Parte-se da premissa de que a análise aqui produzida equivale a um ponto de vista, uma tomada de posição. Este conceito deriva da conjunção dos seguintes elementos: lugar de fala somado ao posicionamento político, mais os pressupostos teórico-metodológicos e com o adendo do reconhecimento de identidade coletiva.1 O fenômeno analisado é entendido como passível de receber múltiplas interpretações, em função de uma ausência de posições mais firmes, advindas tanto dos estudiosos, como dos operadores da comunicação pública no Brasil. A maior contribuição deste texto é aportar na contramão deste sentido.
No final de 2009, o país vivenciou um fato inédito e silenciado. Como teve uma cobertura editorializada e parcial (quando esta ocorreu), o tema passou despercebido pela maior parte dos cidadãos do país. Entre os dias 14 e 17 de dezembro de 2009, em Brasília, delegados estaduais representando movimentos populares, o Estado em seus distintos níveis de governo e parcelas dos agentes econômicos do setor discutiram a comunicação social brasileira em uma instância não vinculante.
O silêncio não foi fruto do acaso. Como agentes de transmissão ideológica do poder político-econômico-social estruturante no país, as empresas de comunicação prosseguem constrangendo governos, neste século XXI, a adotarem políticas de corte neoliberal. A correlação entre a falta de publicização e a pouca agregação da sociedade no debate sobre os rumos da comunicação social no Brasil percebidos no processo de realização da I Confecom colaboram com a trajetória de disseminação e sustentação dos conglomerados de empresas de comunicação, os quais estão intrinsecamente entrelaçados com a dinâmica do capital.
Além do silêncio forçado pela ausência de midiatização, a ausência de protagonismo de setores de movimento popular cobrara seu preço nos anos anteriores. A luta popular nos processos de tratativas legais sobre o setor da comunicação no país foi manifestada apenas em alguns momentos, e de forma episódica e não sistêmica. No caso mais recente, o debate sobre o Sistema Brasileiro de TV digital (SBTVD) teve espectadores especialistas; já o embate direto pelo Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD) assistira a episódios de conflito direto. Nesse cenário, aponta-se como necessária a demarcação de espaços que pautem e debatam assuntos de interesse público, como a comunicação. O construto analítico deste artigo se vê atravessado por tais necessidades e anseios.
O artigo utiliza como aporte teórico-metodológico a Economia Política da Comunicação, pois a partir dessa perspectiva é possível analisar e compreender as lógicas do mercado, bem como a regulação promovida por parte do Estado, a partir da movimentação entre os diversos setores da sociedade. Entender as articulações dos atores individuais e agentes sociais coletivos não empresariais nesse contexto é um objetivo que não só permite a realização dos estudos a partir de paradigmas fundantes dessa interdisciplina, como também fornece subsídios mais estruturados para uma melhor compreensão das reais capacidades da sociedade de se organizar e fazer valer suas necessidades e vontades, firmando a comunicação como direito humano em prol do interesse público.
É importante para o desenvolvimento deste texto acadêmico, sobre a democratização da comunicação e a Conferência da área, abranger a reprodução do modo de financiamento baseado na publicidade das empresas de comunicação e suas consequências na configuração do setor comunicacional no Brasil. Essa questão é chave para estabelecer algum tipo de paridade no contexto comunicacional brasileiro, envolvendo o debate sobre o sistema privado, público-estatal e público não-estatal, sua relação conceitual e aplicativa na estrutura social.
Determinantes sociais e Confecom
Diante disso, não obstante a importância da Conferência Nacional de Comunicação como momento histórico, outras oportunidades anteriores foram perdidas, como a luta popular pelo Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), que se deu entre 2005 e 2006, vencida pelo governo e seu ministro Hélio Costa, homem de confiança do grupo empresarial líder do oligopólio. Não por acaso a perda foi para um projeto que atende a Globo e sua sócia, a NEC japonesa. Recorda-se o marco de construção desse projeto de desenvolvimento tecnológico ontologicamente vinculado à soberania nacional. Os objetivos do SBTVD eram ousados:
Promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua portuguesa por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua renda; estabelecer ações e modelos de negócios para a televisão digital adequados à realidade econômica e empresarial do país; e incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais.2
A batalha das operadoras de TV foi pela preservação do uso total e do controle das redes de distribuição do espaço de 6 MHz do espectro eletromagnético, que detinham a partir das concessões analógicas. A questão é que, com a digitalização, há uma multiplicação da capacidade desse espaço, que no sistema analógico, tanto VHF,3 quanto UHF,4 permite colocar no ar apenas uma programação. No modelo digital, os 6 MHz podem transportar uma programação em alta definição ou quatro programações na definição standard, além de dados e saídas mistas. As grandes redes queriam (e conseguiram) que cada canal fizesse a gestão de sua própria distribuição, detendo as antenas e demais equipamentos necessários, assim como, evidentemente, arcando com os custos da passagem da transmissão analógica para o digital (embora pleiteassem financiamento público para isso). Agora, a luta da comunidade científica e dos comunicadores de rádios comunitárias é em defesa do Sistema Brasileiro de Rádio Digital (SBRD).
