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Democracy Now! em Português
a coluna semanal de Amy Goodman traduzida para o português

A guerra, a dívida e o presidente

porcamandioca

Na semana passada, o Congresso dos Estados Unidos aprovou um teto maior para a dívida pública do país. Por ora, foi a solução de Obama para a crise econômica estadunidense, que repassará para a população pobre e de classe média, por meio de cortes no orçamento de serviços públicos, o prejuízo do dinheiro gasto em guerras.

por Amy Goodman

“O Congresso acaba de aprovar um acordo para reduzir o déficit e evitar uma omissão que teria devastado nossa economia. Foi um debate longo e acalorado. Quero agradecer ao povo estadunidense por pressionar seus funcionários eleitos para que deixassem de lado a política e trabalhassem juntos pelo bem do país”.

O Presidente Barack Obama elogiou o acordo da dívida na terça-feira com as seguintes palavras: “Não podemos deixar o orçamento nas costas dos que suportam o maior peso desta recessão”. No entanto, é exatamente isso o que ele e seu círculo de assessores de Wall Street estão fazendo.

Alexander Hamilton escreveu em 1970 que nos assuntos das nações “os empréstimos em tempos de ameaça pública, especialmente em épocas de guerra, são um recurso indispensável”. Foi seu primeiro relatório como secretário do Tesouro ao novo Congresso dos Estados Unidos. O país havia pedido um empréstimo para lutar a Guerra da Independência e Hamilton propôs um sistema de dívida pública para pagar os ditos empréstimos.

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A história da dívida nacional estadunidense está inexoravelmente vinculada às suas diversas guerras. A decisão da chamada crise do teto da dívida não é exceção. O submisso Congresso não só concordou em financiar as guerras do Presidente George W. Bush no Iraque e Afeganistão, através de sucessivas aprovações para “gastos de emergência”, mas também aceitou fazê-lo com dinheiro emprestado, aumentando sem objeções o topo do endividamento em 10 ocasiões desde 2001.

Como se comportou o Pentágono na atual batalha orçamentária? Parece que foi bem. Mas não se enganem com os soldados e os veteranos que lutaram nessas guerras.

“Em 2011 completamos 50 anos do discurso de Eisenhower sobre o complexo industrial-militar. Ele falou da necessidade de uma economia equilibrada, para um povo próspero. Basicamente, está à esquerda de Barack Obama em relação a esses temas”, disse William Hartung do Centro de Política Internacional ao Democracy Now!, enquanto o Senado estava reunido para votar o projeto de lei sobre o teto da dívida. Referia-se, claro, ao falecido presidente republicano dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower.

Michael Hudson, presidente do Instituto para o Estudo de Tendências Econômicas a Longo Prazo, explicou a relação entre o teto do endividamento e a guerra a partir de uma perspectiva histórica:
“[O teto] foi imposto em 1917 durante a Primeira Guerra Mundial, e a idéia era impedir que o Presidente Wilson destinasse ainda mais soldados e dinheiro estadunidense à guerra. Em todos os países europeus – na Inglaterra, na França – introduziu-se o controle parlamentar do orçamento para impedir que reis ou governantes ambiciosos iniciassem conflitos. A intenção era limitar a capacidade de um governo de endividar-se para ir à guerra, já que este era o único motivo pelo qual os governos se endividavam”.

A Lei de Controle Orçamentário de 2011 dispõe cortes drásticos na rede de previdência social dos Estados Unidos. O Congresso designou um comitê de 12 membros, denominado “Super Congresso”, com igual quantidade de membros republicanos e democratas, que deve determinar cortes de 1,2 bilhões de dólares até o Dia de Ação de Graças. Se o comitê não conseguir cumprir essa meta, haverá amplos cortes obrigatórios e generalizados. Os serviços sociais sofrerão cortes, assim como ocorrerá no orçamento do Pentágono.

