Prof. Me. Anderson Romário Pereira Corrêa
São Francisco de Borja, 18 de outubro de 2016.
Em 1831 havia cinco municípios na Província do Rio Grande de São Pedro: Rio Grande, Porto Alegre, Santo Antônio da Patrulha, Rio Pardo e Cachoeira do Sul. No dia 25 de outubro de 1831 foram criados mais quatro municípios na Província, entre estes o Município de Alegrete. Em 10 de Abril de 1833 foram eleitos os primeiros vereadores e tomaram posse em 16 de fevereiro de 1834. O Município é uma esfera administrativa (jurídico/política) que integra a estrutura do Estado Moderno. O decreto provincial de criação do Município foi em 1831, mas a sua instalação “formal” se deu em 1832, implantando-se aos poucos no decorrer dos anos. O Município hoje é uma divisão administrativa governada por um Prefeito e por uma Câmara de Vereadores. O Prefeito representa o Executivo e a Câmara o Legislativo. Hoje o Município possui autonomia para elaborar leis, eleger seu governo, arrecadar impostos, empregar seus recursos e organizar os serviços locais. De acordo com a Constituição de 1988, o município é uma Unidade Federativa com competência para legislar, instituir impostos e prestar serviços públicos. No período do Império, quando o Município de Alegrete foi criado, não era assim. O Município tem origem no direito Romano e era a divisão territorial administrativa com sede em uma cidade e como administradores decuriões nomeados pelo imperador como juízes. Qual era o território que deu origem ao Município de Alegrete, sua população e economia? O que significava o Município no período imperial? Qual sua atribuição e quem eram os cidadãos? O território que vai dar origem ao município de Alegrete é conhecido por Campos, isso é, uma área de transição entre a Mata Atlântica e o Pampa. É uma área de transição, de fronteira geomorfológica e também política e cultural. Essa região é habitada a mais de 12 mil anos pelos povos nativos dos campos e do pampa. Depois, há uns 300 anos, passou para a influência guarani/ Missioneira. Nosso território pertenceu às estâncias missioneiras e seus povos. Foi por muito tempo um território em disputa pelos nativos, Coroa portuguesa/ luso brasileira e pelo Vice Reino do Prata e Coroa espanhola. Depois de 1801, com a tomada dos Setes Povos pelos portugueses, nosso território passou a ser “conquistado” pelos súditos do Reino de Portugal e mais tarde do Império do Brasil. Aqui surgiu uma Capela em 1814 que se tornou Freguesia em 1819. O Termo (território) dessa freguesia vai dar origem ao Termo da Vila de Alegrete (Município). De 1809 a 1819 éramos Distrito da vila de Rio Pardo; de 1819 a 1831 éramos Distrito da Vila de Cachoeira. O Território da Vila de Alegrete compreendia os atuais município s de Alegrete, Uruguaiana, Quarai, Barra do Quaraí, Parte de Rosário o Sul e de Livramento e ainda o atual Departamento de Artigas na República Oriental do Uruguai. É importante registrar que a conquista portuguesa não foi sem resistência dos povos do pampa. Muitos nativos resistiram a esse processo. Um dos principais exemplos foi quando em setembro de 1816, os índios insurgentes atacam o posto militar avançado do Império de Portugal, na localidade do Inhanduí, onde havia uma Capela. O lugar ficou conhecido como Capela Queimada. Um dos índios rebeldes, cacique Curaête, da Liga Federal dos Povos Livres, traz uma proclamação de liberdade em nome de Andresito Artigas: "Eu coloquei meu exército em frente ao Português, sem receio algum, fundado, em primeiro lugar, em que Deus favorecerá os meus sãos pensamentos, e nas brilhantes armas auxiliadoras e libertadoras, SÓ COM O FIM DE DEIXAR AOS POVOS