- É fato. A data da Independência do Brasil e o fator de unidade nacional, o Exército Brasileiro como mito da instituição integradora das três “raças” oriundos da Batalha de Guararapes (no atual estado de Pernambuco, 1654) contra os Holandeses, não tem grande significado. O 07 de setembro nunca empolgou, assim como boa parte da história oficial de um país que nasceu como reino unido com a metrópole colonial lusa.
- Uma data como o 07 de fevereiro (martírio de Sepé Tiaraju na região das Missões Guaranis), 18 de novembro (Insurreição Operária do Rio de Janeiro em 1918), 09 de julho (Greve Geral de São Paulo de 1917) e 20 de novembro (por Zumbi dos Palmares) têm uma carga de representação muito mais forte, equivalendo para as lutas populares do Brasil ao 1º de maio para a classe trabalhadora em escala mundial.
- Para a etapa anterior da luta brasileira, ainda no momento anterior e após a chegada ao Poder Executivo do PT, o Grito dos Excluídos, marcha consensual convocada pela Teologia da Libertação por dentro da esquerda católica, bastava para o nível de protesto anterior. O primeiro Grito dos Excluídos se deu durante a ECO-92 no Rio de Janeiro (a Conferência Mundial de Ecologia que a ONU organizou no Rio) e depois o calendário ganha regularidade no ano de 1995. O dia sempre foi de luta simbólica e assim se manteve, modificando a perspectiva. A partir dos anos ’80 do século XX até a metade da década passada do século XXI, protestos com o sentido do Grito dos Excluídos até operavam como válvula de escape ou forma de tornar pública uma pauta e luta permanente. Para o momento atual, boa parte do Grito se torna irrelevante.
- O 07 de setembro de 2013 carregava consigo a perspectiva da retomada dos protestos de junho. É óbvio que a data é simbólica e também é óbvia a distância entre a esquerda que vinha da tradição do reformismo radical com àquela de orientação libertária. Dentro desta via, o anarquismo orgânico, especifista, não é maioria embora incida, e muito. Particularmente tal incidência ganhou maior dimensão no Rio Grande do Sul, quando o governo Tarso Genro (PT) mandou – sem ordem judicial – que a inteligência da Polícia Civil invadisse a sede da organização política Federação Anarquista Gaúcha (FAG). O intento de criminalização da Federação resultou na difusão nacional do episódio, aumentando a notoriedade e respeito político da FAG. Mas, ao contrário do que era compreendido no final de julho, as tentativas de criminalização dos protestos e seqüestro das pautas e sentidos do movimento não cessaram.
- A criminalização está se dando com o tema do uso de máscaras. Primeiro foi o estado de Pernambuco que, através de uma portaria (decreto administrativo) da Secretaria de Segurança Pública e ratificado pelo governador Eduardo Campos (PSB), proibiu o uso de máscaras em qualquer forma de protesto. A partir daí aumentou a repressão contra qualquer forma de protesto, obrigando os manifestantes a buscarem formas de proteção e resposta. O aumento do nível de violência e a criminalização do ato de esconder o rosto – algo previsível uma vez que há filmagem o tempo todo – pode aumentar os confrontos, mas diminuir o tamanho da adesão das pessoas desorganizadas como houve em maio, junho (auge) e julho deste ano.
- Já o seqüestro da pauta, quando a grande mídia termina por fazer coro com os governistas – quando estes afirmam o absurdo, de que os protestos são um golpe da direita – quando inclui pautas estranhas ao conjunto dos manifestantes. Quem está organizado jamais convocaria um ato para reforçar medidas que favoreçam a oposição a Dilma e, os jovens que aderem ao Black Bloc menos ainda. Enfrentar a corrupção endêmica e denunciá-la é uma forma de exemplificar o crime de elite dos governos do Rio e de São Paulo e suas relações com o capital brasileiro e transnacional. Respectivamente, Sérgio Cabral Filho (PMDB) e Geraldo Alckmin (PSDB), hoje galvanizam em seus respectivos governos uma relação umbilical com financiadores de campanha e contratantes de compras e serviços de governo. Assim, nas duas maiores cidades e estados do país, o nível de conflito só fará subir.
- Concluo afirmando que é a tendência dos movimentos massivos fluxos e refluxos, sendo que os meses após junho diminuíram a incidência das lutas de rua, mas estas não cessaram. As pautas estaduais ganharam força, mas ao mesmo tempo vão ao encontro de uma nova cultura da política das ruas. Em 25 de julho até a Globo reconheceu a presença anarquista no Brasil e fez um especial (Sem Fronteiras, em seu canal de notícias 24 hs, Globo News) que embora muito centrado no movimento Occupy Wall Street e Anti-glogalização, ao menos tornou visível a ideologia e sua vertente organizada. Para quem conhece o poder de agenda, sabe que isto é o reconhecimento de uma nova relação de forças. Hoje, no Brasil, vive-se o paradoxo de ter mais capacidade de mobilização pontual - mesmo que violenta – do que condições de organização permanente e de base ao longo do ano. Se esta distância diminuir, a nova cultura política das ruas pode ser o fiel da balança no ano da Copa do Mundo de 2014.