4ª, 27 de fevereiro de 2008, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé, Território da Liga Federal
Na próxima 5ª dia 28 de fevereiro, o presidente Luiz Inácio vai lançar o programa Territórios da Cidadania. O evento irá ocorrer na cidade de Quixadá, no Sertão Central cearense, um dos territórios a receber verbas e recursos humanos do governo Central. Trata-se de algo de vulto, sendo uma ação coordenada de 19 ministérios, visando unificar os programas sociais e aumentar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (CE). Se o programa for cumprido à risca, serão liberados R$ 11,3 bi no primeiro ano atendendo 60 territórios. Em 2009, se e caso o cronograma não atrase, outros 60 micro-regiões com baixo IDH e economia estagnada serão atendidas. É uma boa idéia, ou melhor, um bom paliativo. O que não se pode aceitar é ver, oura vez mais, a programas de envergadura sendo lançados em ano eleitoral.
Isto se dá porque toda a classe política brasileira trabalha com a idéia-guia da aplicação financeira. O dividendo a ser cobrado perante o exercício da função de Estado é a moeda eleitoral. Ou seja, os governantes cumprem parcialmente sua obrigação e ainda assim condicionam seu dever a um retorno na base de votos. Um programa rende publicidade para todos. Para o gestor público, aumenta a sua visibilidade. Para os conglomerados de comunicação, gera divisa a ser cobrada em preciosos segundos de inserção em horário nobre. O Programa de Desenvolvimento Territorial dá a partida de todo o projeto. Tudo começa em audiências públicas entre governos, ministérios e entidades de base dos municípios atingidos. Assim, já teremos palanque em março. Muito provavelmente, em boa parte destas cidades, o lançamento contará com a presença de Lula em carne e osso.
Nada disso é novidade na política profissional. Desde o governo social-democrata sueco de 1931 que se utilizam estes recursos de reserva eleitoral. Os beneficiados pelo Bolsa Família não chegam na renda mínima através da ação coletiva e organizada mas via intervenção do Estado. Permanecem desorganizados embora fiéis eleitores. Durante os oito anos de Fernando Henrique, estes programas eram pulverizados entre ministérios e com distintos padrinhos políticos. O resultado foi que não impactaram o suficiente, nem na melhora direta das famílias, nem nos dividendos eleitorais. O Real reelegeu FHC, os programas sociais não.
Nesta etapa do segundo mandato de Luiz Inácio, o novo núcleo duro do Planalto, pós-crise política de 2005, já sabe a quem recorrer. Tudo se dá dentro dos limites do possível e arranjado pelo acórdão com ex-arenistas e a Banca. Qualquer coisa mais ousada, seja pelo social, seja pelo viés nacionalista, simplesmente não irá acontecer. O pacto da política econômica não permite desenvolvimento sustentável, aumento real de salário e poder de barganha pelos trabalhadores. No quesito organização jurídica e política, o importante é garantir a centralização burocrática e associar que a renda mínima coexista harmonicamente com os índices de coeficiente eleitoral.
O Programa Territórios faz-me recordar o antigo gabinete de governo paralelo, promovido pelo PT ainda durante o governo Collor. A proposta original era de desenvolvimento sustentável e tendo por base a micro-região. O conceito evoluiu para grandes áreas, chamados de Biomas – como o Pampa, em vias de ser flagelado pelas papeleiras – e os conjuntos de municípios com características próprias, sendo denominados territórios. Vivemos uma época onde a estética substitui a consistência teórica. Com a linguagem passa o mesmo. Mudam os nomes, se aplicam conceitos corretos, mas a estrutura da política segue a mesma. No fim, muda pouco ou nada.
Em ano de eleições municipais, um Programa dessa monta é como soltar um cachorro comedor de ovelha no meio do rebanho. Vai sobrar palanque e com reforço de dinheiro. Lula arranca o ano mais forte, podendo tecer alianças ao seu bel prazer. Alia-se a gregos e troianos, promovendo seu governo em detrimento ao partido político. Freia a projeção política do PT e também dos movimentos populares. Para estes setores, encabeçados pela Via Campesina e acompanhados pelos movimentos urbanos, os recursos terminam servindo como freio. Os dirigentes mais acomodados, já se contentam com os caraminguás dos “projetinhos”. As “esquerdas” destas direções, dedicam-se a fazer oposição aos governos estaduais. Projetos de poder, reformas de base, estratégia nacional de longo prazo, tudo isso termina por ficar para o dia de são nunca.
É preciso explicitar um ponto de vista. Todo e qualquer programa de governo promotor de aumento do IDH é interessante e necessário. Mas estes programas jamais substituirão os projetos e reformas estruturais de que tanto o país precisa. A pobreza de um município anda de braços dados com a falta de recursos, sendo esta a filha mais nova da bomba de sucção chamada carga impositiva. Sem reforma tributária e federalismo fiscal, é impossível o desenvolvimento local, que dirá o sustentável. O mesmo passa com a distribuição de renda. Distribuir renda é aumento de salário para a mão de obra e crédito subsidiado para os micros e pequenos empreendimentos. Para os povos tradicionais, como quilombolas, indígenas, posseiros, caiçaras, pescadores artesanais e afins, vale a regra da reforma agrária. Demarcação de terras, política extrativista e de agricultura camponesa, tudo isso regado com política agrária e agrícola generosa e farta.
A pobreza estrutural é irmã gêmea da estagnação econômica e da acomodação coletiva. Para superar estes flagelos societários, não bastam projetinhos e programas de auxílio. O Brasil só muda, e de uma vez por todas, com políticas públicas reais e ampliação dos direitos constitucionais. Do contrário, todo ano eleitoral será mais do mesmo.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat.