Perito da área de crimes financeiros, Leadabal afirma que crimes como a lavagem de dinheiro do Banestado são cometidos por pessoas influentes da sociedade. - Foto:Bonde
Perito da área de crimes financeiros, Leadabal afirma que crimes como a lavagem de dinheiro do Banestado são cometidos por pessoas influentes da sociedade.
Foto:Bonde

Entrevista com o perito de polícia federal ROOSEVELT LEADEBAL JR., presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) – quando da data do trabalho. A entrevista ocorrera em Brasília, no dia 06/08/2003, na sede da entidade corporativa dos peritos. A mesma fez parte do trabalho de dissertação de mestrado em Ciência Política (PPG Política/UFRGS, com bolsa de dedicação exclusiva da CAPES), com o título:

“A Polícia Federal após a Constituição de 1988: polícia de governo, segurança de Estado e polícia judiciária.”

 

Uma vez que as entrevistas (são quatro) constaram como Anexo da dissertação e fica absolutamente impossível considerar sua publicação junto do livro fruto deste trabalho, optei por publicá-las aqui, em sequência, na condição de Teoria. Teoria por ser um trabalho direcionado, roteirizado, com objetivos analíticos precisos. O conjunto das entrevistas aparecera no texto final da dissertação como Anexo I.

Consta neste Anexo I, entrevistas com representantes das entidades estudadas e da Direção-Geral, gestão Paulo Lacerda. Todas as entrevistas foram realizadas em Brasília, no mês de agosto de 2003. Estão apresentadas em ordem cronológica, tem suas páginas numeradas e não foram editadas (estão na íntegra). Abaixo, antes de entrar nas entrevistas, nos pareceu interessante expor o roteiro inicial pensado para estas entrevistas, ainda no mês de junho de 2003. Estas perguntas não estão em ordem de importância, nem tampouco seriam feitas seguindo algum ordenamento prévio. Apresentar este roteiro nos pareceu interessante para expor o tipo de informação que queríamos, a busca do contraditório dos depoimentos e poder comparar entre o momento prévio e o que realmente foi obtido através destas fontes.

 

Com as perguntas previamente roteirizadas, procuramos expor um pouco do roteiro como um mapeamento analítico indireto. Deste mapeamento, obtêm-se uma dedução através de via de aproximação indireta. O guia básico dos conceitos embutidos no roteiro é:

Prerrogativas das FFAA (militares) por sobre o aparelho constitucionalmente válido (a PF) – Espírito de Corpo – Obediência a Justiça, ao Ministro ou a Presidência – Justiça X Direito – Lógica punitiva diferenciada como fator de desigualdade estrutural do Sistema – Autonomização dos Agentes Sociais mesmo no interior da PF – Autonomização burocrática no interior do Aparelho de Estado, mesmo sendo este um Aparelho policial – Espiocracia como forma de Burocracia – Criminalização do Capitalismo – Classe Dominante e Classe Dirigente com práticas criminalizadas de ordem estrutural – Organização Criminosa X Rede de Quadrilhas – Organização Criminosa X Fragmentação da(s) Forma(s) de Repressão – Concorrências, Competências e disputas Intra-Policiais – Disputas Internas da(s) Comunidade(s) de Informações e Inteligência – Limites do Jogo Democrático X Jogo real das disputas pelo poderes de fato em todos os níveis – Campo Jurídico + Burocracia Policial X Democracia Deliberativa – Repressão Seletiva, Repressão política (e das forças sociais) como forma de sub-seleção.

 

 

Roteiro prévio para as entrevistas

 

– Como o senhor analisa as acusações de ingerência dos EUA (a exemplo do dossiê da revista Carta Capital), através da embaixada e com financiamento direto de operações e treinamento por parte da CIA, DEA e FBI, no interior da PF? Estas denúncias procedem? Há setores que não respondem mais à hierarquia do órgão e sim diretamente às agências dos EUA? Se a afirmação for positiva, quais seriam as alternativas para realizar estas operações, equipagem e treinamento?

– Qual é, baseado na opinião do senhor e em sua experiência profissional, a relação e a possibilidade de trabalho em conjunto entre a PF e o GSI/ABIN? Quais seriam, ainda na opinião do senhor, os papéis precisos da PF e da ABIN? Quem deveria operar, aonde e sob qual tipo de coordenação? No plano do concreto, que tipo de influência exercia o general Cardoso sobre a PF e o conjunto da “comunidade de inteligência”, especialmente a partir da queda de Vicente Chelotti até o fim do 2o mandato de Fernando Henrique Cardoso?

– Como entende que deveriam ser as carreiras de delegado e agente na PF? Considera possível uma PF sob os moldes do FBI atual (pós-Hoover e com cargo único)? Considera possível uma PF onde os agentes ou outra categoria da carreira policial voltem a ter exigência de 2o grau completo ao invés de nível superior?

– O que o senhor pensa sobre as transformações no MJ? Deveria funcionar como um Ministério do Interior? Considera necessária a existência de uma Guarda Federal Fardada e com emprego a nível nacional? Existindo esta Guarda, como ficaria a relação com o Exército, especialmente em zonas que há Pelotões Especiais de Fronteira? Seria empregada esta Guarda somente na faixa de fronteira ou também para intervenção nos estados?

– Qual deveria ser, tanto o critério como a motivação para uma intervenção federal em estados, micro-regiões e/ou municípios? Poderiam justificativas possíveis, apenas para exemplificar:

Por calamidade pública? Zona de emergência? Por corrupção endêmica? Por rebelião de polícias? Área de segurança nacional? Descontrole do Estado, como no chamado Polígono da Maconha? Municípios na faixa de fronteira? Tratando de um caso específico, foi a favor da intervenção federal no Espírito Santo, a que não ocorreu, no ano de 2002? Porque?

– Pediria ao senhor que fizesse uma análise profissional e política, pormenorizada, dos seguintes profissionais, quando no exercício de funções de chefia e liderança no órgão:

– A gestão de Vicente Chelotti como DG da PF?

– A gestão de Romeu Tuma como DG da PF? A presença política e profissional de Tuma no órgão?

– Qual é hoje, o grau de coordenação entre os MPs estaduais e Federal com a PF? Considera a atuação do GAECO do MP-SP e a Superintendência naquele estado como modelar? Qual seria então o tipo de coordenação, incluindo o nível dos recursos e o grau de autonomia tática, necessários para fazer frente as urgências investigativas e processuais?

– Como o senhor vê o papel da PF como órgão executor de repressão política e social? Esta função seria da ABIN? Seria da própria PF? Como se dariam então as antecipações necessárias para cumprir o trabalho? Deveria ser exercida, por exemplo, infiltração no MST e repressão às rádios comunitárias?

– O senhor vê necessidade da figura do delegado no processo de instrução, presidindo Inquérito Policial? Para que serve então o IPL? Como funcionaria então uma polícia exclusivamente investigativa e judiciária?

– Como o senhor vê o papel da FENAPEF e dos sindicatos estaduais na PF? Como o senhor vê o papel da ADPF e as respectivas associações e sindicatos estaduais de delegados, na PF? Tanto hoje como durante a gestão de Chelotti?

– Se o senhor fizesse um mapeamento da instituição, quantos setores de fato existem hoje? Seus interesses são conflitantes, são confluentes? Seus projetos para o órgão são conflitantes, são confluentes? A hierarquia do órgão exerce de fato poder de mando no conjunto dos servidores? Que setores têm autonomia dentro da própria instituição?

– Existe continuísmo na PF? Existe continuísmo de resquícios e pessoal do regime militar? Que relevância tem esse continuísmo, caso exista, para a filosofia de trabalho do órgão?