EM PLENO GOZO DE SEUS DIREITOS, ISTO É, PARA QUE CADA POVO SE GOVERNE POR SI, SEM QUE NENHUM OUTRO, HESPANHOL OU PORTUGUES, OU QUALQUER DE OUTRA PROVÍNCIA, SE ATREVA A GOVERNAR. Venho amparar-vos, venho procurar-vos, porque sois meus semelhantes e irmãos; venho romper as cadeias da tirania portuguesa, (...)" (ARAÚJO FILHO, 1908) Pedro Mongelos, em 1984, nos fala de uma correspondência da Câmara para o Governo da Província, onde existe o relato de que não estava sedo possível instalar a “Câmara” devido ao assédio dos índios. Existem vários exemplos de resistência indígena contra a privatização dos campos e dos rebanhos. Os súditos do Rei de Portugal receberam Sesmarias na região. Cada sesmeiro recebia o direito de uso fruto (posse) a aproximadamente 150 quadras de campo. O Rei concedia aos fazendeiros a terra dos índios. São aproximadamente 200 sesmeiros. Da Sesmaria de Antônio José de Vargas saiu o terreno que foi construído a parte “urbana” da Vila e do município de Alegrete. Não foi encontrada informação sobre o numero de habitantes do município de Alegrete na década 1830. O Cônego João Pedro Gay publicou no Rio de Janeiro em 1847 um histórico sobre Alegrete. Nesse documento afirma que a Vila de Alegrete (urbano) possuía aproximadamente 1.500 pessoas e na campanha aproximadamente 4.000. No período de Capela a localidade de Alegrete, de acordo com o registro de batismos entre 1816 e 1830, possuía as seguintes características étnicas na sua população: Brancos (501 ou 35,6%), Indígenas (530 ou 37,7%), Pardos e mestiços (79 ou 5,2%), Chinas (74 ou 5,2%), Pretos (215 ou 15,3%) e Sem Definição (06 ou 0,4%). Total de batizados:1.405. Percebe-se que a maioria, 64% dos primeiros alegretenses, era composta por mestiços (índios em sua maioria) (DORNELLES, 2009) No Brasil, durante o período colonial e imperial, os Municípios não possuíam Forais, isto é, não podiam legislar, suas funções eram meramente administrativas e judiciais para pequenas causas. As Câmaras possuíam sete vereadores e um juiz ordinário. Os vereadores não recebiam vencimentos. A Câmara nomeava o Juiz Vintenário, escrivão, procurador, tesoureiro, advogado e porteiro. Existia o Juiz de Paz, eleito como os vereadores e com atribuições policiais e judiciais. O Imperador (Regente) nomeava para o município o Juiz de Fora. A Câmara expedia ofícios, as posturas municipais, cobrava impostos, cuidava da educação de crianças abandonadas. Em 1831 foi criada a Guarda Nacional, de âmbito municipal, cabendo a Câmara eleger os oficiais. Na época do Império, por volta de 1830, tinham direito a voto nas eleições primarias os cidadãos brasileiros no gozo de seus direitos e cidadãos estrangeiros naturalizados, exceto as seguintes pessoas: menores de 25 anos; os filhos família; os criados de servir; os cléricos; os que não tivessem renda líquida anual superior a cem mil réis por bens de raiz (imóveis), indústria, comércio ou emprego. Também não votavam as mulheres e os escravos. Em Alegrete, em 1833, havia 116 eleitores. Destes, 57 eram sesmeiros ou seus filhos e genros. (DORNELLES, 2009) De acordo com Paniagua (2012) a primeira eleição para compor a Câmara da Vila de Alegrete realizou-se no dia 10 de abril de 1833, na casa do Juiz de Paz Antônio Luiz de Souza Cambraia. Cambraia era presidente da Assembleia Paroquial. Estavam também presentes o secretário Alexandre do Nascimento Frasão e o pároco Jerônimo José Espindola. A primeira câmara de vereadores da vila de Alegrete ficou assim composta em 1834: Joaquim dos Santos Prado Lima, presidente, com 121 votos; João José de Freitas com 103votos; Luiz Ignácio Jacques com 101 votos; José