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ISSN 0033-1983
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Democracy Now! em Português a coluna semanal de Amy Goodman traduzida para o português
A crise de Fukushima exige uma nova forma não nuclear de pensar
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Estados Unidos volta a investir na expansão de plantas nucleares após mais de 30 anos.
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Por Amy Goodman
Novas informações mostram que o desastre da central nuclear de Fukushima, no Japão, é muito mais grave do que se reconhecia a princípio, dada a fusão total de três dos quatro reatores afetados. Enquanto isso, nos Estados Unidos, as duas plantas nucleares de Nebraska, ambas próximas da cidade de Omaha, entraram em estado de alerta em virtude das inundações provocadas pela cheia do Rio Mossouri. A Central Nuclear Cooper declarou emergência de baixo nível e terá que fechar se o rio aumentar seu nível em sete centímetros. A planta de energia nuclear de Fort Calhoun permanece fechada desde o último dia 9 de abril, em parte devido às inundações. Na planta de Prairie Island, em Minnesota, o calor extremo da atividade nuclear provocou a falha de dois geradores de emergência. A falha do gerador de emergência foi um dos principais problemas que derivou na fusão dos núcleos dos reatores em Fukushima.
Leia também o comentário dos editores, logo abaixo dos créditos.
enviar imprimir Em maio, o Ministro do Meio Ambiente da Áustria, Nikolaus Berlakovich, em reação ao desastre da usina japonesa, convocou uma reunião dos onze países europeus livres de energia nuclear. Na reunião, os representantes das nações convidadas resolveram fazer pressão a favor de uma Europa livre de atividades nucleares. Não longe dali, a Alemanha anunciava que vai abandonar progressivamente a energia nuclear nos próximos dez anos e afiançará pesquisas de energia renovável. Já nas eleições nacionais da Itália, mais de 90% dos eleitores rechaçaram completamente os planos do Primeiro Ministro Silvio Berlusconi de reiniciar os programas de geração de energia atômica.
Os diretores dos programas nacionais de energia nuclear participaram recentemente da Conferência Ministerial sobre Segurança Nuclear organizada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena. A reunião também foi uma resposta aos acontecimentos de Fukushima. Ironicamente, os ministros, entre eles Gregory Jaczko, presidente da Comissão Reguladora Nuclear dos Estados Unidos, garantiram a segurança da reunião em um país que não possui plantas nucleares. Áustria se encontra à frente da nova aliança antinuclear européia.
Um relatório da agência de notícias Associated Press (AP) precedeu o encontro mostrando que, sistematicamente e durante décadas, a fiscalização nuclear dos Estados Unidos rebaixou os níveis de exigências das regularizações de segurança. Dessa forma, os operadores poderiam manter em funcionamento as plantas nucleares. As centrais nucleares dos Estados Unidos foram construídas durante as décadas que precederam o desastre da central nuclear Three Mile Island em 1979. Todas as 104 plantas excederam seu prazo de funcionamento, visto que a emissão das licenças originais se deu há quarenta anos.
O jornalista da AP Jeff Donn escreveu: “Quando começaram a construir as primeiras plantas, nas décadas de 60 e 70, esperava-se que fossem substituídas por versões melhoradas muito antes de vencerem suas habilitações”. Os enormes custos iniciais da construção, as questões de segurança e o problema de armazenamento dos resíduos nucleares radioativos por milhares de anos dissuadiram os investidores do setor privado. No lugar de desenvolver e construir novas plantas nucleares, os proprietários (geralmente companhias com fins lucrativos como Exelon Corp., uma empresa que através dos anos realizou importantes contribuições para as campanhas de Obama) simplesmente tentaram fazer com que os velhos reatores continuassem funcionando por mais tempo e solicitaram a Comissão Reguladora Nuclear que prorrogasse as licenças por mais vinte anos.
A Europa, muito à frente dos Estados Unidos quanto ao desenvolvimento e utilização de tecnologias de energia renovável, vai aumentar o engajamento nesta prática. Enquanto isso, no país norte-americano, a Comissão Reguladora Nuclear deu sua aprovação preliminar para a expansão planificada da planta Vogtle, que pertence a Southern Company, no estado da Georgia. Isto representa a primeira autorização para a construção de uma planta de energia nuclear nos Estados Unidos desde o acidente em Three Mile Island. O projeto recebeu o apoio do Presidente Barack Obama, que prometeu 8,3 bilhões de dólares de fundos federais como garantia do empréstimo. Southern planeja utilizar o novo reator AP1000 de Westinghouse. No entanto, a coalizão de grupos ambientalistas iniciou ações para impedir a permissão, assinalando que a insegurança do novo reator é inerente ao seu desenho.
Obama estabeleceu o que ele denominou de Comissão de Excelência sobre o Futuro Nuclear dos Estados Unidos. Um dos seus quinze membros é John Rowe, presidente e diretor executivo de Exelon Corp. (repetindo, trata-se da mesma companhia de energia nuclear que realizou significativas contribuições para a campanha de Obama). A comissão realizou uma viagem de averiguação ao Japão para observar como esse país prosperava em termos de energia nuclear justamente um mês antes do desastre de Fukushima. Em maio, a comissão reiterou sua postura, a mesma de Obama, que sustenta que a energia nuclear deve integrar o combinado de energias a se utilizar nos Estados Unidos.
Em vez disso, o mix energético norte-americano deveria incluir um programa nacional de emprego para converter os edifícios existentes em energicamente eficientes, além de instalar tecnologia para a geração de energia solar e eólica onde seja adequado. Este programa não poderia ser terceirizado e diminuiria de imediato o consumo estadunidense de energia, reduzindo assim a dependência dos EUA de combustíveis fósseis estrangeiros, assim como do carvão e da energia nuclear de origem nacional. Um programa com estas características favoreceria os industriais do país, já que o dinheiro permaneceria dentro da economia estadunidense. Seria uma resposta simples, eficaz e sensata ao que aconteceu em Fukushima.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman
Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol.
Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.
Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.
Comentário dos editores
Um problema de fundo se apresenta verificável com mais esta coluna de Amy Goodman. O problema do capitalismo em seu período avançado e ainda peleando contra a hegemonia neoliberal e com poder excessivo das corporações empresariais diante do cidadão comum, é presumir de que se trata de um “sistema racional” e que visa à melhoria da sociedade como um todo. É óbvio que a realidade é exatamente o inverso disso, embora um discurso na base da crueldade sincera jamais seria aceito. Barack Obama prometera um avanço na indústria verde e nas energias não poluentes, mas retoma o velho esquema de benefício dos já beneficiados e pagantes de um dos maiores lobbies do mundo, a indústria do petróleo e derivados. Já no caso específico da energia nuclear, Fukushima é a prova de que a mesma não é controlável e jamais pode ser vista como 100% segura. Portanto, a soma de um poderoso lobby de energia suja, mais a desregulamentação do capital em função de retirada dos poderes do Estado através de falta de pressão popular demandante, o mito da “eficiência” energética nuclear, tudo isso mesclado com volumosas e polpudas doações de campanha faz com que a teoria das portas giratórias aplicada no quesito seja mais ou menos como a entrada do inferno respaldada por um emissário do próprio capeta em forma de executivo de fundos de risco e mega-corporações de energia da morte. Qualquer semelhança com a indicação de um ex-executivo da Goldman Sachs, o italiano Mario Draghi (fundamental na privatização das estatais italianas de começo de final dos ’80 e começo dos ’90), para futuro presidente do Banco Central Europeu não é nenhuma coincidência. É o mesmo princípio de entregar o galinheiro para uma matilha de hienas famintas e raivosas.
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