4ª feira, 7 de novembro de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé
O Rio Grande do Sul vem negociando desde o início do ano a contratação de empréstimo junto ao Banco Mundial (Bird) que vai de US$ 500 milhões a US$ 1 bilhão. No momento em que escrevo estas linhas, o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, o sempre citado economista Aod Cunha, se encontra em Brasília para negociar o futuro das finanças do estado. O homem forte de Yeda Crusius dialoga com Arno Augustin, titular da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), apresentando informalmente tanto o Plano de Recuperação como o modelo de carta-consulta para obter o empréstimo. Os passos da aprovação do recurso refletem o labirinto da dependência interna.
Para que o Rio Grande obtenha o dinheiro do Bird, é necessária a aprovação da Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex), órgão do Ministério do Planejamento responsável por aprovar ou negar que os governos estaduais captem recursos no exterior. Aod e Augustin vão conversar sobre os ajustes da carta-consulta, a ser encaminhada ao Cofiex para ser autorizada até o fim de 2007. Este é um dos últimos passos para que o pago gaúcho resolva as querelas com o governo central e possa fechar o acordo com Banco Mundial.
Depois do aval da STN e da Cofiex, iniciam-se as exigências do próprio Bird. Percebam como a negociação política passa pelo constrangimento. O organismo financeiro internacional libera o dinheiro desde que o estado do Rio Grande do Sul cumpra seus pré-requisitos. Um deles é a “modernização” da máquina pública. Substantivamente essa frase não tem valor. Ou seja, pode ter vários significados embora qualquer leitor atento venha a intuir que isso implica em tirar do estado responsabilidades que são necessariamente política de Estado. A ausência de regulação da vida em sociedade e controle sobre os agentes econômicos são conceitos desta “modernização”.
Outra pré-exigência é o ajuste fiscal, o gargalo de sempre, cuja aplicação ao pé da letra é uma bomba relógio social. A versão de bombacha desse ajustamento é o Plano de Recuperação do Estado, com tarifaço incluído, e que está a ser votado pela Assembléia Legislativa. Supondo que o montante entre no caixa do estado, os recursos começam a cair em três parcelas, sendo a primeira para agosto de 2008.
Mais constrangedor do que as exigências é a aplicação do montante. O empréstimo virá para abater parcialmente a chamada dívida extralimite, contraída junto às instituições financeiras internacionais. Esta dívida, que incide sobre a Receita Líquida Real (RLR), abaterá parcelas de empréstimos com vencimento programado para 2008 e 2012. Além de rolar a dívida com os credores externos, o empréstimo vem para cobrir outro empréstimo, contraído para “sanear” o Banrisul. Eis o mistério, porque o Banco do Estado do Rio Grande do Sul fecha seu balanço no azul e apresenta lucro há anos. Se há algo que vem sangrando o banco é o regime de caixa único e programas como o Fundo Operação Empresa (Fundopem/RS).
Caso feche o acordo triangulado com a STN, Cofiex e Bird, o Rio Grande terá contraído compromisso por vinte anos. Isto porque, caso o montante alcance US$ 1 bilhão, a dívida extralimite vai ter seus compromissos reduzidos de 5% para 2% no pagamento dos credores internacionais pelas próximas duas décadas. Dentro da chamada dívida intralimite, contraída junto a União, serão aplicados outros 13% da RLR. O arranjo pode implicar numa possível amortização da dívida no valor de R$ 620 milhões entre 2008 e 2012. Mas, o preço real será alto. O empréstimo junto ao Banco Mundial implica um acordo de rolagem e pagamento das dívidas interna e externa. Os economistas neoliberais que me perdoem, mas se isso não é quebra de soberania e ingerência externa, então o que é?
Este debate é essencialmente político por tratar do destino de um governo estadual. Mas, com a colonização dos pressupostos neoliberais sobre outros saberes, discutimos a dívida sob o manto da “técnica”. A camisa de força impede ver alguma saída além do receituário já aplicado em outros lugares e com resultados tenebrosos para vida das pessoas. Infelizmente, não é um problema apenas dos gaúchos.
Além do Rio Grande, outros estados da União estão com suas finanças comprometidas ao ponto de ameaçar o Estado de funcionar. O governo central é o responsável, porque dá o aval e autoriza a contração de empréstimos com credores internacionais além de cobrar com mão de ferro a dívida interna. O empréstimo a ser contraído pelo Piratini trata-se de ingerência externa e mais combustível para a ciranda financeira. A saída coletiva passa pelo fim da guerra fiscal, reforma tributária, descentralização da carga impositiva e perdão de parte da dívida interna. Fora disso é apenas mais do mesmo.
Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat