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O ministro, o caseiro e o Processo Político.


Francenildo,ocaseiro de olho vivo e aberto, cuja vida privada foi devassada para "salvar" um ministro amigo de banqueiros e financistas.

Viamão/RS, 28 de março de 2006

Imagina-se que os artigos de um cientista político refiram-se ao panorama pré-campanha pelo fato de estarmos em ano eleitoral. Embora prefira o termo analista por ser mais real e menos pretencioso que “cientista”, concordo com a expectativa, mas não com o fundamento. A Política com P maiúsculo é muito mais abrangente do que as eleições. Estas, são um aspecto da política, uma parte das regras de um jogo que também se joga sem regras, ou ao menos, com regras não escritas.

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Existe também a polititica, com p bem pequenino e infelizmente é a mais corriqueira nos noticiários brasileiros. Quem mora em bairro carente onde pululam vereadores para intermediar aquilo que é de direito conhece bem esta realidade. Em geral, a polititica atira uma nuvem de fumaça por cima dos processos reais, origem das desviações ou mesmo das alterações bruscas de rumo. É outra palavra com, P maiúsculo também, e se chama Processo.

Por desfazer das lições da história, a esquerda nem tão à esquerda neste pedaço de mundo chamado América Latina mais se assemelham a outra situação kafkaniana. Antes de perder-se por corredores e labirintos burocráticos, nossas esquerdas costumam trocar o boi pelo bife, e mais parecem com a Barata narrada no livro de Kafka. No momento o (ex) ministro da Fazenda termina a via crucis do cai-cai típico de quem muito fez, mas deixou rabo preso atrás. Conforme já dissemos em outros artigos, deixemos a investigação minuciosa para os jornalistas de ofício. Os leitores de política, os do Noblat em especial, sabem onde buscar informação precisa e crítica. Aqui, queria discutir o conceito de Processo.

Para não ser redundante e perturbar aos leitores com o caseiro, Palocci, a mansão das festinhas e a dança da pizza da ex-prefeita de São José dos Campos, trago uma realidade distinta como exemplo, mas que caracteriza a situação nacional. Me perdoem os cosmopolitas, mas não há nada mais universal do que o retrato da sua província. Vejamos.

Há 10 dias atrás, em programa que coordeno em uma rádio comunitária do município de Viamão/RS, tive a oportunidade de fazer uma entrevista com o ex-prefeito do município. Eliseu Chaves Ridi foi prefeito por dois mandatos consecutivos e antes havia sido vereador por duas legislaturas. Fruto da luta popular nos anos ’80, vive o interregno após ter elegido seu sucessor, embora não seu indicado na sucessão. No momento, aguarda ansioso outubro chegar para concorrer a deputado estadual. Ridi é um exemplo vivo de um Processo Político.

Sua entrevista, esta sim, foi com E maiúsculo. “Coisa prá guasca!” como dizemos aqui. Após mais de um ano e meio desafiando no microfone toda a classe política do município para enfrentar a mim e a equipe numa entrevista-debate, após ser cutucado pessoalmente, Ridi concordou. O acordo era simples, nenhum arranjo. Sem roteiro, assessoria, perguntas pré-combinadas nem censura prévia. Nada de radio-jornalismo chapa branca, nenhuma “ciência” política neo-institucional. Respondia o que queria mas teria de ouvir todo e qualquer tipo de pergunta. O ex-prefeito vestiu as bombachas e foi para a peleia conosco.

Perguntamos de tudo, mas algumas questões lhe tocaram fundo. Uma delas foi a do início de sua militância, ainda no governo Figueiredo. Pedimos que ele se lembrasse quem foi seu maior inimigo na política econômica da época? Ele se fez de rogado, mas balbuciando disse: ‘o então ministro Antônio delfim Netto, autor da maxi-desvalorização do cruzeiro.” Na época, Eliseu era líder comunitário em Viamão. Então pedimos que dissesse algo a respeito do governo Sarney quando tornou-se sindicalista em Porto Alegre, como eram as greves da época e a agitação política durante a Constituinte. Ridi discorreu com detalhes as passagens mais importantes. Concluímos perguntando-lhe como se sentia, após mais de 25 anos de militância, ao ver seu partido alcançar o poder e levando de carona seus inimigos políticos dos anos ’80? Silêncio e constrangimento no estúdio. Como resposta, derivou o debate para a concepção de hegemonia.