Antonio da Silva com 83 votos; Alexandre de Abreu Valle Machado com 83 votos; Francisco Maria da Silva com 80 votos e João de Araujo e Silva com 76 votos. É importante destacar que a composição da Câmara sofreu alterações no decorrer do período em virtude de vários motivos. Nesse caso os suplentes eram chamados. Paniagua ( 2012) escreve que “No dia 16 de fevereiro de 1834, era instalada a vila de Alegrete e os vereadores eleitos no dia 10 de abril de 1833 tomavam posse. Essa solenidade aconteceu na vila de Cachoeira com o seguinte juramento: “Juro aos Santos Evangelhos desempenhar as obrigações de vereador desta Villa de Alegrete e de promover quanto em mim couber os meios de sustentar a felicidade pública”. Estavam presentes: Joaquim dos Santos Prado Lima, presidente; João Damasceno Góis, secretário; João Antonio da Silva; José Antonio da Silva; José Ribeiro de Almeida; Luiz Ignácio Jacques; José Ignácio dos Santos Menezes; João de Araujo Silva Junior e Alexandre de Abreu Valle Machado.” A composição dos cargos na câmara de Alegrete ficou dessa maneira: procurador, Vicente Soares Leiria; secretário João Damasceno Góis; fiscal, Felício Rodrigues de Moraes; coletor de impostos, Estanislau José de Freitas e porteiro Bernardo José de Santa Clara. A câmara, como tinha essa prerrogativa, nomeou interinamente o capitão João José de Freitas como juiz de órfãos e como tinha sido eleito vereador, foi substituído por Luiz Manoel de Souza. Para a Comarca das Missões a qual estava subordinada a Vila de Alegrete, foi nomeado o Bacharel Francisco de Sá Brito Junior. De acordo com Edson Paniagua (2012) a efetividade da Vila somente aconteceu com a instalação da Câmara em 27 de fevereiro de 1834. Paniagua defende a ideia de que a criação da Vila de Alegrete e de outros municípios no mesmo período faz parte do contexto de afirmação da elite política na fronteira e o avanço dos liberais no Período Regencial. A Vila de Alegrete embora não tivesse poder legislativo possuía relativa autonomia administrativa. Em determinadas situações resistia aos encaminhamentos do centralismo e tinha poder de barganha com a criação da Guarda Nacional (a força dos Coronéis).
Vimos que a criação da Vila de Alegrete faz parte da estratégia de domínio e exploração do modelo capitalista. O município é um dos elos jurídico e políticos do Estado Burguês e liberal que se implantou na campanha para subjugar os povos do campo e do pampa. Introduziu a privatização dos campos e dos rebanhos, o trabalho escravo e servil. O Município era um instrumento político e jurídico de uma elite econômica, branca, católica e masculina que privatizou os campos e os rebanhos.
Bibliografia Consultada:
MONGELÔS, Pedro. Legislativo Municipal Alegretense:Perfil histórico. Câmara Municipal de Alegrete.1984.
PANIAGUA, Edson R. Monteiro.A Construção da Ordem Fronteiriça: Grupos de Poder e Esratégias Eleitorais na Campanha Sul-Riograndense (1852-1867). Tese de Doutorado, UNISINOS, São Leopoldo, 2012.
DORNELLES, Homero Corrêa Pires. A Participação política dos Sesmeiros na Formação do Povoado de Alegrete (1801 – 1834). Monografia de Graduação em História. URCAMP/Alegrete: 2009.
DORNELLES, Homero Corrêa Pires e Anderson Pereira Corrêa. A Presença de Descendentes Açorianos na formação do Alegrete (1816-1930). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alegrete, Porto Alegre: CORAG, 2012.
TRINDADE, Miguel Jacques. Alegrete do Século XVII ao Século XX. Volume 1.Porto Alegre; Editora Movimento; 1985.
ARAUJO FILHO, Luiz de. O Município de Alegrete. Ed. Porto Alegre; CORAG, 1985.
FLORES, Moacyr. Dicionário de História do Brasil. EDPUCRS, 2004.