– Existe alguma transparência na PF? Que tipo de transparência e relação com a sociedade, na opinião do senhor, deveria existir?

– Caso o senhor tivesse poder de mando e execução, que mudanças realizaria na PF?

ENTREVISTA

BRUNO – Como procedimento, eu gostaria que tu dissesse o ano em que começou no Departamento e um pouco da carreira, sucintamente.

ROOSEVELT – Meu nome é Roosevelt, sou perito criminal federal atualmente estou presidindo a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais da Polícia Federal. Eu ingressei no Departamento de Polícia Federal através do concurso de 1993 e comecei o exercício das atividades como perito na Polícia no ano de 1996. Em julho de 1996 comecei, saiu a nomeação, entrei em exercício, tomei posse. E no início de 1996 fiz o curso de formação para perito criminal federal. Desde lá comecei minhas atividades no Instituto Nacional de Criminalística aqui em Brasília, depois fui removido para Vitória, no Espírito Santo, onde fiquei até o meio do ano passado, até julho de 2002, quando voltei aqui para Brasília. E espero, depois que acabar meu mandato como presidente, pretendo voltar para o Espírito Santo.

BRUNO – Bom, vou pegar o início no Espírito Santo. Eu selecionei algumas perguntas, mas eu estou pegando em ordem aleatória. Tu estavas lá no ano passado, correto?

ROOSEVELT – Sim.

BRUNO – Por que tu achas que não houve intervenção, se deveria haver ou não e como perito como deveria se proceder lá?

ROOSEVELT – Eu não tive acesso aos autos do processo para ocorrer a intervenção. Mas por todas as informações que nós obtivemos, tinha prova mais do que suficiente para que ocorresse a intervenção. A intervenção não se deu por uma questão política, né, por uma decisão política. Foi notório, toda a sociedade capixaba se manifestou contrária à decisão da não intervenção. Todos nós, e na época eu era vice-presidente do sindicato no Espírito Santo, dos policiais federais do Espírito Santo, e nós nos manifestamos a favor da intervenção. Porque acreditávamos que seria o único meio da sociedade capixaba voltar a respirar num mundo sem corrupção diferente do que foi o mundo governado pelo ex-governador José Ignácio..

BRUNO – Dava para associar, olha só, por exemplo, quando eu, no caso, na redação em jornalismo, quando a gente fazia curso de jornalismo investigativo, a crítica que se fazia por dentro era que por exemplo no Rio de Janeiro, por dedução natural, o repórter entrava na favela atrás da PM. Ou seja, já se dá um ângulo que o crime está concentrado onde o nível de pobreza é maior. Tu como perito poderia falar que em termos de crimes federais, especificamente crimes financeiros, se dá o inverso?

ROOSEVELT – Sem dúvida, a minha área de formação, eu não falei, eu sou economista e sou bacharel em Direito e a minha área de atuação como perito é na área de crimes financeiros. Então, a grande maioria dos crimes, eles são cometidos por pessoas influentes da sociedade, pelo alto escalão. E o nosso objetivo é exatamente conseguir provar esses tipos de crimes cometidos. Temos vários exemplos, o caso do Banco Nacional, o Banco Econômico, a própria lavagem de dinheiro ocorrida através do BANESTADO. Então, o que a gente tem percebido é exatamente isso. Agora, vale destacar também que a Polícia Federal não está preparada para investigar esse tipo de crime. E aí você fala, pôxa, a Polícia Federal não está preparada, mas como é que ela consegue? Ela consegue, e a gente só entende depois depois que a gente entra, exatamente pelo capital humano que ela tem, entendeu? Apesar de todas as deficiências, da falta de investimentos, da falta de iniciativas, de uma gestão na Polícia Federal voltada apenas para produzir Inquérito ao invés de produzir prova, a gente ainda consegue. E consegue sobretudo por causa da vontade do policial federal, não só do perito, de todos, porque as deficiências são enormes, o que nós enfrentamos no dia a dia. Falta, só para você ter uma idéia, falta até dinheiro para revelar filme de máquina fotográfica. As pessoas pensam que isso não existe na Polícia Federal. A Polícia Federal hoje está devendo R$ 35 mil reais para a Polícia Civil daqui do Distrito Federal porque não tem dinheiro para continuar a fazer exames de DNA. Os exames de DNA da Polícia estão sendo feitos através de um convênio informal, se é que existe convênio informal com o pessoal daqui da Polícia Civil, com o laboratório, o pessoal utiliza os equipamentos lá, e deve R$ 35 mil reais que estão pendentes lá. Então, é só para você ter uma idéia da eficiência. Agora, os crimes cometidos, e a apuração dos crimes financeiros que a gente atua, essencialmente são feitos por pessoas, como é que a gente pode dizer assim, da elite da sociedade. E aquele crime que a gente observa na porta, usando o exemplo do policial militar, do traficante no morro; ou dar outra notícia pra você: a polícia até hoje não investiga a vinculação da compra e venda da mercadoria chamada droga como essencialmente a mercadoria. Ou seja, porque não importa pra mim que seja apreendido uma tonelada, o que importa para a sociedade é que sejam apreendidos os milhões de dólares que foram feitos através da contravenção. Mas a mídia publica o quê? A ação da polícia é aquela tonelada de cocaína. Então a Polícia Federal hoje, ela não faz esse tipo de trabalho, até hoje ela não faz e eu falo isso porque não tem nenhum perito da área de crimes financeiros fazendo essa vinculação. E por que precisa de um perito? Porque é a interpretação da prova, é onde você vai fazer a vinculação. A transação comercial, a compra e venda de mercadoria e o financiamento saindo, o pagamento de um canto para outro. E aí é que eu falo: quem faz isso não é aquele “ Ninguém”, aquela mula, que não tem conta corrente, que só está transportando. Isso aí é de gente grande e a Polícia Federal não faz isso.

BRUNO – Dá para entender que nesse espaço é que entra o Ministério Público investigando fora da sua atribuição e que entra ganhando espaço?

ROOSEVELT – Não, é exatamente por não ter essa visão foi que o Ministério Público começou a atuar com todos os seus méritos. Ainda bem que hoje o Ministério Público está querendo ir além. Ele teve essa projeção, essa idéia, essa atribuição de também investigar desde o início as organizações criminosas. Seria, assim, para a sociedade, um grande avanço o fato do Ministério Público pudesse fazer isso aí.

BRUNO – Dentro dessa área, como é a relação com a Secretaria de Defesa Econômica e com o CADE?

ROOSEVELT – Eu falo pela perícia. Nós não temos nenhum tipo de vinculação nem sabemos de nada do que acontece na Secretaria de Defesa Econômica nem no CADE. Com o COAF e com a Receita Federal. Com a Receita a gente tem vinculação pouca, assim as dificuldades são grandes, a distância entre a elaboração da prova, da nossa prova financeira com a Receita, com o Banco Central, é de uma distância de norte a sul do país, é gigantesca. Ela seria diminuída com o COAF. O COAF é a Conselho de Coordenação de Controle de Operações de Administração Financeira, agora esqueci o título correto mas vale a pena estudar para saber que existe esse órgão.

BRUNO – Pertence ao Banco Central, né?