Diante desses fatos, os processos devem ser vistos como são e não como aparentam ser. Na etapa em que a luta popular encontra-se, marcada pela confusão e com a presença marcante de um governo aliado de setores adversários históricos dos setores de classe organizados, é importante marcar uma pauta e apontar com debates públicos. Mas, por outro lado, vive-se numa era em que muito se discute entre especialistas e termina-se por aceitar as condições estabelecidas. O problema está em não aceitar de antemão as regras impostas pela agenda do governo e das patronais. Os movimentos pela democracia na comunicação devem admitir, por princípio e prática política, que não existe outra forma de efetivar conquistas ou mesmo garantir os direitos adquiridos, a não ser praticar a organização social de base e acumular força em projetos de poder com o povo como protagonista.
Ou seja, deve-se compreender que a política é um jogo de arenas múltiplas, simultâneas e com tempos distintos; se os setores do movimento de comunicação não abandonarem suas pautas históricas em função de algum oportunismo tático (e limitado, por consequência), então a Conferência teve a sua relevância.
Algumas propostas levadas à Condecom são oportunas diante do cenário apresentado neste trabalho, como, por exemplo: fortalecer a rede pública de comunicação; estabelecer um novo marco regulatório para o setor; fortalecer as rádios e TVs comunitárias, combatendo a repressão do Estado a essas mídias; ampliar e massificar a inclusão digital, com banda larga para todos; fixar novos critérios para a publicidade oficial; elaborar novas formas de concessão pública; exercer controle social; criar uma disciplina regular no sistema educacional público e privado que trabalhe com o ensino fundamental e médio a leitura crítica dos meios de comunicação, com uma educação voltada para as mídias.
Em paralelo à disputa entre a sociedade civil organizada e os agentes econômicos, é indispensável a acumulação de forças também no setor mais à esquerda. Para tanto, o movimento sindical e seus recursos deveriam ser aplicados, a partir de agora, na construção da rede pública não-estatal e no fortalecimento da mídia popular, ao mesmo tempo em que deveriam ser interrompidos os gastos com publicidade sindical na mídia privada. Enquanto esta ação não se der, se a fração de classe representada pelos dirigentes sindicais não passar a ver a comunicação social como elemento estratégico para a construção de uma alternativa contra-hegemônica, permanecerá o duplo discurso. Perante o governo de turno, os dirigentes de sindicatos demandam pautas legítimas. Diante da decisão de executar os recursos obtidos com a contribuição sindical e o imposto taxado do trabalhador, terminam por atender interesses imediatos e de pouca ou nenhuma visão de longo prazo.
Nesse cenário também existe a possibilidade de, ao contrário da mídia de massa, realizar a experimentação de novos modelos de mídia alternativa, possibilitando a construção de formatos contra-hegemônicos de comunicação. Isso de modo independente, barato e popular. Em época de segmentação de público, tal caráter pode conquistar parcelas da população que interessam às organizações de esquerda, tornando-se, assim, muito mais interessantes para a publicidade da mobilização social:
O marco tecnológico contemporâneo constitui um enorme potencial que não pode ser desprezado pelos setores populares. Este embate midiático virtual não anula as distâncias, embora as reduza em larga escala, o que remete à necessidade do empreendimento de ações em direção à utilização e recriação da mídia, ao lado de proposições e confrontos nas diversas arenas sociais. (BOLAÑO; BRITTOS, 2003: 50)
Um padrão tecno-estético alternativo deve problematizar formatos, estéticas e a distribuição de conteúdo assim como aprofundar a diferenciação do padrão hegemônico. Não bastando, portanto, apenas a diferenciação estética, mas necessariamente a elaboração do conteúdo, em que possam ser trabalhados olhares mais plurais e democráticos sobre a sociedade em geral. Estes olhares e angulações são, na verdade, requisitos fundamentais para um padrão tecno- estético alternativo ao mercado, que não se constitua somente como um modelo de produção voltado para pequenos nichos de consumo, visando apenas aumentar o rendimento das empresas que controlam os produtos culturais.
