O sistema mundo, falsamente apelidado de “comunidade internacional” está com suas atenções voltadas para um país com grandes riquezas naturais. Apesar de rico em vários produtos, dentre elas as clássicas bananas e petróleo, mais da metade de sua população vivendo na pobreza, o Equador. O motivo é a realização de eleições que podem pender as forças na América Latina a favor de política anti-EUA. Isto pode significar um arco de aliança mais próximo dos presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales.
Nove milhões de equatorianos foram às urnas no último dia 15 para escolher um novo presidente e vice-presidente, renovar o Legislativo, designar os deputados andinos e votar os conselheiros, vereadores e outras autoridades locais. Nenhum dos treze candidatos à presidência atingiu 40% dos votos, condição para vencer o primeiro turno. O eleito será o oitavo líder do país em um período de dez anos, já que o povo destituiu seus três últimos presidentes do poder e apenas três completaram seus mandatos desde 1979.
O primeiro turno contou com uma votação tranqüila, mas a apuração causou protestos no país. Sob responsabilidade da empresa brasileira E-Vote, a contagem dos votos deveria ser concluída no próprio dia das eleições, mas foi suspensa com 70% das urnas apuradas devido a um suposto colapso no sistema de computador. Observadores externos, como representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA), acompanharam o processo sob a alegação de garantir a transparência do pleito. A Corte Suprema Eleitoral do Equador cancelou o contrato de US$ 5 milhões (R$ 10.6 milhões) com a empresa brasileira no dia seguinte à votação.
Correa X Noboa
Com posturas notoriamente contrárias, disputam à presidência do país, no próximo dia 26 de novembro, o milionário pró-Estados Unidos Álvaro Noboa, do Partido Renovador Institucional Ação Nacional, e o esquerdista Rafael Correa, do movimento Aliança País. Eles deixaram para trás outros favoritos como León Roldós, da aliança Rede Ética Democracia e Esquerda Democrática, e a única mulher candidata, Cynthia Viteri, do Partido Social Cristiano. Gilmar Gutiérrez, irmão do ex-presidente destituído Lucio Gutiérrez, foi a surpresa das eleições. Embora pouco cotado, conseguiu terminar na quarta colocação, na frente de Viteri e quase empatado com Roldós.
O Equador deverá escolher no segundo turno entre um candidato que se opõe ao Tratado de Livre-Comércio com os Estados Unidos e critica os organismos internacionais de crédito e o presidente americano, George W. Bush, como Correa, e outro com um pensamento completamente oposto. Noboa não é apenas contrário a quase tudo que Correa defende, especialmente no campo das relações internacionais, mas é taxativo em assegurar que não manterá relações com Cuba ou Venezuela, cujo presidente, Hugo Chávez, é amigo pessoal do candidato esquerdista equatoriano. Correa, que se define como um homem de esquerda, mas não de uma esquerda marxista, e sim de uma esquerda cristã, é tachado por Noboa de comunista, enquanto o multimilionário se diz um liberal e um enviado de Deus. Contudo, ambos coincidem em afirmar que manterão a dolarização, um esquema econômico pelo qual o Equador abriu mão de sua moeda, em 2000, para adotar o dólar americano.
Correa, que é ex-ministro de economia e finanças do atual governo, prometeu suspender acordos de livre comércio com os Estados Unidos, reescrever a Constituição para fortalecer os poderes do presidente, revisar os contratos do Equador com as companhias de petróleo (inclusive a Petrobrás) e conquistar uma "revolução dos cidadãos". Noboa, bem-sucedido empresário exportador de bananas que tenta chegar à presidência pela terceira vez, prometeu construir casas e criar empregos para levar os pobres do Equador à classe média e dar apoio ao livre mercado, assinando um tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Além disso, distribui computadores, cadeiras de roda e remédios para a população e usa a Bíblia em seus comícios.
É preciso uma reflexão de fundo. Qualquer semelhança entre o estilo de fazer política de Noboa e o engenheiro agrônomo Alberto Fujimori, não será mera coincidência. A importância é o fato do povo equatoriano se acostumar a derrubar governos eleitos, em especial aqueles que praticam duplo discurso e depois baixam decretaços como este que dolariza a economia. Lástima que a primeira medida, embora combatida, tende a sedimentar na estrutura de controle do país. O lastro econômico entra como contraponto forte, e aí joga a função estratégica da aliança acenada por Chávez.
A maior virtude pode virar o maior problema. Chávez perdeu uma eleição no Peru e, de acordo com a contra-ofensiva das oligarquias locais, pode vir a ser derrotado novamente no Equador. Ironia maior seria perder, literal e novamente, para uma nova versão da United Fruit Co. Jacobo Arbenz pode vir a morrer novamente.
Pesquisa e redação de Camila Reinheimer
Revisão de Bruno Lima Rocha