ROOSEVELT – Não, é ao Ministério da Fazenda e tem assento a Receita Federal, a Polícia Federal, Banco Central, Ministério das Relações Exteriores, vários órgãos têm assento lá. Para quê? Para que a troca de informações seja feita de maneira dinâmica, rápida. E isso não ocorre por que? Porque é só gente do alto escalão que está ali só para fazer assento e quase não funciona. Era um órgão para ter o quê? Para ter um grupo de técnicos trabalhando onde você faria o meio campo entre esses órgãos, com as informações sendo trocadas. Isso não existe, de fato não existe. Hoje, as pessoas que são indicadas pela Polícia Federal, só estão ali indicadas pelo Diretor-Geral mas não têm grau de conhecimento nenhum da necessidade que a perícia precisa porque não é com um delegado que você vai conseguir informação. A informação financeira que está na prova é do perito e do auditor. O cara está lá, eu preciso obter uma informação rápida e eu não tenho. A burocracia para se investigar é muito grande, por isso é que eu sou a favor que o Ministério Público participe, porque com o Ministério Publico você elimina várias barreiras, o Ministério Público é muito mais ágil que os próprios delegados.

BRUNO – Em função do quê? Têm mais prerrogativas?

ROOSEVELT – As prerrogativas constitucionais do próprio Ministério Público. E a peça do Inquérito Policial, e a polícia foi valorizando o Inquérito Policial porque os delegados perderam várias atribuições.

BRUNO – A APCF também é a favor da extinção do Inquérito?

ROOSEVELT – Sim, lógico. O que acontece é o seguinte: o Inquérito, do jeito que está aí hoje, só está favorecendo a impunidade, os bandidos. Quem quiser manter o Inquérito, é porque está querendo defender esse pessoal, entendeu? Se existe alguém querendo transformar a segurança pública em algo ágil, é preciso compreender que essa peça de inquérito está falida, anacrônica, burocrática, ultrapassada. E eu vou te dizer porque ela se tornou isso, muita gente pensa que a atividade de polícia judiciária é uma atividade de polícia jurídica. Não existe polícia jurídica no mundo inteiro. Não existe, você não encontra em nenhum país do mundo uma polícia jurídica. E aí você fala, pôxa, o Inquérito Policial não é uma peça processual? Está no código do processo penal, não seria jurídico? Só que existem previsões de várias peças outras, que por si, por ela existir no código de processo ganha forma jurídica. Tanto é que a definição jurídica do Inquérito Policial é uma peça informativa administrativa. E aí as pessoas quiseram valorizar por demais todo um procedimento burocrático dentro dele. Hoje você não tem mais investigação, são raras as investigações que ocorrem. Você só entrega a intimação, convoca a pessoa para ouvir o depoimento dela. Você valorizou demais o papel. A estatística principal de todas as polícias se você for investigar e for ver, vão dizer “Ah, produzimos 50 mil inquéritos, 50 mil inquéritos foram abertos”, você entendeu? “40 mil foram relatados.” Isso significa o quê? Nada.

BRUNO – Qual é a proporção de conclusão?

ROOSEVELT – De inquéritos é mais fácil você perguntar para a Direção-Geral. Agora, aí você pergunta, eu faço uma comparação do Inquérito Policial que a polícia, ela deu uma valorização muito grande em detrimento das outras atividades de investigação da própria perícia. E eu vou dar um exemplo para você, muito prático: numa empresa, qual é o objetivo, a atividade-fim de qualquer empresa? É o lucro. E o balanço patrimonial que ela publica é a formatação, a publicidade daquele lucro, ou prejuízo. E o que isso tem a ver com a polícia, qual é o lucro da polícia? É a prova. O lucro da polícia é a prova. As pessoas, a gestão policial, elas valorizam o Inquérito, e o Inquérito o que é, é o balanço patrimonial, é a formatação, você entendeu? E a prova é que é o lucro. Então, eles quiseram valorizar demais essa peça em detrimento do seu conteúdo, do lucro, que é a prova. E aí se você valoriza a prova, isso é tão óbvio que o momento de produzir prova na esfera criminal é onde, é ali na instituição penal, no inquérito, na investigação preliminar, o momento de produzir prova é ali. Então a polícia tem que estar muito mais preocupada com a prova do que peça. E aconteceu o contrário. Quer dizer, o que tem ocorrido é a supervalorização da peça, do balanço patrimonial, em detrimento do lucro.

BRUNO – Isso seria em função de que?

ROOSEVELT – Exatamente em função de você tentar manter o status quo alcançado pelos delegados. Porque é a única forma deles poderem se tornar juristas, essa é a realidade. O Inquérito Policial é uma peça administrativa, não é jurídica e aí você mantém o status que você tinha antes. Quer dizer, se a gente tivesse um modelo de investigação em que as pessoas estivessem preocupadas em investigar e interpretar a prova, apenas isso aí, seria muito mais rápido. Mas não, as pessoas tentam ocupar um status jurídico que na verdade não existe.

BRUNO – Além de interesses corporativos, atribui a alguma outra coisa isso? O Departamento está trancado em algum aspecto?

ROOSEVELT – Eu digo o seguinte: é porque a Constituição Federal, ela trouxe vários avanços. E todas as polícias, elas na verdade elas foram, como a Polícia Federal, ela foi constituída na época da repressão do regime militar. Então, na Polícia Federal para você ocupar um cargo de chefia, quanto tempo durava? Uns 30 anos, certo? Esse pessoal que está na gestão do Inquérito Policial que previu que delegado não tem mais direito de fazer uma prisão para averiguação, busca e apreensão, tem que pedir para o juiz, nada mais do que justo. Graças a Deus a Constituição é que trouxe tudo isto, para uma outra pessoa avaliar de maneira íntegra, de maneira equilibrada, não é da maneira que a Justiça pondera, a balancinha é da Justiça, e não aquela pessoa que está na investigação que tem este requisito. Hoje quem é que manda? São aquelas mesmas pessoas que foram criadas na época da ditadura.

BRUNO – Teve continuidade de nomes?

ROOSEVELT – São as mesmas. Elas foram criadas na época do regime militar, da ditadura. Então elas não conseguem perceber esse avanço democrático que aconteceu na sociedade. A Polícia não está conseguindo, a democracia está ampliando, crescendo, a gente nem está ampliando, né, a democracia no Brasil está se desenvolvendo, ela está nascendo, e as pessoas ainda não perceberam que ela nasceu. Por quê? Porque elas nasceram num regime ditatorial, militar, entendeu, onde elas podiam fazer tudo. Um exemplo disso foi agora, sexta-feira, quando empurraram a Senadora Heloísa Helena, o COT (obs. nosso: Comando de Operações Táticas, unidade de combate de elite e choque da PF) foi para lá para reprimir um movimento sindical legítimo dos servidores públicos. Mesmo que eles estivessem querendo invadir prédio público não era pra chamar o COT. Não é para chamar a Polícia Federal, o grupo de elite. O COT foi preparado para matar bandido, ir atrás de bandido, investigar crime e não para proteger prédio público. Então, quer dizer, uma atitude dessas, de você querer mandar o COT, o Comando de Operações Táticas, grupo de elite da polícia, que é justamente para combater o crime organizado, combater o tráfico de drogas, subir no morro, pegar esse criminoso, não. Ele vai fazer o que? Quer dizer, quem está na gestão atual da Polícia não percebeu que existe democracia, evolução, você entendeu? E tão cedo não vai acontecer. E aí você se pergunta, pôxa, por que não vai acontecer uma democratização, uma mudança, isso tudo que eu estou falando, porque é tão necessário, parece até óbvio, né, que a Polícia tivesse como seu lucro, a prova. E a gente está se preocupando com a prova? Não está. Por quê? Por causa da disputa de poder dentro da Polícia Federal. 27 superintendências, quem chefiam? Delegados. A Diretoria da Polícia, são as 6 Diretorias, acho que são 7 diretorias, todos delegados. Nos estados, desde o vereador até o governador, todo o mundo quer conhecer o superintendente da Polícia Federal, que é um delegado. Estou falando em estrutura política. Nos estados verifica todos os delegados de polícia civil, eles são vereadores, deputados estaduais, deputados federais são seis, sendo um da Polícia Federal e cinco da Polícia Civil (obs. nosso: este é o levantamento do entrevistado, o nosso tem mais deputados egressos da PF). Senador tem um. Então, se você quiser mexer em alguma coisa nisso aí, você não consegue, porque as pessoas que não estão vinculadas à área de segurança pública, pode ser até partido de oposição, se o cara não é da área de segurança pública, se ele entende disso, na hora do aperto que ele estiver passando, ou com um eleitor dele, ele liga para quem? Para um delegado para resolver. Porque administrativamente na polícia, manda lá, que ele resolve. Eu não acredito, assim, no mínimo que em 20 anos essa estrutura que está aí seja modificada.