Tratando de mídia independente e popular, percebeu-se que os representantes da produção independente brasileira representaram-se com fragilidade na primeira Conferência. Segundo integrante da Coordenação-Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), “entidades históricas como o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), a Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), Associação Paulista de Cineastas (Apaci), a Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), os sindicatos de técnicos e os de artistas, poderiam ter dado uma contribuição muito mais efetiva ao processo, tendo se credenciado nas delegações estaduais e municipais – o que não ocorreu, salvo raras exceções”.5 Certamente, tratou-se de um fórum importante para levantar as bandeiras de setores do audiovisual que possuem precárias condições de trabalho, devido a barreiras à produção, difusão e exibição do audiovisual, significativas para qualquer tipo de movimentação diferenciada desse setor. Independentemente disso, segundo avaliadores:
as questões fundamentais como a da regionalização da programação de rádio e TV, do estímulo e difusão da produção independente na TV aberta, as cotas de produção e exibição na TV por assinatura, o necessário fortalecimento do Sistema Público de TV, entre outras, foram debatidas e encaminhadas com eficácia, tendo potencial para recolocar no rumo certo a produção audiovisual brasileira.6
As reivindicações das entidades da sociedade civil foram pontuais quanto a diretrizes impreteríveis para o fortalecimento de uma rede pública no Brasil. Foi definido que é necessário um sistema público de maior amplitude, que tenha condições de concorrer com a hegemonia do setor privado. Avalia-se com nitidez que o fortalecimento da rede pública não se limita ao papel estruturante da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Vale recordar que:
O debate em torno das políticas de comunicação no Brasil em 2007 culminou em 2 de dezembro, com o lançamento simultâneo da TV digital, em São Paulo inicialmente, e de uma televisão pública ligada ao governo federal, que representa a culminância de um debate iniciado com o 1º Fórum Nacional de TVs Públicas, convocado pelo Ministério da Cultura e realizado no mesmo ano. No entanto, como é habitual no país, isso ocorreu sem que houvesse um debate verdadeiro, pois as indústrias culturais, agentes diretamente atingidos pela medida, atuaram em favor de seus próprios interesses, não esclarecendo devidamente a população sobre a proposta governamental, o papel de uma TV pública e como tem se processado a experiência internacional (BOLAÑO; BRITTOS, 2008: 2).
Nesse contexto, foi configurada a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), vinculada ao governo federal, formatada para gerenciar as emissoras de rádio e televisão públicas federais, inclusive a TV Brasil, que envolve a TV Nacional (Brasília), a TVE Rio de Janeiro, a TVE do Maranhão e a TV Brasil São Paulo (este somente canal digital), além de sítio informativo na internet. Podem participar dessa rede pública emissoras que se comprometam com um projeto de gestão em que conste um conselho curador não-governamental e outras obrigações, como pluralidade jornalística. Salienta-se que a primeira emissora a se tornar afiliada nessa rede foi a TV Aperipê, controlada pelo governo do estado de Sergipe, do PT. A estrutura organizacional da EBC é definida da seguinte maneira: “uma diretoria executiva profissional, sendo suas operações supervisionadas pelo Conselho Curador, composto por 20 membros”, divididos entre 15 nomes da sociedade civil, quatro do governo (através de representantes dos Ministérios da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Comunicação Social) e um dos funcionários (BOLAÑO; BRITTOS, 2008: 1).
Nesse contexto, é imprescindível apontar um problema que compromete sua independência: os conselheiros representantes da sociedade civil são indicados pelo presidente da República. Esse sistema descontentou a sociedade civil, pois ela própria pretendia indicar seus representantes a partir de suas entidades. De acordo com a Medida Provisória nº 398, cabe ao Conselho Curador aprovar a linha editorial de produção e programação da emissora, podendo, por deliberação da maioria absoluta, inclusive emitir voto de desconfiança em relação à diretoria ou a um diretor responsável pela faixa de programação considerada inadequada. O presidente da República também nomeia o diretor-presidente e o diretor-geral da EBC.
Diante desse quadro, em que duas iniciativas fundamentais na pauta da comunicação foram aprovadas – uma atendendo aos interesses dominantes, no caso do SBTVD, e outra verticalizada pelo controle do Executivo nacional, no caso da TV público-estatal, torna-se urgente a busca de alternativas para as políticas de comunicação. Outras medidas são urgentes para reforçar as emissoras educativas e comunitárias, compondo um sistema público de maior envergadura, que dispute a hegemonia com os capitais. Em termos de controle social, deve-se, a partir das propostas aprovadas na Cofecom, estabelecer conselhos de comunicação social em municípios e estados, além de reformular a representação no Conselho Nacional de Comunicação Social (CCS), hoje inoperante. O CCS tem potencialidade para configurar-se uma ferramenta de suporte a debates envolvendo os meios de comunicação, abordando principalmente a pauta atual, com foco na democratização da comunicação.7 Mesmo sem poderes de deliberação quanto à criação e expressão do pensamento e da diversidade sociocultural, esse instrumento poderia representar um ambiente fomentador do debate sobre aparatos legais que sirvam à regulamentação do cenário midiático e à garantia dos preceitos básicos da comunicação inseridos no Capítulo V da Constituição Federal.
Nesse item, a Lei Federal nº 9612/98 que regula, de forma incompleta, as emissoras comunitárias tem muito a contribuir. A exigência de se constituir conselhos comunitários e a eleição de diretorias mediante assembléias, sendo que nessas associações qualquer cidadão pode entrar como sócio (em tese, pois ainda há muito controle de tipo privado), marca um caminho de participação popular através de setores minimamente organizados. Trata-se de avançar na construção de modelos efetivamente públicos desses canais.
