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ISSN 0033-1983
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Democracy Now! em Português a coluna semanal de Amy Goodman traduzida para o português
Mesquita em chamas
| Altmuslim.com
Salman Hamdani, filho da primeira geração de imigrantes paquistaneses em busca da sobrevivência e da realização do sonho americano; este muçulmano estadunidense foi duplamente morto. Primeiro, no socorro das vítimas dos ataques de 11 de setembro, proferidos pela rede wahabita composta por ex-aliados dos EUA; depois, pela direita midiática que difamou seu nome e o de sua família.
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20 de agosto de 2010, coluna semanal de Amy Goodman
Salman Hamdani faleceu em 11 de setembro de 2001. O assistente de pesquisa da Universidade Rockefeller tinha 23 anos e era graduado em bioquímica. Também tinha formação de técnico em medicina de emergência e era cadete (novato) do Departamento de Polícia de Nova York. Mas nesse dia nunca chegou ao seu trabalho. Hamdani, um muçulmano estadunidense, foi um dos primeiros socorristas a chegar naquele dia. Correu para a Zona Zero do WTC para salvar a outros. Seu ato de altruísmo custou-lhe a vida. enviar imprimir Hamdani, mais tarde, recebeu uma distinção como herói pelo Presidente George W. Bush e seu nome foi mencionado na Lei Patriota dos Estados Unidos. Mas não foi dessa forma que os meios de comunicação o descreveram imediatamente após o 11 de setembro. Em outubro daquele ano seus pais foram à Meca rezar por seu filho. Enquanto estavam fora do país, o New York Post, assim como outros veículos, descrevia a Hamdani como um dos possíveis terroristas que haveria escapado. A chamada de capa do New York Post anunciava em letras garrafais: “DESAPARECIDO OU ESCONDIDO? O MISTÉRIO DO CADETE PAQUISTANÊS DA POLÍCIA DE NOVA YORK”. O artigo sensacionalista dizia que alguém muito parecido com a descrição dada de Hamdani tinha sido visto cerca do Túnel Midtown um mês após o 11 de setembro. Sua família foi interrogada, e agentes da ordem pesquisaram as páginas navegadas por ele na Internet e também as inclinações políticas de Hamdani.
Seus pais, Talat e Saleem Hamdani, o tinham procurado desesperadamente nos hospitais, logo após o 11 de setembro, checando as listas de falecidos e de feridos. “Só o que fazíamos era buscá-lo, sem parar, em cada canto onde havia hospitais. Fomos à Nova Jersey, fomos a todos os hospitais. Alguns pacientes tinham perdido a memória”, disse sua mãe, Talat. “Tínhamos a esperança de que ele fosse um deles e de que pudéssemos o identificar”.
Os sinistros relatórios sobre Salman Hamdani foram característicos da crescente e aberta intolerância contra os árabes-estadunidenses, os muçulmanos-estadunidenses e as pessoas de ascendência sul-asiática. Talat, que naquele momento trabalhava como professora primária, me contou que os meninos de sua família tiveram que mudar seus nomes próprios por nomes anglo-saxões para evitar ser discriminados:
“Temos sobrinhas e sobrinhos. Estavam no segundo grau. E, creiam-me, mudaram seus nomes. Armeen passou a chamar-se Amy, e um sobrinho passou a se chamar Mickey e o outro Mikey e o quarto passou a se chamar Adam. E perguntamos-lhes, ’Por que mudaram seus nomes?’ E disseram ’porque não queremos que nos chamem terroristas na escola’”.
Em 20 de março de 2002, a família Hamdani recebeu a notícia de que o DNA de Salman tinha sido achado na Zona Zero, e que por tanto era oficialmente uma das vítimas dos ataques. Em seu funeral, realizado no Centro Comunitário Islâmico, localizado na rua 96, zona Leste de Manhattan, falaram o Prefeito Michael Bloomberg, o Chefe de Polícia Ray Kelly e o congressista Gary Ackerman.
O que nos leva à atual polêmica sobre a proposta de construir um centro comunitário islâmico, projetado no número 51 de Park Place na zona do Baixo Manhattan. Vale aclarar que o lugar não é uma mesquita, e não é na Zona Zero (está a umas quadras de distância). A Iniciativa Córdoba, o grupo sem fins lucrativos que impulsiona o projeto, o descreve como um “centro comunitário, muito parecido com a Associação Cristã de Moços ou ao Centro Comunitário Judeu, onde as pessoas de qualquer fé podem utilizar suas instalações. Além de um ginásio, a Casa de Córdoba terá uma piscina, um restaurante, um auditório para 500 pessoas, um monumento comemorativo do 11 de setembro, uma capela para diferentes religiões, um espaço de escritórios e salas de conferências e um espaço para rezar”.
A oposição ao centro comunitário começou em blogs marginais de direita, e desde então tem chegado aos meios massivos de comunicação. Enquanto os multi-milhonários agentes da especulação imobiliária discutem o que fazer na Zona Zero, o oco, o vazio que ali ficou ainda nem foi preenchido. Por outro lado, o costumeiro vazio de notícias durante o mês de agosto (verão no hemisfério norte) foi preenchido com a polêmica da “Mesquita da Zona Zero”, como eles mesmos a chamam.
Há outro vazio que deve ser preenchido; a saber: a ausência de referentes nos Estados Unidos de todas as profissões e condições sociais e de todo o espectro político que defendam a liberdade de religião e se expressem contra o racismo. Como disse uma vez o Reverendo Martin Luther King Jr.: “Ao final, não recordaremos as palavras de nossos inimigos, senão o silêncio de nossos amigos”.
Alguém diria, em tom sério e veemente, que não deveria existir uma igreja cristã perto do Edifício Federal da cidade de Oklahoma, a mesma em que Timothy McVeigh realizou seu atentado com carro-bomba (obs. do tradutor: destruindo um edifício federal em 19 de abril de 1995, levando a morte de 168 vidas, incluindo 19 crianças abaixo de 6 anos e ferindo outras 680 pessoas), só porque McVeigh era cristão?
As pessoas que estão na contramão do ódio não são uma minoria marginal, e tampouco uma maioria silenciosa. É uma maioria silenciada. Silenciada pelos “opinólogos” e pseudo-intelectuais que levam a cabo este debate nos veículos de comunicação.
O ódio provoca violência. A marginalização de uma população inteira, de uma religião inteira, não é algo bom para nosso país. Põe em perigo aos muçulmanos nos Estados Unidos, e gera rancor para os Estados Unidos no resto do mundo.
Quando perguntei a Daisy Khan, diretora executiva da Sociedade Estadunidense para o Avanço Muçulmano, uma das organizações que co-patrocinam o centro comunitário proposto, se ela temia por sua vida, pela de seus filhos ou pelos muçulmanos de Nova York, respondeu “Temo por meu país”.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2010 Amy Goodman
Texto traduzido do castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português por Estratégia & Análise
Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.
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