BRUNO – Tu és a favor então de modificar a Lei Orgânica?

ROOSEVELT – Sim, eu sou a favor da nova proposta.

BRUNO – Incluindo a de cargo único?

ROOSEVELT – Esse cargo único já é constitucional, né, o cargo único já existe.

BRUNO – Na prática?

ROOSEVELT – Não, na verdade não existe carreira. Porque constitucionalmente a gente confunde carreira com cargo, cargo único. Eu sou a favor do cargo único. O que nós estamos precisando na Polícia, se a atividade fim dela é a prova, o que a gente precisa são de especialistas em prova.

BRUNO – Agora isso teria que, pelo que eu conversei lá no sul, isso teria consequências para a polícia civil também, correto? Tipo efeito em cascata.

ROOSEVELT – Porque o que acontece é o seguinte, olha o meu raciocínio: a nossa atividade fim é produzir prova. Você concorda comigo? Parece óbvio. Então qual é o profissional que a polícia precisa? Especialistas em prova. E aí você vê aqueles que dizem assim: pôxa, mas o que é um especialista em provas? Vai ser fazer prova para a gente? Se você for pensar em quem comete um crime, quais são as provas dos crimes? As provas dos crimes são só de lei? Não. A prova do crime é uma coisa prática, porque quem comete o crime, cometeu o crime fazendo algum tipo de ação criminosa que envolveu não exclusivamente a ciência do direito. Superfaturamento de obra, quem cometeu o crime? Foi um engenheiro lá da obra, entendeu? O que a polícia precisa? O que a polícia precisa ter é de um perito engenheiro para detectar aquilo ali e não um bacharel de direito. Adulteração de remédios: quem é que vai encontrar provas de adulteração de remédios? Tu precisa é de um profissional especialista em farmácia.

BRUNO – Dava para dizer que hoje, por causa da Constituição até, a PF está sobrecarregada de tarefas e subdimensionada de pessoal. Também em função de que uma parte do pessoal, uma parte muito alta, está envolvida com coisas que estão fora da atividade-fim?

ROOSEVELT – Exato. Quem está fora da atividade-fim da Polícia, para mim, são os delegados. Eles não estão mais nas atividades-fim na Polícia. Polícia judiciária não é você ficar sentado num banco anotando Inquérito, não é isso. Para mim, precisamos de bacharéis de direito, sim, óbvio, a Polícia precisa, mas não na quantidade que tem hoje. Só para você ter uma idéia, o número de delegados dentro da Polícia Federal é três vezes maior que o número de peritos. Você entendeu? Para cada laudo precisa de dois peritos. Porque o Código de Processo exige dois peritos. Então se você fizer uma foto dentro de um Inquérito Policial; num inquérito policial, digamos que no mínimo deu dois tipos de provas que precisam de laudo. Porque a perícia não serve só para interpretar aquela prova, mas para materializá-la também, para perpetuá-la durante os laudos. Para o juiz saber “Ah, esse aqui foi o carro em que colidiu” entendeu, isso aí a gente tem que perpetuar precisa daquele tipo de laudo. Então, normalmente um Inquérito Policial tem, no mínimo, dois laudos. Um Inquérito normalmente é presidido por um delegado. Os dois laudos, se você fizer, precisam de dois peritos. Então, se você for ver, se tiver na Polícia 50 mil Inquéritos pendentes, quantos laudos tinham que ser produzidos e quantos policiais precisam ser? A relação tinha que ser inversa, tinha que ter.

BRUNO – Tu diz, no mínimo dois peritos para cada IPL seria no mínimo?

ROOSEVELT – No mínimo, meu amigo. Em tese, se não tem laudo vai me desculpar, esse Inquérito aí com certeza não vai ser feito nem a denúncia. Você concorda? Porque é o seguinte, pra você fazer a denúncia, são três requisitos que o Ministério Público precisa. Porque o Ministério Público manda a denúncia e o juiz aceita a denúncia. O juiz pode não aceitar. Um é infração penal, se não tiver aquela infração penal prevista, o juiz não aceita. Se não for crime, o juiz nem aceita. Outro é a autoria. Se eu não identificar uma pessoa que fez aquele crime, ou seu co-autor, o juiz também não aceita. Pode ser infração penal, mas não identificando o autor, o juiz não aceita. E outro é a materialidade. Tem que ter, eu chego e falo: “Eu cometi homicídio”. Mas o corpo não aparece, o juiz também não aceita. Então, para que seja aceita a denúncia, tem que ter esses três requisitos. Se não tem o laudo, a materialidade disso aí já não existe, você entendeu? Porque é através do laudo que você perpetua a materialidade. A arma de fogo que disparou, o corpo, e no laudo muitas vezes você consegue identificar a autoria. Porque você tem um corpo, um exemplo do cotidiano, você tem um corpo, retirou o projétil, você encontrou, ninguém viu o crime, mas suspeitava que o fulano de tal cometeu o crime. Aí você vai na casa do fulano de tal, pega a arma dele, faz um disparo com o projétil que tem lá, bate que é o mesmo projétil que estava no corpo da vítima. Ou seja, quem identificou a autoria? Foi o laudo. Porque ele vai dizer: a arma de fogo é desse cara e saiu daquela arma de fogo. Então quer dizer, isso aqui é prova, se não tiver isso aqui, o juiz não aceita a denúncia. Então, Inquérito que não tenha laudo, esquece, não serve para nada. E aí só por isso é que eu estou falando assim, só para você ter uma idéia, a quantidade, só que é a teoria da força militar, né, tem que ter uma quantidade grande para manter o status quo que tiver aí.

BRUNO – Tu disseste que começou como servidor em 96 né? Pegou a gestão do Vicente Cherlotti não foi?

ROOSEVELT – Sim.

BRUNO – Dessa época, tu achas que houve superexposição da PF, houve muita ingerência política no trabalho, projeção pessoal do poder dele. Eu só estou falando como observador, leigo em muitos aspectos, pelo que eu leio através da mídia. Queria uma opinião de quem vivenciou dentro do órgão este momento.

ROOSEVELT – Eu vou dizer pra você. De todos os diretores, eu to há 7 anos dentro do Departamento, o que eu acho que teve maior destaque para a Polícia foi o Chelotti. Para a Polícia, de modo geral, eu achei que assim, ao Cherlotti, ao final, quando a pessoa está há muito tempo no poder, a pessoa precisa efetivamente sair. Tem que existir essa oxigenação, é bom tanto para a pessoa quanto para o órgão essa substituição, mas eu acredito que ele tenha sido o melhor nesse tempo todo em que a gente esteve aqui. E isso foi bom porque ele realmente levou uma boa projeção ao Departamento. Por mais que ele tenha ficado conhecido, ele deu uma projeção ao Departamento muito boa, melhor que a projeção que o Tuma deu, porque o Tuma deu uma projeção para ele.