Nesse âmbito, a Confecom lançou propostas para as empresas públicas de comunicação no eixo-temático “Cidadania, direitos e deveres”, com tema sobre órgãos reguladores, como, por exemplo, a proposta de código 178:
Implementação de Conselhos de Curadores nas empresas públicas de comunicação (de âmbito federal, estadual ou municipal), com ampla participação da sociedade civil organizada, buscando aperfeiçoar essas experiências, no sentido de dotar tais Conselhos de mecanismos de maior controle público e autonomia, não apenas com o foco no conteúdo da programação, mas também na gestão administrativa dessas empresas.8
A Condecom também poderia ter traçado os moldes de um novo marco regulatório, passando pela forma de financiamento, que se confunde com o modelo de negócio, ancorado na relação empresa-Estado. A assimetria das relações torna-se nítida quando os três níveis de governo investem a maior parte dos seus recursos de publicidade na mídia privada. Assim, o funcionamento das mídias através da forma publicitária, impede a instauração dos três sistemas de comunicação previstos na Carta Constitucional. No cotidiano, a venda de espaços publicitários e ausência de financiamento público, implica na pouca sustentação das emissoras de tipo público não-estatal (a exemplo das rádios e TVs comunitárias), público-estatal (fundações educativas e universitárias) e institucional (mídias de governo e dos poderes), justo por brigarem pela mesma fatia do bolo publicitário. Como é sabido, esse é um debate recusado (e silenciado) pelos radiodifusores.
Financiamento e três sistemas
Entende-se esse movimento a partir da análise estratégica em sentido estrito. O calcanhar de Aquiles da mídia brasileira é a reprodução do modo de financiamento baseado na publicidade. Como nos demais ramos da economia, a viabilidade do empreendimento vai além da expertise no setor de atuação, mas se baseia na relação com o Estado e os poderes de fato. Isto constitui as relações assimétricas, materializadas quando os grandes grupos de mídia que operam no Brasil têm nos anunciantes estatais uma fonte fundamental para fechar a folha de pagamento e cobrir os custos das empresas. Estas, integrantes da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e do seu racha, a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), evitam ao máximo pautar o tema do modelo publicitário oficial. A tensão é notada na hora de pôr em pauta o debate, considerando que a Abert retirou-se da Confecom e o governo Lula, através do ministro da pasta, Hélio Costa (ele próprio um radiodifusor), fez o possível para esvaziar a instância e não permitir que ela se tornasse referência para o setor.
No âmbito da publicidade, é imperativo ainda debater seus limites, em especial os seus apelos. Por exemplo, as crianças e jovens estão muito expostos a apelos publicitários de tipo abusivo. Isso não se revolve com a autorregulação do capital, através de conselhos de propaganda. Nesse sentido, é fundamental modificar o padrão de concessão de outorgas (via Casa Civil e indicação da cota parlamentar), para retomar o combate à sobrerrepresentação – definindo de maneira conclusiva a proibição de que parlamentares sejam donos ou sócios de emissoras de rádios e TVs – e modificar o mecanismo de renovação de outorgas. É um absurdo o país ter como rito a exigência de votação nominal de dois quintos para não-renovação, quando a maior parte das votações do Congresso se dá por acórdão de colégio de líderes ou no rito secreto (como para a cassação de um colega).
O que foi debatido na Conferência Nacional de Comunicação não necessariamente vai se tornar lei, mas pode servir de base para mudanças estruturais. Das várias abordagens possíveis para o tema, já projetando uma segunda Confecom, passível de ser realizada em 2011, a depender do resultado pleito presidencial de 2010, é essencial o debate dos três sistemas de comunicação. Na realidade, qualquer alteração mais profunda num setor sensível como o da comunicação (não só por seu peso econômico, mas porque os demais campos, especialmente o político, dependem dele, por sua capacidade de midiatização), somente ocorrerá a partir de 2011, passadas as eleições para a Presidência da República.
Destarte, a materialização do documento final da Confecom em políticas públicas é incerta. Mas deve- se destacar a deliberação geral de que a oferta da banda larga deve se dar em regime público, cumprindo metas de universalização do acesso, de qualidade e garantia de continuidade. Projetando-se a universalização da banda larga, é urgente a aplicação dos recursos contingenciados do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) na implantação de sistemas de infovias públicas de alta performance. O modelo preferencial seria através da tecnologia Wimax (Worldwide Interoperability for Microwave Access ou Interoperabilidade Mundial para Acesso de Micro-ondas), sem passar pela concessão para as transnacionais de telecomunicações.
