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ISSN 0033-1983
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Democracy Now! em Português a coluna semanal de Amy Goodman traduzida para o português
Um derramamento de sangue respaldado pelos Estados Unidos mancha a “primavera árabe” no Bahrein
| rc.kbg.me
Tradicionalmente entre os protestos dos povos árabes, o sangue derramado nas ruas torna-se combustível e alento para uma cultura política onde se doar pode vir a implicar em martírio por uma causa justa. Os déspotas da dinastia Khalifa e seus aliados em Washington sabem disso.
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Por Amy Goodman
Três dias após Hosni Mubarak renunciar à sua longa ditadura no Egito, a população do Bahrein, pequeno estado do Golfo Pérsico, lançou-se em massa às ruas em Manama, capital do país, e se reuniu na praça da Pérola, versão local da praça egípcia Tahrir. Bahrein é governado por uma mesma família, a dinastia de Khalifa, desde a década de 1780, há mais de 220 anos. Com as manifestações, os barenitas não reclamavam o fim da monarquia, mas sim uma maior representação em seu governo.
A um mês do levante, o governo da Arábia Saudita enviou forças militares e policiais através de uma ponte de mais de 25 km que une o território continental saudita à ilha de Bahrein. Desde então, usa-se cada vez mais força e violência contra os manifestantes, a imprensa e as organizações de direitos humanos.
Zainab Al-Khawaja, uma jovem e valente ativista barenita a favor da democracia, viu a brutalidade de perto. Para seu horror, foi testemunha de como seu pai, Abdulhadi a Al-Khawaja, um conhecido ativista pelos direitos humanos, foi golpeado e preso.
Leia também, ao final dos créditos, o comentário da equipe do portal enviar imprimir De Manama, assim descreveu o acontecimento:
"Forças de segurança atacaram minha casa. Chegaram sem aviso prévio. Derrubaram a porta do edifício, derrubaram a porta do nosso apartamento e partiram direto para cima do meu pai, sem explicar os motivos de sua detenção nem dar-lhe chances de falar. Arrastaram meu pai pelas escadas e golpearam-no em frente a mim. Bateram nele até ficar inconsciente. A última coisa que lhe ouvi falar foi que não podia respirar. Quando tratei de intervir, quando tentei dizer ’Por favor, soltem-no. Ele irá com vocês voluntariamente. Não precisam golpeá-lo assim’. Basicamente, disseram-me que fechasse a boca, seguraram-me e me arrastaram escadas acima até o apartamento. Quando saí novamente, o único rastro que havia do meu pai era seu sangue na escada".
A organização de direitos humanos Human Rights Watch pede a libertação imediata de Al-Khawaja. O esposo e o cunhado de Zainab também foram presos. Zainab publica no Twitter como "angryarabiya" e, em protesto pelas detenções, iniciou uma greve de fome somente a base de líquidos. A jovem também escreveu uma carta para o Presidente Barack Obama em que diz: "Se algo acontecer a meu pai, a meu esposo, a meu tio, a meu cunhado ou a mim, o declaro tão responsável quanto o regime da o Khalifa. Seu apoio a esta monarquia faz com que seu governo seja cúmplice dos crimes de Khalifa. Ainda guardo esperanças de que você se dê conta de que a liberdade e os direitos humanos significam o mesmo para uma pessoa barenita como para uma pessoa estadunidense."
No discurso em que condena o governo de Khadafi, Obama justificou os recentes ataques militares à Líbia com estas palavras: "Mataram pessoas inocentes. Atacaram hospitais e ambulâncias. Prenderam, violentaram e assassinaram jornalistas." Agora sucede o mesmo no Bahrein, porém Obama não tem nada a dizer.
Como nos levantes do Egito e da Tunísia, o sentimento é nacionalista e não religioso. A pesar de ser 70% xiita, o país é governado por uma minoria sunita. No entanto, uma das principais consignas presentes nos protestos tem sido "Nem xiita, nem sunita, barenita!". A palavra de ordem desacredita o argumento usado pelo governo do Bahrein a respeito de que o atual regime é a melhor defesa contra a influencia crescente do Irã, um país xiita do Golfo Pérsico, rico em petróleo.
Soma-se a isso o papel estratégico do Bahrein: é ali onde se encontra a base da 5ª frota naval estadunidense sob a função de proteger os "interesses estadunidenses" como o Estreito de Ormuz e o Canal de Suez, além de garantir apoio às guerras do Iraque e Afeganistão. Também não se encontra entre os interesses dos Estados Unidos apoiar a democracia e não os déspotas?