Mudamos o assunto, e entramos em sua gestão no município. Sem dúvida, comparando com a bagunça que havia, foram dois mandatos no mínimo regulares. Mas, quando a pergunta foi “o que fazer com a dívida pública? é possível governar para a maioria, cumprir a lei de responsabilidade fiscal e pagar a dívida ao mesmo tempo?” Resposta seca e direta: “não de fato não dá, a gente fica embretado e não cumpre meta nem prazo algum.”

O debate passou para o tema da militância e sua geração de ativistas. Fizemos as contas no ar e a conclusão foi a seguinte. Os que não foram tragados pela burocracia, a carreira política e os tão disputados CCs (cargos de confiança), tinham ido para a casa. O exercício de governar sob as regras dos ex-inimigos hoje aliados esvaziou a vila e a base, consumindo todos os recursos humanos que haviam sido forjados até a derrota de Lula para Collor em 1989. Após o início dos mandatos municipais, os novos correligionários já surgem para a política com um pé nos gabinetes e o outro pedindo para entrar. Não sabem ou pouco conhecem o que é a lida militante, atuar sem recursos e contra uma estrutura estabelecida. Como diz um professor da UNAM, Heinz Dieterich, alemão radicado no México e que muito admiro:

“Não podem trazer soluções porque já são parte dos problemas!” E são mesmo.

No último bloco do debate, como a entrevista foi uma verdadeira peleia de idéias, lhe perguntamos qual seria seu destino político. “O senhor vai correr para deputado estadual? Por qual corrente e aliado de quem?” Nos deu a informação, que aliás já a tínhamos há 30 dias, confirmando também a aliança preferencial com Paulo Pimenta, candidato a permanecer deputado federal.

Pimenta, como se sabe, é ligado ao grupo de Tarso Genro, natural de Santa Maria da Boca do Monte e apoiou publicamente aos transgênicos no estado. Perguntamos como fica a sua posição no município e se não haveria choque de lealdades. Isto em função de ter sido na gestão Ridi que o assentamento Filhos de Sepé, do MST, se instalou em Viamão. Eliseu ficou meio sem palavras e reconheceu que sendo amigo do inimigo de nossos amigos, portanto passa a ser também nosso inimigo.

A última pergunta foi direta: “E a lealdade de classe companheiro?” “Governei para todo o município e não para um setor dele, farei o mesmo no parlamento gaúcho” nos respondeu com muita franqueza. Após esta pergunta, encerramos a tensa entrevista e nos despedimos dos ouvintes.

Neste momento do artigo-relato, devem se perguntar qual a relação da entrevista com a situação do caseiro Francenildo dos Santos Costa, do consultor Ricardo Schumann, o presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso, oex- ministro da Fazenda e também ex-prefeito Antônio Palocci e a dança da pizza de outra ex-prefeita, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP)? Sinto dizer que toda e qualquer relação possível.

Não, não estamos acusando a Ridi de nenhuma das barbaridades de Brasília, longe disso. Sua gestão foi contestada nas ruas e microfones, não em tribunais. Nem tampouco esse ex-cobrador de ônibus tem sobre ele acusações do tipo “casarão da república de Ribeirão Preto”, nem no campo moral e menos ainda nas malas de dinheiro.

O problema não é esse. A questão de fundo, voltando ao P maiúsculo da política e do processo, é justamente outro P, este de “porque”? Porque um processo político iniciado nos movimentos de massa da abertura e redemocratização termina incorrendo nos mesmo crimes e acusações de ministros e políticos da ditadura militar, como Delfim e Sarney? Será este o preço da governabilidade? Será este o destino de outros atores políticos do continente, como Evo Morales e sua equipe também composta por muitos ex-guerrilheiros? A promiscuidade moral e a corrupção de valores é inexorável ao exercício do poder político?

Nossa vontade e esperança dizem que não. Não há nenhuma relação de causa e efeito entre poder político e moral pública arruinada. Mas, quando se governa com a estrutura dos outros e aliado dos antigos inimigos, aí sim, não pode dar em outra coisa.

Parábola final. Entre o ministro e o caseiro, não importa qual caseiro nem que tipo de ministro, que vença o caseiro!

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat






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