Acrescenta-se que a Constituição assinada em 1988 prevê, no Capítulo V – Da Comunicação Social (artigos 220 a 224), definições que não se verificam na sociedade. O texto da Carta Magna compreende que, no Brasil, devam existir três sistemas complementares e não rivais. Tratam-se dos sistemas privado, público-estatal e público não-estatal. O primeiro diz respeito aos operadores empresariais, que vêem a indústria da informação, comunicação e cultura como uma forma de obter dividendos econômicos, um negócio. O sistema estatal é alvo de disputa, entre fazer uma mídia dos poderes ou defender o modelo da BBC inglesa, quando o Conselho da Entidade é soberano e gestor de orçamento próprio. Já o terceiro sistema, o público não-estatal, tem sua base montada a partir da Lei nº 9612/98, que regulamenta o serviço de radiodifusão comunitária, compreendendo as mídias associativas sem fins lucrativos às quais todos os cidadãos de um determinado território devem ter acesso.
Os pontos mais relevantes são os que atingem a formação e definição regulamentar dos três citados sistemas de comunicação previstos na Constituição de 1988. Deve-se definir conceitos e formas de funcionamento. Por exemplo, definir o conceito público-estatal e, por consequência, defender o funcionamento das TVs detidas pelos governos estaduais e federal como no modelo da BBC, onde o Conselho da entidade (da Fundação mantenedora, por exemplo), seja soberano em relação ao governo de turno. O mesmo deveria se dar no funcionamento do sistema público não-estatal, cujo embrião de funcionamento está sendo construído nas rádios comunitárias, ainda que marcado pela forte presença de grupos religiosos, político-partidários ou com objetivos privados de lucro e projeção.
O problema é bastante complexo. Não obstante, a reflexão coletiva estabelecida no âmbito do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), sinaliza que há um déficit de formação e motivação. O fortalecimento da rede pública de comunicação passa, por reconhecer o modelo hegemônico, a linguagem do poder que reproduz relações injustas, e buscar fazer o oposto. Passa pela definição do conceito de público-estatal (sob controle dos conselhos); de estatal, que conformaria a mídia dos poderes (canais institucionais, como a TV Justiça ou a NBR, que serve ao Poder Executivo); e, diferente de ambas, do sistema público- não estatal. É preciso definir os conceitos para saber do que se fala e ao que uma parte dos brasileiros e brasileiras está dedicando suas vidas para ajudar a construir.
Nesse sentido, fortalecer a rede pública requer financiamento, formação e controle. Financiamento viria de fundos soberanos destinados ao fomento desses sistemas e não obrigatoriamente pela publicidade de governo com recurso do Estado. As redes públicas não devem atender ao proselitismo de governantes. É forçoso arrancar recursos permanentes e, ao mesmo tempo, esvaziar significativamente o caixa das mídias privadas, com a destinação de verbas estatais para a mídia pública estatal e pública não-estatal.
Por fim, a rede pública deve buscar seus próprios caminhos, não fortalecendo e nem reproduzindo o padrão tecno-estético hegemônico, cujo modelo mais conhecido é o da Rede Globo, agora seguido de perto pela Rede Record. Além de atestado de falta de criatividade, tal reprodução (que em grande parte das vezes é uma meta, não atingida) nas chamadas mídias alternativas prejudica a apresentação dos conteúdos em toda a sua potencialidade (inclusive dialógica, para o público) e provoca a aproximação de um modelo ideológico dominante. Em termos de rede pública, entra a vocação do jornalismo para os interesses coletivos e o propósito de fortalecer o poder decisório em sociedade, e não o intento de reforçar as estruturas de poder já existentes, como o faz a mídia comercial.
Além da regulação dos sistemas, é prioritário compreender o atual momento de transição tecnológica. A convergência digital implica transformar todos os conteúdos em códigos binários, passíveis de carregamento e envio de forma não física. Num cenário de avanço democrático, isso acarreta que todos os cidadãos, se minimamente alfabetizados na produção midiática, podem tornar-se possíveis produtores de conteúdo, se houver tal disposição.
Desse modo, é fundamental rever o conceito de comunicação e de telecomunicações, de modo a compreender o papel nefasto que as transnacionais desempenham na oferta de serviços de comunicação mediante concessão do Estado e, por isso mesmo, fazer o possível para atenuar sua influência na sociedade brasileira e evitar que essas corporações (como a OI, de capital brasileiro; o Grupo Slim/Claro; e a Telefónica de Espanha/Vivo; sem falar em companhias menores, todas sob o risco da fusão ou aquisição) produzam e distribuam conteúdo por cabo, satélite, MMDS (Multichannel Multipoint Distribution Service ou Serviço de Distribuição Multiponto Multicanal) e radiofrequência (rádio e TV).
Distribuição desigual de poder e recursos
Para os rumos deste trabalho, é imperioso estabelecer argumentos sobre a interrelação entre as ações nos movimentos populares pela democratização da comunicação e, por consequência, das ações contrárias, próprias do setor empresarial da comunicação como parte constitutiva do desenvolvimento e fortalecimento no neoliberalismo. As categorias de análise e classificação, por nós apresentadas, têm as seguintes atribuições: uma perspectiva sólida sobre o campo comunicacional na contemporaneidade; a relação hegemônica deste campo com o sistema capitalista; as modificações sociais decorrentes da presença midiática. Estas atribuições, papéis-chave da mídia capitalista reforçam a configuração de uma lógica sociotécnica das relações sociais e, sendo assim, reproduzem de forma valorativa o atual sistema de dominação. Neste contexto, os posicionamentos das indústrias midiáticas influem decisivamente na visão elaborada pelos cidadãos sobre as problemáticas da sociedade em que vivemos incluindo, nestes problemas- chave, o direito à informação, à comunicação e à cultura.