BRUNO – Essa projeção que tu disse que o Departamento deu, acabou esbarrando na atividade-fim e aí por conseqüência, na ABIN?

ROOSEVELT – O que acontece é o seguinte: se confunde muito as atribuições. Na utilização, vamos dizer assim, de uma agência de inteligência da Presidência da República, porque a ABIN é da Presidência, então elá serve pra quê? Pra obter informações políticas de todo mundo, né, de tudo. Existe a prerrogativa lá da DEOPS, Ordem Política e Social da Polícia Federal, para tratar, um exemplo, o pessoal procura ver a questão do MST, movimentos sociais, esse tipo de coisa. E a ABIN, a ABIN também está lá infiltrada, trabalhando. Eu não vejo ressalva no trabalho da ABIN, com toda a sinceridade. Talvez seja um dos poucos que não tem preocupação com o trabalho da ABIN. Porque a ABIN, ela é muito necessária, porque tem certas situações que, por causa da nossa quantidade de atribuição da Polícia, que faz um trabalho de polícia judiciária para apurar o crime; porque o que a ABIN precisa é da inteligência, tipo aquele avião francês que apareceu em Manaus. É típica atribuição da ABIN de detectar aquilo ali. Então é por isso que a ABIN é tão próxima dos militares, porque o serviço de inteligência dos militares é muito bom. Então eu não vejo esse tipo de preocupação com a ABIN, não. A ABIN é necessária, ela em determinados momentos ela é muito parceira nessa troca de informações com a Polícia Federal em muitos estados. Porque tem certas coisas que você pode conversar, porque como eles estão espalhados por aí você não consegue detectar, “você é da ABIN, você não é”. Eu acho que a Polícia não tem preocupação nenhuma com choque de atribuições. O que eu sou contra é o que tem na SENAD. A SENAD, ela não poderia estar nas mãos dos militares, a SENAD tinha que estar no Ministério da Justiça fazendo programas de prevenção de drogas junto com a Polícia Federal. A Polícia faz a repressão e a SENAD faz a prevenção. Mas vinculadas a quem? Ao mesmo Ministério, não tem como ser diferente. O ministério X faz uma política, o ministério Y faz outra política. Mas o que todo mundo quer? Quer combater a droga. Um de uma maneira, de repressão, e outro de uma maneira de prevenção. Ou seja, não tem como procurar atacar em todo mundo. Essa informação da prevenção você perde aqui na Polícia. Hoje a Polícia ela tem em cada regional um grupo que trabalha, que procura fazer isso, dá palestras em escolas para fazer esse tipo de prevenção, esclarecimento para a sociedade. Isso você perde, se a Polícia tivesse um mecanismo, uma política oficial de prevenção, era só encaminhar ao Ministério da Justiça a SENAD, que é onde você tem verba, que você pode colocar profissionais. Nós peritos na área, na Polícia, eu acho que dos peritos na ativa, uns 15% a 20% deve ser só da área de saúde. Médico, farmacêutico, químico, biólogo, veterinário, seja lá o que for, pessoas da área biomédica. Quer dizer, eles poderiam estar atuando na elaboração de projetos de prevenção. Poderiam participar porque o pessoal conhece cientificamente os efeitos da droga, o pessoal, muita gente que está ingressando no cargo de perito vem do meio acadêmico, do meio universitário, são pessoas muito boas para proferirem palestras. Então, quer dizer, e não é usado. Só para você ter uma idéia disso aí, só para complementar, o controle de produto químico é feito por bacharel de Direito. Aquele cara não sabe a diferença entre água com gás e água oxigenada. Como é que eu vou numa empresa realizar uma fiscalização do controle de produto químico se eu não for químico, se eu não for da área?! Mas por que não se faz isso? É tão óbvio, porque a Polícia não bota um perito, ou bota um agente ou alguém que entenda, que seja formado nessa área? Hoje, todos nós, a exigência para ingresso é de curso superior. É aquilo que te falei, é a estrutura de poder, ela não abre mão, ela não quer mudar, ela não abre mão. Então, quer dizer assim, pode ser pior para a sociedade ter um delegado lá? Pode. Mas para nós delegados é bom? É. Então deixa de lado a sociedade. A verdade é essa. A atual gestão está continuando o que se fez, tipo aquela questão do tráfico de drogas. Por que, é uma coisa tão óbvia, por que não tem laudo vinculando a mercadoria que foi presa, aquela maconha veio do Paraguai para o Espírito Santo. Prendeu lá 500 kgs. Ninguém pagou prá ninguém? Foi de graça que veio? Nos grampos telefônicos que o pessoal fez a investigação, pegou o traficante em nenhum momento o cara falou: “Olha, estou te mandando de presente 500 kgs. de maconha”. Você entendeu? Por que não faz isso? Parece tão óbvio, mas não faz. Mas por que não faz? Porque o efetivo nosso, há um ano atrás, o efetivo de peritos que trabalhavam na Polícia, não chegava a duzentos e quarenta, acredita?

BRUNO – Para todo o país?

ROOSEVELT – Para todo o país, para atender a todas as atribuições da Polícia Federal. Hoje, nós estamos chegando ao número de 420 mais ou menos, na ativa para atender a todas as atribuições conseguimos, brigando ainda, ampliar esse quadro para 450, mas o total de delegados vai chegar a quase dois mil delegados, a gente vai chegar, na ativa, a uns novecentos, vai diminuir um pouco a relação três para um.

BRUNO – Aí fica quase dois para um?

ROOSEVELT – É, aí vai ser dois e pouco para um.

BRUNO – Voltando ao tema da estrutura e da vinculação de lealdade com os militares. Dá pra afirmar que quando o Romeu Tuma assume no governo Sarney de transição, ele passa a dar continuidade? Ele entra em cargos de confiança, primeiro superintendente e depois D-G, por ter sido do DOPS de São Paulo, por seguir sendo uma pessoa de confiança dos militares?

ROOSEVELT – Não, lógico, com esse aí não tem mudança nenhuma. E o Paulo Lacerda representa isso, porque o Paulo Lacerda representa o Romeu Tuma. Então quer dizer, não existe perspectiva de mudança tão cedo. Através de muita briga e luta, infelizmente a gente esperava que ocorresse modificações com o atual governo, mas na Polícia Federal não está ocorrendo.

BRUNO – Eh algo meio curioso. Quando eu peguei o material do Congresso Nacional dos Policiais Federais (CONAPEF) estava lá o Luiz Eduardo Soares, que foi o subsecretário de segurança do Rio de Janeiro e agora está na SENASP, Ministério da Justiça. Acima dele está o ministro, e abaixo está o Paulo Lacerda. Dá para falar que na função de uma pessoa em tese mais esclarecida ou mais moderna seria quase inconstrutiva? Se a estrutura de poder da PF está inalterada, qual seria então a função dele aí?

