2008, como todo ano par, é eleitoral. O pleito marca o calendário e divide os 365 dias em quatro momentos. Tudo começa no verão pré-carnavalesco, com licença do Parlamento e a economia girando no entorno das férias (janeiro e fevereiro); no período de preparo, quando as forças políticas acumulam banha para queimar na campanha (de março a julho); a campanha em si, concentrada e tentando superar a apatia estruturante (agosto e setembro); termina com ressaca e arranjos pós-eleitorais (outubro, novembro e dezembro).
Neste caso, o que me preocupa é capacitar entidades e militantes sociais para evitar a contaminação pelo clientelismo. O xis da questão está no dia a dia. Vivemos nos municípios e não na blogosfera. Nossas relações cotidianas são mediatizadas, mas os canos de esgoto continuam vazando de fronte às casas da maioria dos gaúchos. Amizades, inimizades, hábitos, costumes e convivências coletivas seguem existindo nos bairros, centros e cidades. Sobre e dentro deste tecido social opera o cabo eleitoral e as estruturas profissionais de representação.
Está enganado quem pensa a política municipal apenas através dos favores individuais e na ampliação do direito à cidade. Tanto o voto como a revolta está contida nas entrelinhas das comunidades e grupos de interesse, legítimos ou não, legais ou ilegais. O combustível motivacional vai das frustrações acumuladas pelos roubos promovidos por viciados em craque, às metas estratégicas de instalação de uma empresa que comprou meia dúzia de lideranças locais. No meio desse turbilhão, está o cotidiano pouco visível. É o famoso “quem conhece quem que pode indicar a fulano e beltrano”. A partir de março, cada promoção de meio-frango e carreteiro será vista com desconfiança, mas disputada a pau. O futuro de um vereador muitas vezes depende de cinqüenta votos. Exemplificando: três festas gratuitas, dois grupos de pagodes ou vanera semi-desconhecidos mais quatro núcleos familiares e o candidato está no páreo.
O ataque ao tecido social urbano-metropoltiano é cada vez maior. Tanto a eleição de prefeito ou vereador como a indicação de secretários municipais está ancorada na trama da organização da sociedade local. Tudo depende do grau de confiança mútua gerado com a certeza dos anos de convivência. O tecido social está nas canchas de futebol de terra batida, pedra e areia; nas creches onde faltam recreacionistas e merenda; nas paradas de ônibus onde todos se juntam e começam a falar mal das autoridades locais; nos chás com bolo dos clubes de mães e comunidades pastorais; nas falas de pastores pentecostais para obreiros e fiéis; nos CTGs de chão batido e espaços semelhantes.
A eleição no município é a mosca azul do povo. Estando ao alcance de todos, termina por desarticular quase todo o tecido social de origem popular. Se a entidade não se precaver, termina perdendo seus de militantes de base e líderes comunitários para os interesses mais difusos e nada republicanos.
Este artigo foi publicado originalmente na edição impressa da Revista Voto, No 41, Março de 2008, pág. 58