Na América Latina, um fenômeno de transmissão ideológica aumenta na segunda metade da década de 1980 e triplica a sua força nos anos 90. Trata-se da profusão, em larga escala, das premissas do pensamento único neoliberal, transmitido através das linguagens e estéticas dos conglomerados econômicos, cujos produtos são os bens simbólicos do próprio capitalismo (BRITTOS, 2000). A partir do emprego das empresas de comunicação e de seus interesses na expansão do mercado capitalista, através do regramento das sociedades latino-americanas pela política de restauração neoliberal, foi imposta uma agenda a ser cumprida em cada país do continente na busca pela efetiva aplicação do receituário que ocasionava: aprofundar a integração econômica da região; menor intervenção do Estado nas áreas sensíveis e estratégicas para a soberania popular; financeirizar a base de cálculo das políticas econômicas a partir da flexibilização; e impor regime de caixa para toda a atividade com finalidade de serviço público realizada pelo aparelho estatal em seus três níveis de governo.
Para isso, o câmbio de mentalidades teve, como portador de conceitos, termos genéricos, como “globalização” (econômica) – com nenhuma relação com a interação cultural dos povos –, “mundo sem fronteiras”, “flexibilização”, “modernização”, “desburocratização” e outras manobras legais com a finalidade de retirada de direitos, aumento da carga horária não-remunerada e multifuncionalidade da mão-de- obra sem a devida remuneração salarial. Tais ideias e práticas propagam-se, encontrando em boa parte da intelectualidade aliados na sua defesa. Com isso, mesmo alguns setores historicamente de esquerda acabam, direta ou indiretamente, assumindo tal discurso e exercício, como se o caminho não fosse resultado de opções históricas, que podem seguir um caminho ou outro.
Nesse cenário, as tecnologias da comunicação permitem e efetivam – isto é, materializam em linguagens e estéticas – a expansão dessa ideologia entre os povos, consolidando o capitalismo global. Druetta argumenta que o bloqueio do socialismo e a estruturação do sistema mundial, fortalecido a partir da hegemonia norte-americana, criam uma nova ordem no panorama mundial (DRUETTA, 2004: 20). Nessa direção, a década de 1980 desencadeia a implantação das políticas neoliberais e, por conseguinte, das reformas do Estado. Já no decênio de 90, o Consenso de Washington projeta a integração dos mercados em blocos regionais, um dos alicerces da globalização.
Isso é abordado por Druetta, para quem as instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), transformam- se em fontes de informação e agendamento, colocando na agenda de governos globalizados os temas que devem ser pensados e sofrer atuação do Estado e do conjunto social (DRUETTA, 2004: 22). Entende-se, assim, que o simbólico teve um papel importante na aceitação das políticas neoliberais, articulando entre si a política econômica e a publicidade:
as ações de ordem simbólica do FMI e Banco Mundial se unificam no que conhecemos como hipóteses da agenda setting, que sustentam os meios, não nos dizem o que pensar e sim aquilo sobre o que devemos pensar. Neste quadro, trata-se de instituições financeiras internacionais que se transformam em fontes informativas, colocando na agenda dos governos globalizados e na mídia dos países os temas acerca dos quais se deve pensar e atuar. Por sua vez, os meios referem-se e produzem esses conteúdos e ações, ao incorporar em sua própria agenda informações sobre as reuniões internacionais e as atividades governamentais (DRUETTA, 2004: 23).
Neste quadro de concentração de mercado, caracterizando uma busca desenfreada pelo lucro e redução do emprego formal, o campo da comunicação social é deformado pela atuação dos grandes agentes econômicos. Isto resulta, cada vez mais, na crítica desta atuação e na consequente luta para implantar um controle social e um aparato legal que seja estruturado para tal fim, um debate articulado pela sociedade organizada.
Com essa pauta e nessta conjuntura, na primeira década do século XXI, surge um desafio, a partir do debate do novo marco regulatório da comunicação social, que, no final de 2009, pôs frente a frente representantes das empresas privadas (mas não os principais radiodifusores), do setor público-estatal e de um mosaico de movimentos populares, na I Conferência Nacional de Comunicação. Se houve algum consenso entre os delegados das entidades do movimento pela democracia na comunicação, foi a constatação de que este campo da sociedade precisa ser democrático e inclusivo. Portanto, não é possível regê-lo sob a lógica do oligopólio, a classe de mercado típica do capitalismo a partir do último quarto do hoje longínquo século XIX.