ROOSEVELT – Não, aí, eu vou te dizer assim. A SENASP, ela pode, o secretário, como um Secretário de Estado, ele está acima do Diretor-Geral do Departamento. Mas ele, o Diretor-Geral não está subordinado a SENASP. Aí eu poderia defender o Luiz Eduardo Soares por um motivo: o trabalho dele, lá na SENASP, ele está efetivamente buscando implantar o plano do governo, o Plano Nacional de Segurança Pública efetivamente. E a gente tem acompanhado lá, esse é um dilema que a gente vive aqui na própria perícia. Por quê? Por que a pessoa que mais defende a perícia, pela primeira vez na história, o único plano de governo de segurança pública que falou da importância da perícia foi esse do PT. Nenhum outro destacou. E aí você vai conversar com o Soares, ele tem conhecimento de causa para defender a perícia e lá dentro da SENASP, na elaboração de todos esses sistemas únicos de segurança pública que cada estado oferece porque está destinada verba para investir na segurança pública dele, tem um espaço lá. Se eles não investirem na perícia, eles não recebem recurso. Então, cada estado está fazendo isso e a perspectiva que eu te digo para os estados, e eu estou falando isso porque a gente está ali dentro participando, auxiliando, contribuindo para que a SENASP dê certo e há disposição pessoal em elaborar projetos para cada estado, em todos os níveis. Então, só para você ter uma idéia, ao final desses 4 anos de mandato, já tem a previsão no plano plurianual para investimento na área de segurança pública de investir e criar laboratórios de DNA em todos os estados. Eles estão planejando isso, lógico que nem todos vão estar no mesmo nível, vai ter básico, intermediário, avançado, os avançados vão ser institutos-escola. Agora falando isso, lembrei da Polícia Federal. Nada disso que a gente está presenciando na SENASP está acontecendo na Polícia Federal. Aí há essa dicotomia.

BRUNO – A reação interna dos dirigentes do órgão qual é?

ROOSEVELT – Não, não está nem aí. Ele não está preocupado, tanto é que o decreto 4.720, que é decreto-presidencial, ele regulamenta.

BRUNO – De quando é?

ROOSEVELT – De 2003. Ele regulamentou o Poder Executivo, certo, toda a sua estrutura, dizendo quantos cargos de chefia, quantos D.A.S., quantos e aí a perícia é um eixo temático no Plano Nacional de Segurança Pública. São 6 eixos temáticos, a perícia é um. E aí nós pensávamos que nós iríamos essa mesma importância dentro da Polícia Federal. Que nesse momento, nesse governo nós seríamos prioridade para a Polícia Federal, na Polícia Federal. E aí a gente viu o contrário. Esse decreto, ele rebaixou as chefias das perícias. Porque existe em cada Superintendência um substituto-superintendente que é chamado de DRT. O DRT, a chefia dele é paralela ao chefe da perícia regional. Então, se eu sou chefe da perícia regional, o meu cargo e minha gratificação, ela é paralela a gratificação do chefe da delegacia. Qquer dizer, que aqui estão os delegados e aqui os peritos, numa hierarquia paralela, certo? O pessoal é subordinado ao superintendente que pode ser qualquer um, no momento são delegados.

BRUNO – Pode ser qualquer um?

ROOSEVELT – Em tese pode ser qualquer um. Tanto é que em vários estados aí são militares, né. Então, não é um cargo privativo de delegado. E aí o que acontece… o que ele fez, o Paulo Lacerda? Ele pegou a chefia do DRT, colocou aqui para cima, um D.A. S. 1, né, uma gratificação superior, e pegou essa chefia da perícia e colocou aqui em baixo. Deu uma gratificação menor. Qual o objetivo disso? Lá na SENASP na lei de segurança pública, um eixo temático na segurança pública, um investimento na perícia maciço, vários planejamentos, vários planos por ano e dentro da Polícia Federal se faz isso.

BRUNO – Uma pergunta de fundo. Qual a justificativa. O que tu pensa ser a justificativa?

ROOSEVELT – Só existe uma justificativa. É aquilo que eu falei desde o início. A gente está começando a divulgar isso. A Federação (FENAPEF) tem sido muito boa, DE que a atividade-fim da polícia é produzir prova. E produzir prova é o quê? É investigar e fazer perícia, interpretar a prova, você entendeu? A investigação e a interpretação da prova está se tornando tão importante, tão grande, que está jogando para baixo o Inquérito. E quanto menor o poder que eu der para os peritos, porque o nosso salário é o mesmo do delegado, não somos subordinados a ele, ninguém interfere num laudo que eu escrevo, não. E nisso nosso comportamento é bem firme. Então, se falar que existe interferência hoje, não tem, porque a gente não tem conhecimento disso. Se eu tivesse, eu diria para você que a primeira coisa é brigar com o perito que estiver aceitado qualquer coisa. Então, por que ele quer isso? Na verdade é diminuir o prestígio, aumentar a nossa distância nossa do Ministério Público, aumentar a nossa distância do Judiciário; porque o que está acontecendo é exatamente o contrário. O Ministério Público cada vez mais está se aproximando da gente, o Judiciário cada vez mais está se aproximando da gente. Por quê? Porque quando chega num momento lá, antes da denúncia, ele olha, e “pô, esse inquérito não tem provas, não tem laudo”. O pessoal relata, entendeu, só depoimento, aí o Ministério Público manda de volta para fazer a perícia. E o que acontece? Ele, o promotor, aí o cara pela formação jurídica dele, que às vezes ele não tem o conhecimento sobre engenharia, como por exemplo, num Inquérito de uma obra super-faturada, para fazer uma pergunta sobre uma obra, aí eles pegam e entram em contato conosco. Aí a gente liga para eles e diz “olha, a obra, dentro desses quesitos aqui, eu vou detectar isso, isso e isso”, porque na verdade o Ministério Público tem sido muito mais acessível, o Ministério Público tem sido muito mais curioso.

BRUNO – Agora, na prática, isso está acontecendo a revelia da hierarquia funcional, correto?

ROOSEVELT – É, aí o que está acontecendo? Não tem essa hierarquia, porque isso aí é processual. Quer dizer, a Justiça está precisando que o perito esclareça os fatos, direto com ela. Independe do superior superintendente. Mas aí o que ele faz? Ele joga a gente para baixo, e diz não, a partir de agora vocês só entram em comunicação com o Ministério Público com autorização nossa. Porque? Porque daqui há pouco, é aquilo que eu falei, se o Ministério Público começa também a ter legitimidade de investigar desde o início, ele vai querer o quê? Ele vai querer o trabalho do agente, e ele vai querer o trabalho do perito. Ele vai precisar do trabalho do delegado para quê? Por que, o que é um relatório, eu não sei se tu já viu um relatório de Inquérito. O que um relatório de Inquérito faz? Num relatório de Inquérito eles tentam fazer até hoje, vamos chamar entre aspas, um “enquadramento”, eles tentam colocar a pessoa naquele Artigo. O que vale aquilo ali? Nada. O Inquérito é uma peça informativa. Então se não vale nada, então porque ocorre indiciamento? Não sei. Totalmente ultrapassado o indiciamento, somos contra o indiciamento. Não precisa.

BRUNO – Por quê?

ROOSEVELT – Porque a pessoa está sob suspeita de um crime, e não indiciada. O que é mais importante é a questão da denúncia, a pessoa foi denunciada. Porque o que acontece? A pessoa é indiciada, aí quando o Ministério Público analisa os fatos, aí eles chegam e “isso aqui não precisa desse indiciamento”. Mas aí a vida da pessoa já acabou, entendeu, se ela foi indiciada pela Polícia Federal, acabou a vida da pessoa, acabou. E aí ele vai colocar a pessoa para ser tipificada naquele tipo de crime. Não serve pra nada aquilo ali. O Inquérito ou o relatório diz assim: “conforme o depoimento do Fulano de Tal, pá pá pá pá, conforme o que o perito diz nas folhas tais tais tais abre aspas pá pá pá pá pá pá… conforme o relatório de investigação do agente que informou pá pá pá pá pá”, o relatório é isso. Serve para alguma coisa? Para informar, é o resumo do que aconteceu. E aí eu te digo, eu preciso de alguém para fazer isso? É isso o que a sociedade precisa? O cargo é imprescindível? É totalmente prescindível. Por quê? Porque você tem uma peça informativa que só está te dando o fato, a tipificação penal que ele faz não vale de nada. O indiciamento que se faz só serve para acabar com a vida da pessoa que foi indiciada. O que ele faz, é o resumo do laudo, da informação do agente, do que a pessoa falou, que vai ser feito novamente, a única peça que não se faz novamente é o laudo. O laudo pode ser até contestado.

