“Assanginato”: do assassinato da personagem à realidade
Apesar de ter-lhe sido outorgada a liberdade sob fiança, o fundador e editor do WikiLeaks, Julian Assange, permanece detido em Londres à espera dos trâmites de extradição para a Suécia, onde irá responder ao pedido de um promotor deste país. Formalmente, Assange não possui acusação de nenhum delito. Seus advogados interaram-se de que nos Estados Unidos se confeccionou, em segredo, uma lista de um grande júri, e que é muito provável que o país esteja preparando uma acusação federal. Ao mesmo tempo, políticos e analistas insistem que Assange deveria ser assassinado.
Por exemplo, o estrategista e analista do partido Democrata, Bob Beckel, declarou à rede de notícias americanas Fox Business: “Quem foi prejudicado por tudo isto? O povo estadunidense e a segurança nacional dos Estados Unidos. O modo de tratar este tema é muito simples. Temos forças especiais. Um morto não pode filtrar nada. Este homem é um traidor, é desleal e violou todas as leis dos Estados Unidos. Não sou a favor da pena de morte, então só há uma forma de fazê-lo, por fora da lei, dando um tiro no filho da puta.”
O congressista republicano de longa data de Nova York, Peter King, qualificou o WikiLeaks de “organização terrorista estrangeira.” Afirmou ainda que a web página “claramente representa um perigo à segurança nacional dos Estados Unidos neste momento” e acrescentou: “isto é inclusive pior que um ataque físico aos estadunidenses, é pior que um ataque militar.”
Em resposta, uma das advogadas de Assange em Londres, Jennifer Robinson, disse: “Obviamente levamos este tipo de declarações públicas muito a sério. Quem as faz deveria ser denunciado à polícia por incitação à violência.”
Um dos co-painelistas de Bob Beckel no programa da Fox afirmou que deveriam “cortar a cabeça da serpente”, frase que ironicamente adquiriu um significado maior quando poucos dias depois apareceu uma das correspondências diplomáticas vazadas. Nesta comunicação, o embaixador saudita Adel AL-Jubeir “lembrou que o Rei com freqüência havia incitado os Estados Unidos a atacar o Irã, e por fim dessa maneira ao programa de armamento nuclear. Ele disse que corte a cabeça da serpente.”
Do outro lado, Julian Assange obteve apoios surpreendentes. O conservador Jack Goldsmith, professor de Direito da Universidade de Harvard, publicou em seu blog: “Me dou conta de que estou de acordo com aqueles que crêem que Assange está sendo excessivamente vilipendiado. Não está óbvio qual lei ele violou; não entendo porque estão tão furiosos com Assange e tão pouco com o The New York Tmes.” (WikiLeaks se associou a várias agências de notícias, entre elas o jornal New York Times, para a publicação de seus documentos).
O coronel Lawrence Wilkerson, ex-chefe de despacho do Secretário de Estado Colin Powell, junto a um grupo de ex-funcionários do governo, escreveu uma carta de apoio a Assange em que expressam: “WikiLeaks conseguiu que o gênio da transparência saia de sua lâmpada escura e, por isso, há forças poderosas nos Estados Unidos, forças que funcionam melhor em segredo, que tentam desesperadamente guardar o gênio novamente na lâmpada.”
O mesmo ocorre com um grupo feminista britânico. Dado que o principal motivo que se fez público para prender Assange está relacionado a um interrogatório na Suécia por supostos delitos sexuais, Katrin Axelsson, do grupo Women Against Rape, escreveu em uma carta ao jornal britâncio The Guardian: “Muitas mulheres da Suécia e da Inglaterra nos perguntam sobre a incomum veemência com que se persegue Julia Assange por denúncias de violação. Às mulheres, não nos agrada ver como utilizam de nossas demandas de segurança para outros fins, enquanto que os principais casos de violações seguem ignorados, ou pior, encobertos.”
Em uma coluna de opinião publicada no jornal The Australian pouco depois de sua prisão, Julian Assange aponta que no Departamento de Estado americano há um coro de vozes que diz: “‘Arrisca vidas!’, ‘A Segurança Nacional!’, ‘Coloca em risco os soldados com a publicação dessa informação’; e depois dizem que não há nada importante no que se publica no WikiLeaks. Ou uma coisa, ou outra.”
Em declarações para uma televisão australiana, Assange disse: “Minhas convicções são firmes. Sigo fiel aos ideais que tenho expressado e se algo cresceu durante este processo, foi a minha certeza de que os mesmos são verdadeiros e corretos.”
Os trâmites da extradição são complexos e levam tempo. Por esse motivo, WikiLeaks não é somente Julian Assange, mas sim uma rede de pessoas e servidores distribuída geograficamente, que promete continuar facilitando a publicação de documentos de governos e corporações. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, caso abra um precedente, terá de responder a esta pergunta: Se o WikiLeaks é uma organização delinqüente, o que seriam seus sócios midiáticos como o New York Times?
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman
Texto traduzido da versão em castelhano por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise. É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.
Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contram o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.