Além desse consenso, que atravessa os diversos matizes da esquerda, existem outros. Desde a mais branda e conciliadora corrente até aquela que ainda crê e tenta acumular forças para um processo de ruptura, nenhum coletivo que discuta e debata a democracia na comunicação social vê a mídia privada como agente legítimo para intermediar, balancear e antepor as mil versões do cotidiano das sociedades complexas. Em termos clássicos da política, os conglomerados de comunicação já não podem exercer de forma incontestada um de seus papéis do pacto liberal- conservador, que cria a moderna república ocidental.
Pela divisão de poderes das repúblicas ou monarquias constitucionais após a Revolução Gloriosa (Inglaterra-Escócia- Gales, processo que se inicia em 1640, tem seu ápice entre 1685-1689 e o sistema fundante nasce em 1694) e a Revolução Popular na França (1789-1799), haveria no mínimo três poderes, sendo dois, de alguma forma, eleitos. A saber, o Poder Executivo (na maioria das vezes eleito de forma direta ou indireta), o Poder Legislativo (o Parlamento eleito em seu primórdio através de voto censitário) e o Poder Judiciário (onde os magistrados teriam algum critério meritocrático para o exercício da função). Nessa constelação de balanços, checagens e “equilíbrios”, caberiam à imprensa livre o exercício do 4º Poder. Este, não eleito, seria exercitado pelo maior número de cidadãos alfabetizados e alimentaria uma esfera pública de debates e polêmicas.
Em tese, essa seria a função da mídia em geral, e do jornalismo em particular, para o arranjo dos poderes de tipo liberal-burguês. Mesmo se, em algum momento da história, esse tipo-ideal habermasiano de sociedade chegou a se materializar, isto já não se verifica mais. Com o advento da sociedade de massas, os exercícios de atributos das indústrias culturais tornam-se outros, sendo portadores e transmissores de cultura de massa (mesmo quando segmentada) na forma de estética e representação, transitando e fazendo circular bens simbólicos que reforçam os alicerces do sistema capitalista. Ao lado disso, contribuem para a diferenciação do produto, através da publicidade (explícita ou não), exercendo papéis macro e microeconômicos.
O modelo evolui e a inexorável marcha das fusões de conglomerados de capitais torna a censura corporativa, resultante do controle privado, uma regra explícita, embora não dita. Sendo o senso comum a condensação das idéias dominantes, as classes dominantes dispõem de um mecanismo de rápida difusão de suas visões de mundo, vendendo modelos de comportamento através da mídia, não aceitos diretamente, mas que resultam nos consensos possíveis, primordialmente em sintonia com os propósitos do sistema. A fusão entre circulação de mercadorias, significação de valores e fabricação de consensos dá a base dos afazeres dos grupos midiático-culturais no Ocidente do mundo.
No continente latino-americano, o mito da imprensa como bastião da liberdade resiste um pouco mais. Os embates entre os regimes ditatoriais militares e as atividades jornalísticas e artísticas reforçam o papel da censura de Estado através da exceção. Passadas as ditaduras, a mídia recobra sua importância para a garantia da governabilidade e passa a ser o bastião na luta de tipo restauração conservadora pelo desmonte dos serviços públicos fornecidos pelo aparato do Estado Nacional-Desenvolvimentista ou do que dele restara.
Com o advento da reação neoliberal na Inglaterra e nos Estados Unidos (com a vitória respectiva de Thatcher e Reagan) e a derrota do Bloco Soviético e do capitalismo de Estado (à exceção da China, que se alia aos EUA já nos anos 70), o inimigo visível dos conglomerados de comunicação de massa passa a ser os direitos históricos das maiorias latino-americanas, com atenção especial na possibilidade de destruição dos direitos adquiridos pela classe trabalhadora após mais de 40 anos de confronto (da última década do século XIX aos primeiros trinta anos do XX).
O modus operandi do capitalismo periférico no continente atravessa o modus vivendi e a capacidade de percepção de maiorias analfabetas, semi-analfabetas e, no caso brasileiro, com déficits históricos de cognição. Diante desse terreno fértil, apesar da resistência popular que sempre ocorre, o arsenal da mídia corporativa cria eufemismos nefastos, como “flexibilização”, “modernização das relações de trabalho”, “custo Brasil”, “agilidade nos licenciamentos ambientais” e outras expressões. Convidam o povo para dançar na democracia liberal e depois expulsam simbolicamente do baile os elementos indesejáveis.
Esse modus vivendi sofre diretamente dos reflexos da racionalização ideológica do mundo do capital. Mészaros fala da tendência formal à “universalidade” imposta pela prática, corroborando diretamente no plano da consciência dos indivíduos em termos societários, como uma das principais características definidoras do modo de produção, sendo essas:
A transformação abstrata/redutora das relações humanas diretas em conexões materiais e formais reificadas, mediadas e ao mesmo tempo ofuscadas pelas mediações de segunda ordem formalmente hierarquizadas e legalmente protegidas do sistema produtivo e distributivo capitalista. As rupturas práticas e as separações formais da produção generalizada de mercadorias, com sua inexorável tendência às ”universalidade” – equivalente em última análise, ao fato de ser um modo historicamente único de dominação, do qual nenhuma sociedade desse planeta pode escapar- podem ser identificadas (MÉSZÁROS, 2009: 35).
