Para completar o desastre, na sexta-feira dia 12 de agosto, o presidente estadual do PT/RS, David Stival foi depor na PF. O motivo do depoimento, o dinheiro comprovadamente enviado por Marcos Valério ao Rio Grande do Sul. Quando este bochincho estourou, Stival disse “quero que me degolem se entrou um pila!”. Duas semanas depois, se comprovou a entrada de R$ 1 milhão e 200 mil pila. Ao evocar a degola, a gravata colorada como se dizia e se matava na Revolução Federalista (1893-1895), Stival levanta a poeira da história e mexe com os brios do Rio Grande. Eram outros tempos como narrou o poeta maior do xucrismo, Jayme Caetano Braun, “Andei peleando outra vez / Sem soldo no fim do mês / Porque pelear era lindo!”
Os tempos de hoje, estão bem longe de lindas peleias. Distante da alma guasca, dos inimigos de Júlio de Castilhos e sua chimangada, onde se aprendia desde piá que “maragato não morre de cama!”. Stival abriu a boca para a tão temida e odiada RBS como quem vai no confessionário. De a pouco o acompanham na confissão o ex-tesoureiro do PT gaúcho, Marcelino Pies, assim como os militantes e “homens da mala de MV”, Marco Trindade, Paulo Antônio Bassotto e Jorge Garcia. O mais constrangedor para o ex-prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, é que por trás dos R$ 1,2 milhão estão provavelmente parte de suas dívidas de campanha em 2002.
Se o problema do ex-ministro da Educação fosse “apenas” este já seria o bastante. Mas não é. Indiretamente, Tarso está com o nome associado a um possível envolvimento dele, através de seu grupo de confiança, com uma organização criminosa de fraudadores do INSS, comandada pelo argentino Cesar Arrieta.
Como tudo nesta crise, esta é mais uma história nebulosa. Cesar de la Cruz Mendoza Arrieta é sócio de dois empresários gaúchos, naturais de Santa Maria, Roberto Coimbra Fabrin e Márcio Pavan. Em 2004, Fabrin e Pavan, tiveram uma audiência em Brasília com um conterrâneo, o deputado federal Paulo Pimenta (PT/RS). Ambos foram apresentados a Pimenta por outro empresário da mesma cidade. De família tradicional e atuando no ramo de transportes, Luiz Alberto Maffini disse ter ido à Brasília falar com Pimenta para iniciar uma cooperativa de extração de pedras preciosas no interior do estado. Os outros dois alegaram querer apoio para exploração de cacau na Bahia. Pimenta teria dito a Fabrin e Pavan que o assunto não era com ele e encaminhou os conterrâneos para falarem com o relator da matéria. Quanto ao empreendimento de Maffini, nada se sabe.
Até aí tudo bem, mas a história não bate. Outro fio da meada desenrola com o hoje deputado estadual, engenheiro Adão Villaverde. Segundo o ex-secretário de Ciência Tecnologia do Rio Grande no governo Olívio, a sala 903 da Rua Fernando Gomes, 128, bairro Moinhos de Vento, teria sido usada por ele para reuniões de montagem de seu gabinete na Assembléia. Isto entre outubro de 2002 e janeiro de 2004. O imóvel pertenceria a Maffini, e este o teria cedido por amizade. Maffini, obviamente, nega tudo e diz não possuir imóveis em Porto Alegre. Na verdade, a sala pertence a SRS, empresa de Arrieta e de sua esposa, a advogada Sônia Regina Sorder. Villaverde afirmou que foi o companheiro de partido, Paulo Pimenta, que os teriam apresentado. O deputado estadual declarou isso no ar e Pimenta o desmentiu, dizendo que nunca conheceu Maffini nem o apresentou a Villaverde. Detalhe, ambas entrevistas foram no rádio, ao vivo e em programa de grande audiência.
Esta é apenas uma parte da história. Fruto da Operação Tango concluída em maio de 2005, o contador de Arrieta, Édio da Rosa Millis e a ex-faxineira do casal de fraudadores, Lioneida Machado Barbosa, prestaram depoimentos ao Ministério Público Federal. Os dois afirmam que Villaverde recebeu de Arrieta uma média de R$ 35 a 40 mil reais por semana para campanha política do ano 2000. Neste ano, Tarso concorreu e ganhou as eleições para a prefeitura de Porto Alegre. Já Adão Villaverde participou ativamente da campanha e não concorreu a cargo nenhum. O raciocínio óbvio implica concluir que este dinheiro semanal era para Tarso Genro e sua campanha majoritária. Resta saber se tudo isso é verdade ou são informações plantadas para atingir, de forma direta e indireta, ao hoje candidato a presidente do partido e tábua de salvação do PT, Tarso Genro.