Nabeel Rajab é o presidente do Centro pelos Direitos Humanos do Bahrein, organização que foi dirigida pelo recém-seqüestrado Abdulhadi al-Khawaja. Rajab poderia enfrentar um julgamento militar por publicar a foto de um manifestante que morreu enquanto permanecia detido. Rajab disse-me: "Centenas de pessoas estão presas e são torturadas por exercer sua liberdade de expressão. E tudo por vingança, porque em um dia, há um mês, quase metade da população do país foi às ruas exigir democracia e respeito aos direitos humanos”.
Rajab observou que a democracia no Bahrein pode implicar na luta pela democracia nas ditaduras vizinhas localizadas no Golfo Pérsico, especialmente na Arábia Saudita. É por isso que a maioria dos governos da região tem interesse em pôr fim aos protestos. A Arábia Saudita possui uma boa posição para a tarefa, já que acabara de sair beneficiada do maior acordo de venda de armas na história dos Estados Unidos. Apesar das ameaças, Rajab foi firme: "Enquanto respiro, enquanto vivo, vou seguir fazendo. Creio na mudança. Creio na democracia. Creio nos direitos humanos. Estou disposto a dar minha vida. Estou disposto a dar o que seja para atingir esta meta."
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman
Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol, escrever para este email.
Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado porBruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.
Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.
Comentário da Equipe do portal
Antes que nada temos de nos desculpar com os leitores pelo fato de nossa versão da Coluna de Amy Goodman haver demorado nesta publicação. O portal passa por acertos de sua estrutura de funcionamento e programação e é justo neste momento de transição temos situações que nos fogem ao controle. Voltando ao conteúdo da Coluna, infelizmente os fatos e narrativas de estruturas de poder abordadas pela âncora de Democracy Now! são absurdamente didáticas em sua forma de expor os interesses dos EUA e suas redes de alianças no Mundo Árabe.
O Bahrein talvez seja o exemplo mais gritante da ocupação presencial de uma força estrangeira – no caso, a 5ª frota (para nós latino-americanos o Império apresenta a 4ª frota) – a localização estratégica para controle dos fluxos de contêineres, navios de porte Banpanamax e, obviamente, embarcações oceânicas de transporte petroleiro. Para controlar esta região estratégica, o Império não demonstra obviamente pudor algum em respaldar os regimes mais absurdos, se comparados com o comportamento político médio dos estadunidenses. Por mais que o fundamentalismo neo-conservador e tele-neo-conservador tenham se desenvolvido nos últimos 15 anos por dentro do território dos EUA, a sandice de pastores e crentes da Teologia da Prosperidade são pouco ou nada ofensivos em comparação com a forma de governo no Bahrein e na Arábia Saudita.
Por sinal, mais uma vez a casa real de Ibn Saud oferece seus piores serviços para as piores causas nos mais terríveis momentos. Assusta ver as barbaridades ocorridas pela ditadura dos Assad na Síria e não vermos os mesmos absurdos – ao menos na TV brasileira – cometidos em um Estado-satélite do país satélite do território dos sauditas. Insistimos na idéia básica de que não dá para ser complacente e menos ainda “orientalizar” um califado como se fora algo idílico. Trata-se de uma organização territorial despótica, dinástica, sem nenhum quesito de legitimidade que não a própria manutenção do clã e agregados e, em geral, como todo regime conservador, serve sempre de aliado para as piores causas, desde que não firam estas causas aos seus próprios interesses de sobrevivência.
Chama a atenção também o fato dos manifestantes do Bahrein estarem forjando uma idéia de país de certo nacionalismo anti-imperialista em meio das batalhas de rua. Não causa espanto este fato, espanta essa longevidade. É preciso ficar atento para o fenômeno, uma vez que a solução de evitar a circulação de pessoas como peixes em águas, é tornar da água pântano, fomentando uma luta sectária e fratricida tal como no Iraque após a invasão dos EUA e o não cumprimento do acordo com os generais baathistas, destruindo o exército profissional e a estrutura de Estado de Saddam Hussein. Se os barenitas assim se mantiverem, serão grandes as chances de vitória contra a monarquia autocrática e pró-Ocidental que lá governa há mais de dois séculos.
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