BRUNO – Ser feito outro laudo, no caso?

ROOSEVELT – Não, ele pode ser contestado pela parte, porque a pessoa só vai ter um contraditório na ação penal. Porque a pessoa não vai produzir prova contra ela, ela quer se defender. Então, na ação penal, quando chega na ação penal com o laudo, o perito, aí a parte que está sendo denunciada vai e contrata perito da parte dela e aí faz a contra-prova. Diz: ‘isso aqui não aconteceu desse jeito.” Pode contestar e pode acrescentar mais informações. A pessoa vai dizer pra se defender. A denúncia diz: “-Você lavou dinheiro e mandou R$ 1milhão pra fora. A perícia e o laudo está dizendo isso. Tem um milhão lá fora, no exterior, na conta tal tal tal.”Aí a pessoa vai chegar lá e dizer “- Não”, isto se o Inquérito for mal feito, “eu tenho isso aí porque eu ganhei na loteria lá fora.” Porque você não tem esse contraditório na investigação. Se a investigação não encontrou isso, você não está nem aí, por isso os figurões fazem uso do Inquérito.

BRUNO – Dá para falar de último caso que para garantir a impunidade de quem tem maior poder econômico, é bom pra ela o Inquérito?

ROOSEVELT – Com certeza.

BRUNO – Garante a impunidade?

ROOSEVELT – Hoje o Inquérito serve para a manutenção desta impunidade que existe nesse país.

BRUNO – Um tema de ordem técnica e jurídica mas que tem relação com a impunidade. O Departamento tem autonomia para, por exemplo, fazer infiltração numa empresa, como faz numa quadrilha?

ROOSEVELT – Há um projeto 3731 que está na Câmara dos Deputados que vai autorizar a realização de infiltração, sob autorização judicial e acompanhado pelo Ministério Público. Está em tramitação no Senado este projeto.

BRUNO – Por outro lado, ocorre algum pavor de lembrança do SNI, que infiltrava e tinha capilaridade em toda a sociedade, e que exercia esta prerrogativa?

ROOSEVELT – Não, na verdade este instrumento é necessário. Por exemplo, até o projeto que está lá fala sobre organizações criminosas, que é onde se faz a investigação com infiltração.

BRUNO – Não há previsão de infiltração de agente?

ROOSEVELT – Oficialmente não existe isso. Legalmente hoje não existe previsão legal para isto.

BRUNO – Não para pessoa jurídica?

ROOSEVELT – Exato. Pessoa jurídica e outro grupo qualquer. Hoje eu não estou lembrando que tenha legislação para isso. Tanto que esse 3731, isso aí você pode checar mas a informação que eu tenho informação é que o projeto 3731 que ele está no Senado, é que vai ter esta autorização de infiltrar e de negociar a pena. Então, você é um criminoso e aí para eu negociar a pena contigo você me dá informação sobre a quadrilha, sobre a organização criminosa.

BRUNO – Como aconteceu na Itália por exemplo. Primeiro contra as Brigadas Vermelhas e Prima Línea, e depois nas operações Anti-Máfia, chamada de Mãos Limpas, correto?

ROOSEVELT – Exato. Isso vai avançar bastante com a aprovação desse projeto. A única coisa que modificou é que o Ministério Público ele ia começar a investigação e aí tiraram isso. O lobby dos delegados, tem uma força política muito grande, e aí não permitiram que isto ocorresse.

BRUNO – E o Ministério Público vai ter de requerer investigação para o Departamento?

ROOSEVELT – Exatamente, para continuar na investigação.

BRUNO – A pergunta que eu lhe faço é a seguinte: se não há base legal, então na prática há uma antecipação do Departamento. O Departamento não consegue se antecipar a uma previsão de suspeita. Só para lhe dar um exemplo: eu não sou de Brasília, eu estou aqui pela segunda vez. Eu confesso assim, que tenho um lado moralista de formação e tomei um susto: eu olhei para tudo quanto é lado e vi só grupo OK, e Paulo Otávio. Ainda que supondo que não tem nada judicialmente contra eles, mesmo com a metade de Brasília sabendo, o que todo o mundo sabe, toda a mídia sabe, mas estão ali e a vida continua.

ROOSEVELT – Estes casos e tantos outros, porque a nossa preocupação é exatamente com a prova. Se você não conseguir prova, não houve nada. Às vezes se produz o fato jornalístico, mas ele não está fundamentando, ele não tem, se você for analisar mesmo o que ocorreu ele não tem força, não tem estrutura, não tem base, não tem nada aquilo ali. Então, acontece de chegar pedidos de perícia para a gente e você pegar e analisar, e ver que não tem nada, porque desde o início a prova foi mal coletada.

BRUNO –Por exemplo,com essa lei aprovada que tu está falando, impediria, por exemplo, que a Scuderie Le Cocq se desenvolvesse tanto ao longo de 25 anos só no Espírito Santo, correto. Se tivesse sido identificada e infiltrada antes, não estaria tão imbricada no alto escalão do estado e da sociedade capixaba. Agora depois de 25 anos a organização criminosa já criou raízes, correto?

ROOSEVELT – Aí isso vai ter que ser muito bem feito, porque, até o Programa de Proteção a Testemunhas, tudo está muito cru, está começando agora isso aí. Então, isso aí vai ser importante. Você vai verificar, por exemplo, o Banco X, você vai fazer uma perícia, e aí você começa olhar assim e você vê “pôxa, quanta operação que os caras fizeram” e você analisa aquelas operações financeiras, de mercado de capitais, e outras. Aí você como perito identifica que a pessoa foi contratada apenas para cometer o crime, apenas para cometer o crime. Aquele gerente que saiu na capa da revista Isto É, na capa da revista Exame, como o grande empresário do mundo, grande banqueiro do ano, grande não sei o que lá. Lógico que tem muitos profissionais, não vamos generalizar. Mas você verifica que aquele cara não era o gerente no sentido strictu senso do banco, não era aquele céu. Aquele cara que tem aquela visão empresarial, que acerta no investimento, e consegue uma grande rentabilidade para a empresa, você não vê aquela personalidade empresarial magnífica, não vê o lucro que deu para a empresa, você não vê. Você consegue constatar que a única percepção dele é abrir as brechas da lei e cometer o crime. Só que para você identificar e provar isso é muito difícil, não é um trabalho fácil. E eu falo isso como perito, que não é um trabalho fácil. Você vai ter que ir atrás de informação não só documental. Para você provar vai ter que estar ali no documento mas para você saber a operação você tem que ter a informação. Então, se o Banco Central detectar que o mercado, um banco ou aquela empresa seja lá o que for, está começando a ter algum tipo de operação, avisa a Polícia. Um banco, ou um plano de saúde ou seja lá o que for. Aí você vai ter legitimidade para você colocar um profissional lá dentro para que ele consiga obter o máximo de informações, porque se é uma organização criminosa, o crime é cometido por especialistas. A organização criminosa é diferente da quadrilha de um bando, “ah, vamos roubar galinha.” A organização criminosa é diferente, ela ta num estágio superior. Esses crimes são cometidos por profissionais das mais diversas áreas que pensam no crime, existe uma hierarquia existe tudo isso. E para você desvendar todo esse trabalho da hierarquia de uma organização, das atividades, da rotina de trabalho, das pessoas, você tem que estar ali dentro. E você vai ter que negociar o que? Negociar a pena de um membro daquela organização para que se possa qualificar a informação, conseguir a prova e fazer o laudo de maneira correta. Você consegue identificar todos os passos da operação financeira fraudulenta, você consegue identificar, por exemplo, lavagem de dinheiro. Quem faz lavagem de dinheiro, quem faz isso, ninguém é besta, quem faz isso já é especialista em mandar dinheiro para o exterior. Então o cara manda, ai da conta do João da Silva, já vai para um bode nos Estados Unidos, passa por um monte de bode, e vai para outra empresa e pá pá pá pá. A lavagem é feita por etapas, e quando sai daqui muda tudo lá fora. E ainda digo mais: aí a pessoa começa a abrir empresas, procurações e empresas, empresa que quebra, que quebra e que você não vê sócio de ninguém, e a empresa que quebra não era sócia de outra e que passa para outra empresa e o circuito gira. Aí você vê um laranja lá fora e o cara passa uma procuração para que quem movimente seja você. Então, o trabalho é feito por gente especializada, então se a Polícia não tiver especialista em prova, pessoas com qualificação suficiente para isto, não vai chegar a lugar nenhum.