Não por acaso, os conglomerados de mídia organizados em estruturas como a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) e o Grupo Diários América (GDA), dentre outras alianças, são hoje, no capitalismo reconfigurado, o adversário mais visível dos agentes sociais em luta.
Hoje, independente da vontade dos executivos de grupos de mídia ou transnacionais de telefonia, sua legitimidade como 4º poder está mais que abalada. No longo prazo, vencer essa luta é afirmar outro modelo de democracia. Esta modificação estrutural na legitimidade no setor comunicacional no Brasil depende, entre outras questões paralelas, de uma nova estrutura distributiva do mercado de comunicação, de uma legislação atenta aos interesses públicos e de uma sociedade civil articulada e crítica do cenário atual da comunicação. Um quadro que não se constrói sem luta política, passando por desenvolvimentos midiáticos e ações no mundo não-virtual.
Considerações conclusivas
Na busca das conclusões, retorna-se ao cenário nacional como teatro de operações desse embate multifacetado e, conforme já dito, com notada ausência de massificação participante. Um dado de realidade deve observar que a votação e aprovação das proposições da Confecom são difíceis de serem atingidas, diante de três fatores. Um é a sobrerrepresentação de radiodifusores no parlamento. Outro é a presença de operadores de confiança dos agentes econômicos em postos-chave dos governos na pasta de Comunicações e correlatas, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A terceira, é a própria visão instrumentalizada da comunicação social, vista como plataforma de sedimentação da imagem do gestor-candidato acumulando capital político a cada quatro anos. Diante disso, uma análise rigorosa tem de levar em conta a tradição dos governos brasileiros de não criar um marco legal generalista que acompanhe o avanço das plataformas e veículos da comunicação social.
Somado a esses problemas, há a evidência de que, por não serem midiatizados, via de regra, os temas comunicacionais fundamentais para o exercício da cidadania também não entram na agenda de grande parte da população, que considera a questão técnica e de domínio exclusivo de especialistas. Constitui-se um ciclo em que a ausência de publicização dos tópicos midiáticos dificulta o debate dos temas comunicacionais e, com essa baixa penetração da temática junto à população, a proposição e formulação de políticas públicas democráticas para o macrosetor é prejudicada.
Outra dificuldade evidente está no volume de propostas. Um dos vieses críticos dos resultados da primeira Conferência Nacional de Comunicação Social é a demasia quantidade de proposta aprovadas, cerca de 600, somados os 15 Grupos de Trabalho. As propostas em gestão são legítimas e apresentam diretrizes imprescindíveis para qualquer modificação estrutural no setor da comunicação do Brasil. No entanto, essa talvez não seja a maneira mais adequada de realizar um trajeto de mudanças no marco legal da comunicação, visto que as propostas apresentadas só podem surtir algum efeito na regulamentação se forem praticamente, em sua maioria, votadas e aprovadas no Congresso Nacional.
Observar as relações como são não implica assumir o ceticismo e, menos ainda, certo fetiche manifesto no aplauso das novas tecnologias como redentoras de uma liberdade individual e gregária na comunicação. Neste sentido, os pesos e contrapesos no interior da universidade, no lócus da grande área da comunicação, têm sua ampla parcela de responsabilidade. É hora de avançar na teoria crítica e, a partir de então, buscar alternativas para a comunicação social brasileira. Se a formulação da academia (quando crítica) se aproximasse da produção midiática dos meios de comunicação das universidades, haveria o laboratório e a semente dos modelos para as redes públicas tão perseguidas.
No que diz respeito aos embates por políticas de comunicação, apesar de tímidos, reconhecem-se avanços, partindo da constatação de que a I Conferência foi realizada apesar dos agentes econômicos hoje líderes do oligopólio. À medida que os setores organizados das classes oprimidas brasileiras tomarem para si a estratégica bandeira da comunicação social, vai se tornar possível a visualização de um novo acumular de forças. Para além do direito à informação, comunicação e cultura, o que está em jogo é o próprio modelo de distribuição de poder e recursos.
Notas
Referências
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BOLAÑO, César Ricardo Siqueira; BRITTOS, Valério Cruz. TV pública, políticas de comunicação e democratização: movimentos conjunturais e mudança estrutural. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE INVESTIGACIÓN DE LA COMUNICACIÓN, 9., 2008, Estado de México. Trabalhos apresentados... Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2010.
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MÉSZÁROS, István. Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do método. São Paulo: Boitempo, 2009.
SALDO da conferência poderá abrandar o perverso sistema de comunicação. Porto Alegre: FNDC, 19 fev. 2010. Disponível em: . Acesso em: 21 jul. 22010.