As únicas verdades até aqui são factuais. Maffini não é dono da sala no bairro mais chique de Porto Alegre, Moinhos de Vento. Quem tem escritório no mesmo edifício, situado no metro quadrado mais caro do Rio Grande é o advogado e político de “esquerda” Tarso Genro. Isto serve de álibi para justificar os vários encontros de Tarso e Villaverde na sala de Arrieta. Pavan, Fabrin, Édio, Sônia e Arrieta estão presos. Os dois últimos além de presos, estão incomunicáveis. Villaverde afirma ter sido apresentado a Maffini pelo deputado federal Paulo Pimenta, e foi desmentido no ar. A única coincidência neste caso, é o fato de todos os empresários, além de Pimenta, serem naturais de Santa Maria. A cidade governada pelo petista Valdeci Oliveira, reeleito em 2004 e do mesmo grupo de Tarso. O ex-ministro do Conselho de Desenvolvimento e depois da Educação, é natural de São Borja, mas tem a Santa Maria como cidade de origem.
Talvez estas denúncias sejam todas falsas. No momento que vivemos, contra-informação, vazamento e notícias plantadas são corriqueiros. É o debate político que se esconde atrás das investigações o que mais importa. Porque um deputado estadual do PT gaúcho aceita usar uma sala de edifício comercial em pleno Moinhos de Vento, área conhecida como “calçada da fama”? Não calculou Villaverde o impacto que isto pode ter no seu eleitor? Por mais que exista classe média em Porto Alegre, o convívio da dirigência do PT com a elite gaúcha é uma agressão aos militantes de base e eleitores do partido. Basta conversar com um deles para perceber isto. O mesmo vale para Tarso. Hoje parece ser algo corriqueiro o fato do líder da ala direita do PT ter imóvel no metro quadrado mais caro e badalado da capital do estado. Mas, para os moradores das vilas da Região Metropolitana, fatos “banais” como estes os aproximam dos cabos eleitorais e pastores do senador Sérgio Zambiasi (PTB/RS). Pimenta tampouco escapa. Antes de ganhar notoriedade ao pegar carona no carro de Marcos Valério, Paulo Pimenta saiu em defesa dos transgênicos. Ao mudar sua posição, jogou fora seu passado e trajetória. Passou a ser odiado pelo MST.
Antes do PT se encontrar abalado pelas denúncias de falcatruas, já quase não havia identidade de classe neste partido. Perdidas as origens, a “ética republicana” não ia durar para sempre. Só foi embora antes do esperado. Tarso tem certeza que o PT escapa dessa. Em reunião com vereadores do PT paulista, projetara o momento após a crise que o PT vai viver. Relacionou-o com o longo período que o PSOE espanhol ficou sem ganhar eleições. Como se sabe, hoje o partido social-democrata de Espanha volta ao poder após uma década de ausência, com o 1º ministro Zapatero.
Prefiro usar outro contraponto. A sanha com que os “ex-companheiros” se apropriaram do patrimônio público brasileiro faz lembrar outro momento histórico. Logo após a conquista de Manágua em 1979, vários comandantes sandinistas tomaram para si as mansões dos amigos de Somoza. Aos poucos incorporaram o comportamento do antigos inimigos. Até orgias como as promovidas em Brasília em hotéis 5 estrelas chegaram a fazer. Confundiram a toma do poder oligárquico com a criação de outra forma de poder. Ao se tornarem outra oligarquia corrupta, passaram a ser vistos como uma cópia piorada dos ex-inimigos. Dez anos depois Violeta Chamorro retoma nas urnas um país que havia sido libertado na bala. Não houve resistência do povo. Uma vez perdida a identidade popular, os sandinistas passaram a pregar apenas a “dita moral republicana”. Acabaram perdendo tudo. Foi-se embora a identidade popular, a moral militante e até a “ética republicana”.
A máxima vale para Tarso Genro e o PT. Perdendo o essencial, tudo o que resta, é apenas o resto.