19 de janeiro de 2016, Bruno Lima Rocha
Tem horas que mesmo para pessoas experientes – ou pretensamente com experiência política como este analista aqui escrevendo – o cinismo político surpreende. Dizem na Espanha, e entendo ser o dito válido aqui também, é que há uma diferença fundamental entre o Partido Progressistas (PP, a direita política pós-franquista) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) no que tange a ações repressivas e medidas anti-populares. O primeiro, bate e retira direitos sorrindo, com júbilo de prazer recordando o período do generalíssimo Francisco Franco. Já o segundo, de um dos ídolos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o ex-premiê Felipe González, bate e arrebenta assim como retira direitos e pactua com o demônio na forma de capital industrial ou financeiro, mas na frente das câmaras derrama “lágrimas de crocodilo”. No Brasil do lulismo, o PSOE daqui é o Partido dos “Trabalhadores” (PT). O exemplo que trago abaixo, já deveras repercutido em redes sociais da província, materializa a analogia.
Na tarde desta 3ª 19 de janeiro, escutei como de hábito o melhor programa político do rádio rio-grandense, transmitido por emissora centenária. Presentes como convidados estavam um vereador pelo PT da capital da província, o engenheiro de origem ítalo-brasileira. Escutá-lo falar diante de um microfone que é um canhão, tergiversando a respeito da correlação de forças do governo de coalizão é ter uma aula de cinismo político. Perguntado por uma das condutoras do programa do porquê do veto de Dilma a auditoria da dívida pública, recebemos uma espécie de lição de aplicação do pensamento gramsciano vulgar. O edil simplesmente não respondeu e ficou se esquivando de qualquer autocrítica, colocando na conta do governo de coalizão a covardia política e a traição sistemática aos interesses das maiorias.
Realmente o problema político na interna do partido de governo é maior do que se imagina. Agora, nesta semana de revivido Fórum Social Mundial Temático (FST), a ex-esquerda e os então esperançosos da virada democrática de 2001 se veem no dilema de sempre. Se dizem ainda “pessoas que acreditam”, fazem presepada durante eventos como o enfraquecido FST – afinal, como falar de poder das pessoas e vontade das maiorias e uma democracia democratizada quando nenhuma mudança estruturante foi feita no Brasil após mais de 12 anos de governo dos ex-reformistas?!
Apresentar resultados sócio-econômicos sem garantia de continuidade é como antever a tragédia anunciada já vivida pela Europa do Sul – e por nós mesmos latino-americanos – por tantas vezes. Para completar o absurdo, o mesmo político profissional do partido de governo, na frente do muito capaz sociólogo português Boaventura de Souza Santos tentou fazer pose de “radical”. Não podia ser mais ridículo. Boaventura caracterizou o governo Dilma como de direita e não houve resposta. Nesta altura do momento político, restam poucas alternativas para quem ainda se posiciona à esquerda do partido de governo e de seus aliados stalinistas e trabalhistas. Sugiro algumas
– Caracterizar o PT como sendo o PSOE espanhol, o que não é elogio algum.
– Rogar, debater e de forma fraterna debater com os militantes e filiados petistas que ainda têm algum sistema de crenças em um mundo igualitário a partir da luta popular e afirmar o óbvio: “tal e qual a carcomida social-democracia europeia, quem assegura a legitimidade do burocrata e do corrupto é a militância que ainda constrói o tecido social dos oprimidos”, portanto, abandonem esta caravela furada e optem por canoas de caiçaras e pescadores nativos;
– Denunciar e dar combate a todas as políticas deste governo de direita, não entrando na balela que “a correlação exige”, ou as “condições não estão dadas”; não estão dadas agora porque não foram construídas em doze anos, jamais estarão presentes em cinco ou dez anos se não forem construídas a partir de agora.
– Por fim, combater o cinismo político de centro-esquerda e construir uma base argumentativa e de mobilização abaixo, com democracia direta e bem à esquerda da política.