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O Capital Social como alternativa para o desenvolvimento do Rio Grande


A saída para o crescimento do Rio Grande está no controle social das concessões públicas, como é o caso da coleta e reciclagem dos resíduos, reivindicação do MNCR em marcha pelas ruas de Porto Alegre

Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de Rio Grande de São Sepé, 1º de agosto de 2006

Julho se encerra nos pagos mais ao sul do Brasil com uma breve onda de frio. Tão passageira como o pacto de elites, apelidado por seus operadores de consenso midiático como o Pacto pelo Rio Grande. A crônica da tragédia anunciada afirmamos já em nosso primeiro artigo sobre o tema, isto há duas semanas atrás. Como era previsível, o pacto começa a rachar em função de interesses corporativos. Os setores organizados do funcionalismo, mais preocupados com as eleições de outubro que com a luta de classes nos próximos quatro anos, pouco se manifestaram.

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Outra vez mais, arrisca-se jogar fora a água e a criança junto. Neste texto, ao invés de seguirmos a crítica do modelo pactado de corte de gastos e orçamento apertado, aportamos uma proposta alternativa. Não necessariamente medidas concretas, mas ferramentas iniciais de uma outra forma de pensar o desenvolvimento sustentável. Este, se aplicado a partir do uso dos fundos públicos, tais como o FAT, as verbas de investimentos do Banrisul, da Caixa RS e o que cabe ao estado daquilo que vem – ou teria de vir – do BRDE, do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, pode ser o motor de um outro tipo de “indústria”. Isto é, àquela que economiza recursos da sociedade aplicando sua energia em algo construtivo e com alto grau de produtividade. Têm por base, não os indicadores gerenciais das tropas da restauração arinconadas em Montpelier, mas o bom e velho fio de bigode, quantificado em grau de confiança interpessoal.

Como parte das ferramentas necessárias para executarmos um determinado tipo de trabalho, a atividade intelectual precisa de referentes e pressupostos onde podem ser aplicados os conceitos. Pensemos os conceitos como a ferramentaria de um artesão especializado. O conceito aqui apresentado, o de capital social, acreditamos ser a ferramenta necessária para o início deste debate. Como referência teórica, trazemos a produção de Hemerson Luiz Pase, pesquisador da Fepagro/RS, doutor em ciência política, professor da UERGS e colega de núcleo de pesquisa. Os trechos aqui apresentados são parte de um artigo acadêmico (Capital Social e Desenvolvimento Rural: uma abordagem cultural das desigualdades), texto esse condensador de sua tese de doutorado, recentemente defendida na UFRGS.

Segundo Pase, “o capital social é uma capacidade que empodera o cidadão, cuja confiança aprimora a democracia, produz desenvolvimento institucional quando constitui regras claras de comportamento com sanções para os desertores, produz desenvolvimento econômico na medida em que possibilita acesso a informações e estimula solidariedade, e constrói uma cultura política baseada em valores humanitários”.

É inevitável uma pergunta para um leitor pouco avesso a debates de fôlego. Afinal, que relação tem o capital social com a crise fiscal do estado com maior IDH no país? Afirmamos que tem toda e qualquer relação imaginável. A pesquisa realizada por Hemerson nos trás resultados concretos na aplicação de micro-crédito em base ao capital social. Isto levara a um maior desenvolvimento econômico, em bases sócio-ambientais justas, aplicadas em uma estrutura de economia cooperativada, sob controle público e não-estatal. Em semanas anteriores citamos aqui a própria Sicredi, cooperativa gaúcha com mais de 1 milhão de associados, e que tem por base o micro-crédito. Iniciativas como estas, se integradas e articuladas através das verbas estatais simplesmente tragadas pela jogatina financeira ou dadas a fundo perdido aos oligopólios de sempre, podem ser a força motor de um desenvolvimento que pouco a pouco vai revalorizando o tecido social onde este capital é aplicado.

Pase realizou sua pesquisa na área de abrangência do Conselho de Desenvolvimento da Região Nordeste Gaúcha, (Corede Nordeste) e os indicadores foram todos positivos. Segundo ele, “a hipótese de trabalho afirma que o investimento em políticas públicas específicas, de constituição de cooperação e confiança recíproca entre os cidadãos, constitui e/ou desenvolve e aprimora capital social, cuja existência contribui decisivamente para minimizar as desigualdades sociais e regionais e estimular o desenvolvimento equitativo e sustentável, através da melhoria da qualidade de vida”.

Temos de compreender a origem destes conceitos como a instrumentação de uma forma de vida em sociedade. Experiências típicas de regiões com laços familiares ainda fortes, estrutura fundiária tendo por base a agricultura familiar (cuja origem é o minifúndio nas colônias) e vínculos de integração social operando no plano ideológico (tanto de valores como de comportamento). Para tornar estas iniciativas como políticas públicas de largo alcance, levando-as a todo o estado, é preciso tomar a construção destas redes como a teia de desenvolvimento alternativo ao modelo concentrador, excludente e fator de crise fiscal. Na base da pirâmide social pode estar a solução, como na ação conjunta de alguns serviços públicos, operados por empresas estatais e associados a setores organizados de movimento popular.

Poderia usar vários exemplos de iniciativa onde se pode aplicar o capital social. Alguns deles saltam aos olhos e podem ser fonte de trabalho para milhares de pessoas. Exemplos concretos são as associações de radiodifusão comunitária, emissoras sob controle social e operadoras de uma outra carga de valores e vida em sociedade. A própria agricultura familiar, base material das redes de capital social já funcionando. Uma possibilidade de realocação de mão de obra especializada seria a autogestão em escala industrial de fábricas retomadas, tais como as que compõem o parque fabril do couro, cujas plantas, financiadas pelo Banrisul, estão simplesmente apodrecendo.

Uma outra possibilidade é o subsídio público para o trabalho de catação realizado por cooperativas de catadores, especificamente as vinculadas ao Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCR). O Brasil já é o país onde mais se recicla no mundo e seria muito mais producente para a diminuição da dívida social a aplicação de parte dos recursos para o controle direto desta categoria à beira da marginalização. Isto sem falar no absurdo existente em grande parte dos contratos de limpeza pública, notória lavanderia de dinheiro para caixas de campanha. Para piorar, esta área é cartelizada por um grupo empresas tão “complicado” como as grandes empreiteiras, ambas “curiosamente” sempre vencedoras de licitações públicas.

Voltando ao estudo que baseia o artigo, este nos apresenta, nas virtudes destas políticas públicas, a própria defesa desta ferramenta de incidência e organização social. Hêmerson conclui afirmando que, “o entusiasmo de teóricos e estadistas a respeito do conceito de capital social relaciona-se a sua potencialidade de estabelecer uma nova relação entre a sociedade civil e o Estado. Este conceito possibilita à ciência analisar possibilidades inovadoras de relação entre as pessoas comuns e o “poder” enquanto tal”.

Mesmo considerando ser o assunto largo e profundo, pensamos que o conceito de capital social pode balizar um outro tipo de desenvolvimento. Para o Rio Grande sair da crise, as redes de capital social são tão importantes quanto o teto salarial, o fim dos cargos de confiança, a caça ao nepotismo, o término de repasse de dinheiro público para cofres privados e a renegociação da dívida pública do estado para com o governo central. O caminho das alternativas para a crise, não está nem nunca esteve nas manobras e “caneteadas” dos responsáveis pela própria crise. Os assuntos públicos somente podem ser solucionados por seus maiores interessados.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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