05 de junho de 2009, Liga Federal de los Pueblos Libres de Artigas, Bruno Lima Rocha
Existe algo no anarquismo, fundamental para a sua própria existência, que ainda é mal explicado e pouco aprofundado. Isto é, seu modelo de organização política. A confusão é tanta, que vários militantes experientes chegam a afirmar que a ideologia é anti-política. Para superar tamanha confusão, quero oferecer aqui uma breve recordação de nossa história política. Como o título do texto já afirma, não se trata de uma novidade para o universo da política. A forma organizativa dos anarquistas militantes remonta ao início de nossa conformação.
Se são novos ou inexistentes os estudos sobre o tema, se esta forma de fazer política não se transformar nem em objeto estudo, e menos ainda em conceito difundido, isto tem razões e motivos. Primeiro, dentro da academia burguesa, ou seja, das universidades do ocidente capitalista, a máquina de moer carne dos marxismos sempre fe questão de fazer “ciência” humana e social aos moldes de 1984 de Orwell. Assim, a omissão histórica é uma forma indolor para quem o faz de fazer desaparecer a dor de milhares de militantes.
Como a política em geral não tem regras, o nosso “desaparecimento histórico e político” se deu devido à correlação de forças no interior do campo acadêmico e de publicações. Outra responsabilidade pelo desaparecimento da federação anarquista como modelo de organização política, também ocorre porque muitas vezes os debates travados nos intestinos das esquerdas não estatistas não encontra eco entre os proclamados fazedores de teoria. Em função desses elementos que apresento aqui e de outros que faltam expor, houve pouco ou nenhum debate do anarquismo como ferramenta política organizativa. Por esforço de gente humilde e abnegada, tal fato está mudando.
Como é de conhecimento geral, uma organização política é composta por militantes especificamente aderentes a um corpo ideológico-doutrinário. E, pelo modelo adotado desde o início no interior da ala federalista, uma organização política anarquista não é aberta para a filiação de todas e todos. É um grupo fechado, com adesão voluntária, mas individual e paulatina. Por não ser de massas, em contraposição, está no formato de quadros, sem filiação aberta e cujo grau de compromisso dá-se através dos círculos concêntricos. E, na sua estruturação interna, se encontra a divisão jurídico-político-administrativa, com instâncias de participação, de comissão de ética e conduta, de administração interna (como finanças e tesouraria), de corpo político-técnico e de outras atividades especializadas.
Há que se ressalvar que a forma especifista/organicista/plataformista não é a única do anarquismo. Outras vertentes propõem o modelo “federação de grupos” (conhecido também como federação de síntese, ou sintetista) e também a forma “grupos de afinidade (que podem chegar a se organizar em uma federação de grupos ou redes). A maior parte da literatura, mesmo a ontologicamente vinculada ao anarquismo, tem uma abordagem da filosofia política dos que professam esta ideologia, e pouca atenção dão à estrutura orgânica e administrativa de suas organizações.
O foco do texto é justamente iniciar o debate a respeito dessa estrutura. Isto porque são mais conhecidas as grandes divisões do anarquismo em forma de filosofia política. Em geral associa-se a tradição de pensamento aderida à organização específica do anarquismo como anarco-comunista, vinda dos coletivistas de Bakunin. A ala que não entende a necessidade de separar o nível político do político-social deu na síntese das idéias de anarquismo e sindicalismo, resultando no anarco-sindicalismo. Nesta vertente, em seu interior atuaram grupos de afinidade e federações, como é o exemplo da Federação Anarquista Ibérica (FAI), fundada em 1927.
Os chamados círculos concêntricos, embora não seja exclusividade, em geral se atribui aos aderentes da ideologia anarquista esta forma de se organizar. Esta modalidade ganha definições ao longo de sua história, tais como: organicismo, plataformismo, especifismo. Este modelo compreendido por este militante remonta a esta tradição, obviamente por fora do jogo eleitoral e que não se enquadra apenas nas tipificações da filosofia política anarquista.
Para fins didáticos e termos comparativos, a modelagem organizativa se refere a uma organização de quadros, com estrutura de círculos de compromisso e adesão (concêntricos) e com democracia interna. No campo doutrinário, se vê como interlocutor de uma frente de classes (mas não exclusivista de um setor de classe); opera para a sociedade através de um viés classista e de maiorias. Em geral, se admite e reivindica a origem nacional e popular (mas sem nacionalismos na forma de estatismos, com ênfase no anti-imperialismo) e necessariamente é uma organização programática. Ou seja, tem uma intencionalidade finalista (de ruptura) e se move ano a ano visando acumular forças para este objetivo.