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No país de Mr. Meirelles

apelconsult

No país governado de fato por banqueiros, seu presidente é Ministro de Estado, blindado pelo STF e isento dos rigores da lei comum para os mortais. No país com a mais elevada taxa de juros reais do mundo, declarar a independência da autoridade monetária, como se fora um poder à parte, é sinal de “capacitação técnica”. Quando se governa para os bancos, são os banqueiros quem governam.

25 de novembro de 2010, da Vila Setembrina de Lanceiros Negros traídos em Ponche Verde, do Continente de Sepé, Andresito, Juana Azurduy y Artigas, Bruno Lima Rocha

Passadas menos de quarenta e oito horas do anúncio da nova autoridade máxima da moeda brasileira e para a composição da chamada equipe econômica, os novos membros já falam em austeridade e autonomia da “técnica”, ou seja, das premissas ocultas do neoliberalismo aplicado como política econômica de Estado. No time de Dilma fica Guido Mantega à frente da pasta da Fazenda, entra no lugar de Paulo Bernardo no Planejamento a coordenadora do PAC Miriam Belchior e, substituindo o homem forte das finanças do Brasil, Mr. Meirelles, entra um funcionário de carreira do Banco Central (BACEN) e com experiência de quatro anos trabalhando no Fundo Monetário Internacional (FMI). Este é o gaúcho Alexandre Tombini. Vejamos o que ele herda e de quem.

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Os últimos dezesseis anos tiveram algo em comum. Dois brasileiros com livre trânsito no mundo das finanças internacionais foram homens fortes em governos presidencialistas. O primeiro, Pedro Malan, ocupou a pasta da Fazenda em toda a era Fernando Henrique Cardoso. O segundo, ainda no exercício do cargo, vem ocupando a pasta de presidente de um poder quase autônomo. Sim, refiro-me ao senhor Henrique de Campos Meirelles, presidente do Banco Central do Brasil, que estaria prestes a despedir-se do Poder Executivo ao término do mandato de Lula.

Mr. Meirelles vem sendo a jóia da coroa deste governo de coalizão capitaneado por um partido de centro-esquerda não-classista. Como é sabido, este brasileiro de projeção transnacional fora recrutado em 2002, colocando como condição assumir com capacidade de “autonomia decisória”. Não por acaso, durante o hoje longínquo ano de 2005, apelidei (em textos publicados neste blog) esta relação de “governo do Comitê de Política Monetária, o Copom”. Há de se reconhecer que tal governo de fato e seu “capitão do time”, foram o elo forte da corrente no auge da crise política e domesticou a fúria dos animais econômicos diante da quebradeira de 2008, fruto da especulação em escala absurda oriunda dos mercados de ativos de risco. Meirelles e os líderes da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) operaram com rédea curta, contiveram a “exuberância irracional” dos apostadores nacionais da ciranda financeira e, ao mesmo tempo, permitiram (junto com a equipe econômica e a Casa Civil), um aumento do volume de fusões e aquisições nunca antes visto na história deste país.

O resultado é visível. Concentração econômica entre os grandes agentes, estabilidade financeira, divisão de renda (justa embora ainda insuficente) e aumento do crédito pessoal. O Planalto soube reconhecer os méritos e dividendos eleitorais advindos do exercício da autoridade monetária e, de sua parte, não faltaram provas de lealdade. Nunca é demais lembrar que Meirelles viu seu posto de número um do BACEN elevado ao cargo de ministro de Estado para, como se dizia à época, garantir foro especial, frear os ímpetos jacobinos da PF (durante a Operação Farol da Colina, ver link) e outras formas de constrangimento. Através da Medida Provisória de número 207 (de 13/08/2004), Luiz Inácio eleva-o a status de ministro de Estado, blindando ao ex-presidente mundial do BankBoston. Aumentando o inusitado, no dia 16 de agosto, a MP é publicada em edição extra do Diário Oficial!

Voltando ao problema de fundo, o paradoxo defendido ardorosamente pelos economistas neoclássicos e os reprodutores midiáticos é, no mínimo, uma incongruência. Enquanto defendem a “maior” autonomia do Banco Central (como se fora possível), querem ver esta independência de um órgão de Estado ser efetivada impondo restrições nas margens de manobra do próprio Estado como provedor de serviços públicos. Vejamos. Para esta corrente de pensamento, fã incondicional do ex-tucano Mr. Meirelles, o Estado não pode gerar despesas significativas para aumentar o investimento na educação, saúde e saneamento.

Na outra ponta da proposta, a equipe econômica ganha em autonomia e parte para negociar com as autoridades monetárias, representantes oficiais e oficiosos dos maiores interessados no endividamento público. Assim, o “quase-autônomo” BACEN pode endividar o país, criando despesa pública, gerando passivos (contas para os credores receberem), co-estipulando taxas de interesses e margens de “riscos” (a vergonha dos spreads bancários) além de manobras monetárias de tipo absurdo (como nas operações oficiais de swap).

Havia poucas variáveis diante da previsível saída de Meirelles, podendo vir outro executivo dos banqueiros ou tecnocrata das finanças do Estado. A opção de Dilma Rousseff foi a do caminhoa aberto pela tecnocracia, apostando nos funcionários de carreiras do Estado. Parece que a FEBRABAN vai permanecer muito tranqüila, batendo recordes atrás de recordes. O gaúcho Alexandre Tombini fez coro com a atual composição do COPOM, afirmando a “autonomia da técnica” por em cima da política. O futuro comandante em chefe da moeda da 5ª economia do mundo parece esquecer-se de que Alan Greenspan, o famigerado presidente do Fed (Federal Reserve, banco central do Império dos EUA), também tinha autonomia decisória (e quem o sucede também tem) quando exaltou a “exuberância irracional” dos “mercados” (operadores especulativos em forma de pessoas físicas e jurídicas) e nada fez para conter a quebradeira decorrente das fraudes em escala global advindas de negociatas com hipotecas impossíveis de serem resgatadas. Qual autonomia nos espera?

O certo é que tanto no Brasil de Mr. Henrique Meirelles como do ex-funcionário do Banco Mundial e com doutorado na Universidade de Illinois (o próprio Tombini), a Banca seguirá dando as cartas e recebendo as promissórias em múltiplas formas de juros e encargos da dívida pública.

A primeira versão deste artigo foi originalmente publicada no blog de Ricardo Noblat






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