4ª feira, 14 de novembro de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, na data da ignóbil traição e massacre de Porongos
A política do Rio Grande do Sul anda em estado de choque. Acostumados a fazerem críticas, os operadores políticos do pago passam de pedra a vidraça. Isto porque, na madrugada da terça-feira dia 6 de novembro, a Superintendência da Polícia Federal do Rio Grande do Sul, sob o comando do delegado Ildo Gasparetto, dá início a tormenta. Seria uma operação federal a mais, correspondendo a média de produtividade deste órgão da União. Não é o caso. Para a identidade da elite gaúcha, o escândalo bateu no fígado.
A Operação Rodin desmonta um esquema de desvio de dinheiro a partir do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RS), da Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia da UFSM (Fatec) e quatro empresas terceirizadas por esta última. As firmas terceirizadas são constituídas por pessoas ligadas diretamente ao Detran-RS e a Fatec. O processo de superfaturamento e lavagem, envolveu a Pensant, a Rio del Sur, a Newmark Tecnologia e a Carlos Rosa Advogados Associados. De acordo com o MPF, entre 2003 e 2007, as quatro pessoas jurídicas juntas receberam um valor corrigido de R$ 40 milhões. A partir deste ano, houve um reacomodo. Entra em cena outra fundação ligada a UFSM e quatro empresas mais. Todos os titulares dessas firmas são gente de destaque e com vínculos no mundo empresarial e na administração estadual.
Uma das características dos políticos do pago é o discurso qualificado. Não se trata de coronéis do tipo baixo clero, mas gente instruída, boa parte composta por advogados e bacharéis de direito. Estes operadores da política local circulam por ambientes complementares. Passam pelo serviço público estadual ou federal, atuam como agentes econômicos e ocupam cargos na hierarquia partidária. É sempre bom ressaltar que a direita do Rio Grande é orgânica, disciplinada e muito capaz. Não entro no mérito do conteúdo desta capacidade, mas afirmo que na comparação com outras siglas estaduais, o nível de sofisticação é maior. Talvez por isso o motivo de tanto espanto.
A lista dos presos é de treze pessoas e atinge o cerne de alguns partidos. Flavio Vaz Netto foi preso deitado na cama e levado algemado para a sede da PF. Era diretor-presidente do Detran-RS, e homem de confiança do deputado federal e ex-secretário de Segurança Pública, José Otávio Germano (PP-RS). Também da cota de José Otávio é Carlos Ubiratan da Silva, que havia sido presidente do mesmo órgão e ocupava o posto de diretor do Trensurb (metrô de superfície pertencente ao Ministério das Cidades). Outro preso é conhecido do meio político e responde por uma estatal. Antônio Dorneu Maciel era diretor-administrativo da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) e também foi levado. Maciel integra a executiva estadual do Partido Progressista do RS.
Já a prisão do empresário Lair Ferst chegou perto do Palácio Piratini. Lair é filiado ao PSDB gaúcho e foi muito ativo na campanha da governadora Yeda Crusius. Uma das figuras-chave na investigação é a do contador Ruben Höher, ex-secretário da Fazenda do município de Canoas entre 2002 e 2004. Exerceu o cargo durante a gestão do ainda prefeito Marcos Ronchetti, médico tucano e grande apoiador da governadora. Com o benefício da delação premiada, Ruben apontou o esquema de entrega de dinheiro no flat onde reside Maciel. Ainda na lista dos partidos, consta outro ex-diretor do Detran-RS é Ermínio Gomes Jr. Também preso Ermínio é filiado ao PMDB-RS o que implica diretamente na composição do governo do estado.
De Santa Maria foram encarcerados homens de destaque levando esta cidade a um estado de tensão. O ex-reitor da UFSM, Paulo Sarkis foi levado do centro do estado para a carceragem da Polícia Federal. José Fernandes, ex-coordenador do curso de administração, um dos fundadores da Fatec e ex-presidente da extinta Caixa Econômica Estadual. Dario Trevisan de Almeida, ex-coordenador da Fatec, e professor universitário, ficou preso por pouco mais de 48 hs.
O choque midiático foi grande. A chiadeira posterior também. Muito debatido foi à necessidade ou não de se usar algemas em presos que, em tese, não representariam maior periculosidade. O debate de fundo é outro. Apesar de ser um símbolo de autoridade do Estado, o que se discute são dois pesos e duas medidas. Sempre reivindicado quando da prisão de meliantes violentos, o uso das algemas ofendeu moralmente os presos. Assim, na carceragem da PF os acusados de roubar dinheiro público não precisariam passar por este tipo de constrangimento. Já os presos de tipo comum, os que assaltam de forma violenta, ficam mais tempo na cadeia e roubam em espécime, muito menos dinheiro. No momento das prisões a “sociedade” clama por mais vigor e violência sobre este tipo de delinqüente. Dois pesos e duas medidas.
A sobrevida da imagem de idoneidade dos políticos gaúchos depende diretamente da evolução das investigações. Se os acusados forem presos e julgados, tendo seus bens confiscados para ressarcir os cofres públicos, existe a possibilidade de seguir o mito. Caso contrário, não haverá operação de propaganda que limpe tanta lama.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat