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A herança gaúcha


Parte da história esquecida das lutas do Rio Grande, foi o intento de libertar os 7 Povos sob o comando do tape-missioneiro Andre Guacurarí, filho adotivo de José Gervasio Artigas

4ª, 19 de setembro de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé

Para quem mora ou convive com o Rio Grande do Sul, estamos na semana mais sentida do ano. No dia 20 de setembro de 1835, as forças do partido farrapo, fracionando as tropas da Guarda Nacional, tomaram Porto Alegre dando início a uma década de guerra civil. A partir de 1947 a data é mote para uma busca da própria identidade, revivendo no mundo industrial o mito da sociedade pastoril. Seria simples taxar as comemorações de folclorismo, reinvenção do regionalismo ou bairrismo. É por discordar destes e outros chavões que trago uma reflexão.

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Neste exato momento em que escrevo mais de 400 mil pessoas estão circulando pelo Acampamento Farroupilha, na Estância da Harmonia, em pleno centro da capital. É o ápice da celebração a um passado heróico e a uma guerra onde uma parcela do Rio Grande perdera para outro partido, o Caramuru, aliado das forças imperiais da corte luso-brasileira do Rio de Janeiro. Na manhã do dia 20, a governadora e seu secretariado, todos os poderes constituídos e o primeiro escalão do estado estarão presentes ao desfile. Serão dez carros temáticos e mais de 5.000 gaúchos a cavalo se apresentando em Porto Alegre. Em todo o interior do estado acontecem desfiles semelhantes. E, como não poderia ser diferente, quanto mais ao sul, mais forte é a celebração.

Para quem é daqui, por nascimento ou adoção – como é o meu caso – trata-se de coisa muito séria. Os leitores podem ter uma idéia do que retrato observando um caso específico. Nas cidades conurbadas de Santana do Livramento, no lado brasileiro, e Rivera, no lado uruguaio, a data é comemorada como dia do patrimônio regional. São esperados cerca de 4.000 cavalarianos de ambos os lados. Desnecessário dizer que a “fronteira” nestas cidades, é quase imaginária.

Em tempos de globalização, afirmar a própria identidade louvando a sua trajetória histórica já é muito. Mas, como tudo na sociedade, o chamado gauchismo é foco de polêmicas. Algumas destas críticas são válidas e gostaríamos de ressaltar. A mais forte delas, ganhou circulação a partir do historiador e jornalista radicado em Passo Fundo Tau Golin. Chama atenção para a forma como se organizam os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs). Nestas entidades sócio-culturais, onde a estrutura reproduz uma estância, tem lugar patrões, capatazes, peões e prendas, menos o próprio gaúcho.

Explico. Os gaúchos eram tipos nômades, mestiços de índios e com perfil rebelde. Jamais levaram em conta os limites coloniais, residindo na campanha aberta, pampa sem fronteira e cerca de arame. Vivia nos fundos de campo, trabalhava sazonalmente, dificilmente respeitava a propriedade, era alvo constante das forças da ordem e fazia a guerra com regularidade.

Muitos formavam bandas de “malacaras”, contrabandeando gado solto, cavalos e saqueando estâncias. Os poderes da colônia e das nascentes repúblicas e províncias sempre recrutavam essas forças da desordem. A classe dominante, então composta apenas de latifundiários, que também eram militares comissionados e políticos locais, contavam com os serviços pontuais destes que eram chamados de “homens sem lei nem rei”. Quase sempre os motivos do contrato eram pouco ou nada nobres. Terminados os interesses e cumpridos os objetivos, os mesmos tipos passavam a ser um peso social e fator de instabilidade da região.

Nunca é demais lembrar que ser chamado de “gaúcho” era uma ofensa no Brasil até a metade do século XX. Para quem imagina que exagero, basta ler “As Memórias de Garibaldi”, escritas por Alexandre Dumas, em livro editado pela L&PM (2000). O republicano Giuseppe, narrava admirado a modalidade da guerra gaucha feita por “homens selvagens” e dotados de pouca “urbanidade”. Ninguém em sã consciência pode acusar a um dos maiores heróis do Rio Grande de ser preconceituoso. Garibaldi defendeu com a espada as idéias mais avançadas de seu tempo, e não era preconceituoso. Narrou o que viu e com o olhar de um europeu ilustrado.

Entendo que a figura do gaúcho histórico não existe no folclore oficial do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) de propósito. A liberdade e rebeldia contra a ocupação colonial, o desrespeito a propriedade agrária e o sentimento de pertencer a uma Pátria Grande que engloba o Rio Grande do Sul, o Uruguai, várias províncias argentinas e o sul do Paraguai é explosivo. Se levarmos em conta que um em cada dez rio-grandenses é participante semanal de CTGs e teremos uma visão deste potencial.

A cada ano as comemorações da Semana Farroupilha crescem em volume e importância. Não se trata de questão fechada e tampouco causa perdida para o nativismo. Há dez anos poucos sabiam quem foi Sepé Tiaraju e hoje o 7 de fevereiro, data de seu martírio em campo de batalha, é celebrado estadualmente. O mesmo passa com a epopéia de Andresito Guacurarí y Artigas, ainda hoje quase nenhum gaúcho do lado de cá brasileiro se lembra. Isto por enquanto. A memória e a história andam juntas e são arenas de luta na sociedade local. Esta peleia recém começa.

artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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