);
- a pauta rejeitada na véspera é adequada para ampliar a base de apoio;
- as galerias são evacuadas, logo, a pressão de setores organizados não existe;
- por fim, Cunha manobra no bolso os mais de 308 votos necessários e joga com o sentimento de recalque e revolta dos deputados federais, pois estes, ainda que eleitos em seus estados, têm - em sua maioria - vexatório comportamento paroquiano e reacionário, mais preocupados com levar prebendas aos currais do que fazer política republicana.

Na madrugada de 4a para 5a, surfando no clamor do populismo de direita, Cunha dá uma lavada no bom senso restante na política do Parlamento e passa por cima do rito previsto na Constituição. Não teve ata secreta nem manobra semilegal, foi tudo às claras e de forma declarada. A fábrica de salsichas exposta em seu processo produtivo diante das telas do país.

 

Apontando conclusões óbvias

Neste momento da política brasileira, com a presidente se equilibrando com 9% de apoio declarado; com o partido de governo recebendo “bola nas costas” de Lula, o líder com poder de veto e que melou o congresso do PT; com a canha rentista forçando uma inflação baseada em preços controlados; e, com a desinformação estrutural estruturando falsas consciências viralizadas nas redes sociais brasileiras, a conclusão é óbvia. Os setores que tiverem direitos adquiridos e não se mobilizarem, recusando-se a organização de tipo reivindicativo e classista, simplesmente corre o risco de perdê-lo. O Tea Party brasileiro existe embora seja multifacetado e chegou às raiais da desfaçatez. Sua meta passa por cumprir a profecia auto anunciada por Fernando Henrique Cardoso. Ao avançar no desmonte da herança varguista, irão pelo ralo também as estruturas da regulação do mundo do trabalho e boa parte dos direitos conquistados na Constituição de 1988. Todo o cuidado é pouco.






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