Ou não. O Comitê Negro e o Comitê Progressista, ambos do Congresso, opuseram-se ao projeto de lei. O Presidente do Comitê Negro, Emanuel Cleaver, chamou-o de “um sanduíche satânico banhado em açúcar”. Para os anos de exercício de 2012 e 2013, o financiamento discricionário aprovado se divide em duas categorias: as “vinculadas à segurança” e as “não vinculadas à segurança”. As categorias “não vinculadas à segurança”, a exemplo dos programas de alimentação, moradia, de assistência de saúde Medicare e Medicaid (a base de qualquer segurança nacional verdadeira) provavelmente serão cortados. Mas o orçamento da “segurança” também será afetado, o qual, segundo os democratas, poderia ser um incentivo para que os republicanos cooperassem com o processo.

A categoria de agências e programas vinculados à segurança inclui o “Departamento de Defesa, o Departamento de Segurança Nacional, o Departamento de Assuntos dos Veteranos, a Administração Nacional de Segurança Nuclear, os serviços de inteligência e assuntos internacionais”. Isso estabelece uma dinâmica na qual os falcões tratarão de cortar o que for possível do orçamento dos corpos diplomáticos do Departamento de Estado e a ajuda estrangeira para favorecer os patrocinadores do Pentágono e da indústria armamentista.

Bill Hartung fala do poder dos lobistas militares: “Não queriam que parecesse que tinham interesses especiais, mas trabalharam a partir de dentro. E contavam com o Presidente da Câmara de Representantes, John Boehner, ao seu lado. Tinham Buck McKeon, o diretor do Comitê de Serviços Armados da Câmara de Representantes, cujo maior doador é Lockeed Martin, que obteve grandes instalações militares no seu distrito. Contavam ainda com pessoas como Randy Forbes, cujo distrito está próximo do complexo de estaleiros Newsport News Shipbuilding, onde se constroem submarinos de ataque e porta-aviões. Utilizaram sua influência para ter gente de dentro, para ter seu aliados na Câmara Baixa, para promover sua agenda”.

O acordo sobre o teto da dívida do Presidente Obama é amplamente considerado uma derrota histórica para os progressistas e um ataque bem sucedido contra as conquistas do New Deal e da Grande Sociedade do século passado. A congressista democrata de Maryland, Donna Edwards, que divide com metade dos deputados democratas o fato de ter votado contra o indicativo do presidente, resumiu no Twitter sua decepção: “Nada dos bilionários; baixa tributação para as corporações. Somente o sacrifício das classes mais baixas? Sacrifício compartilhado? Equilíbrio? Parece piada.”

A congressista Edward explica: “Creio que o problema não ameace apenas futuro, já que o corte de 20 bilhões ou de um trilhão de dólares começa este ano. O quadro mostra que cortar o gasto do governo a quase zero e não aumentar a receita é realmente um péssimo acordo para o povo estadunidense. Obviamente, represento o distrito progressista, mas também creio que é a voz do povo estadunidense que está dizendo ‘Não estamos de acordo com que os 2% da população que têm maior renda se safe com do problema, enquanto os 98% restantes sejam obrigados a suportar as penalidades do governo’. Além disso, os fatores que aumentam a nossa dívida a longo prazo são essas isenções de impostos para os ricos, a fatura da conta que o Presidente Bush nunca pagou e as guerras irresponsáveis do setor financeiro. O povo pobre e de classe média estadunidense está dizendo ‘Um momento! Nós não temos nada a ver com isto. Não fomos beneficiados com nada disto. E não deveríamos de ter de pagar por isto’.”

O grupo autônomo Projeto de Supervisão do Governo. (POGO, sigla de seu nome original em inglês) afirma sobre o “Super Congresso”, que “a criação do comitê não inclui muitos requisitos de transparência”. Quem será o guardião? Enquanto as eleições de 2012 se aproximam, eleições esta que prometem ser as mais caras da história, espera-se que a proposta de redução do déficit do comitê, que vence no Dia de Ação de Graças, e que está sujeita a votação direta, não dê muitos motivos para dar graças.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.






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