BRUNO – E nesse caso, o cargo único e o concurso direcionado, viria a solucionar?

ROOSEVELT – Vou te dizer o seguinte. É por isso que a gente defende a Lei Orgânica, o cargo único, porque ela vai estar trazendo uma transformação que hoje, o grande pontapé inicial desse jogo de mudanças foi a emenda do Superior para todos os policiais. Isto aí foi excelente, foi uma conquista, mas isso aí foi só o início de um jogo. Durante o jogo você precisa ter um padrão de jogo mas também poder mudar o comportamento da equipe perante as adversidades, você pode substituir uma pessoa ou outra. Então, começou o campeonato, só que ainda não terminou, então para ganhar, você tem que fazer outras mudanças.

BRUNO – A conquista definitiva do nível superior é de 1996, é a emenda do Superior, correto?

ROOSEVELT – A lei é 9266 de 1996.

BRUNO – Girando a entrevista, vou tocar num assunto interno. Uma coisa que me espantou é o grau de mobilização e organização interna da PF, associativismo no caso: associações por setor, sindicalizados, etc. Geralmente, no bê-a-bá da Ciência Política a gente aprende que quando tem muito associativismo é porque nesses casos tem muita defesa de interesses corporativos em jogo. Hoje o que a imprensa fala que o Departamento seria mais ou menos preso a corporações internas e que para determinadas questões sequer se obedecem as hierarquias. Isso se dá?

ROOSEVELT – PAREI A verdade é a seguinte: uma entidade de classes, é claro, ela tem que defender os interesses daquilo que ela representa. Então, quer dizer, o que o Departamento, exatamente por causa da iniciativa de sempre defender interesses próprios dos delegados, foi que cada um passou a querer defender o seu lado. Então, uma das lutas que a gente gostaria de ver na transformação do cargo é, se tiver possibilidade de transformar para um único cargo, um dos interesse de que todos que participam dessa Lei Orgânica é: vamos acabar com essa defesa de classe que existe. Porque todo o mundo está defendendo os seus interesses, ninguém está defendendo o Departamento de Polícia Federal . E aí a gente percebe, por exemplo, o atual Diretor era conselheiro da Associação de Delegados e sempre foi aquela pessoa que sempre defendeu apenas o delegado.

BRUNO – Eu perguntei isso ao dr. Bolívar e ele declarou que não, mas a ADPF não seria uma associação chave pros delegados hoje?

ROOSEVELT – Com certeza. E ela tem acesso ao Diretor-Geral sem marcar horário. O Diretor-Geral recebe a ADPF quando ele quer, direto. “- Olha, estou querendo falar com você, então vai lá.” Agora eu não, eu marco audiência e o cara cancela, vai marcar audiência para a a Associação dos Peritos, não é assim não. A Associação dos Delegados marca quando quer, com a gente não é assim não..

BRUNO – Dentro dessa superatribuição, nessa disputa interna o que a mídia revelou, que não sei se procede e se o senhor pode responder, é que haveriam setores inteiros financiados pelos Estados Unidos?

ROOSEVELT – Isso eu não sei, isso eu não tenho acesso. Normalmente isso aí, quem tem mais informação é o pessoal que trabalha na área de entorpecentes, porque os acordos internacionais de combate ao uso de drogas e de prevenção de drogas, é que às vezes tem esse acordo. Agora, eu realmente não sei.

BRUNO – Tenho uma pergunta, que á baseada numa hipótese e queria ver se ela na sua opinião procede. A proposta de vocês da Lei Orgânica, ela gera uma contradição dentro do órgão nesse processo. O pessoal que vem de uma tradição civil, de curso superior e de origem universitária, hoje estariam mais vinculados a atividade-fim da Polícia do que os próprios policiais na ativa pelo regime anterior. Teria sentido isso para vocês?

ROOSEVELT – Não, porque existe um outro motivo. E por que a gente defende essa Lei Orgânica e o cargo único? Porque todo o mundo está esquecendo que a atividade policial ela é uma especialidade, você entendeu? E a gente precisa da experiência da pessoa. Então, essa é uma contradição e eu digo assim porque nem todos os peritos são a favor do cargo único.

BRUNO – A entidade é a favor?

ROOSEVELT – A entidade está sendo a favor, ela é a favor. Na Lei Orgânica nós votamos a favor, estamos sendo a favor do cargo único. Por quê? Porque a gente percebeu que precisava a Polícia mudar. E aí eu vou te dizer: o que a Polícia precisa? A Polícia precisa de um doutor em que área? Um doutor especializado na área de medicina legal. A gente precisa de um doutor especializado na nossa atividade-fim, nas provas das quais a gente fala, na área criminal, não doutor em qualquer outra área. Mas a gente precisa aprender a vincular a experiência policial. A experiência policial, ela é muito importante. E por isso que, através do cargo único, a gente irá mesclar as duas coisas. Entra assim, o seguinte: precisamos em especialistas em prova. Então, a Polícia Federal não vai abrir concurso para qualquer formação superior. Porque vai ser um único cargo, então não ter escrivão, papi e agente. Vai ter o que? Cargo de policial federal. Aí precisamos de 50 policiais federais na área de informática. Vai abrir concurso para essa especialidade. Precisamos de policiais na área de farmácia, de química e biologia. Então abre a vaga para estes, o concurso vai ser específico para quem é formado naquela área, com curso superior, porque na hora que entrar aqui dentro o cara vai trabalhar para investigar provas naquela formação profissional dele. Não adianta negar a necessidade da exigência especializada para policial federal. Crime da máfia chinesa: você grampeia o telefone do chinês, se não sabe chinês, o que adianta, você contratar alguém que possa traduzir? Se você for ver o FBI faz isso.

BRUNO – É o recrutamento étnico e com domínio de idioma, correto?

ROOSEVELT – Correto. Na tríplice fronteira, cheio de árabe, você vai fazer o que? Vai contratar um intérprete, alguém para traduzir? Não, você precisa de policial federal que tenha aquela formação de línguas, especializado naquilo ali. E hoje a Polícia Federal não tem. O que existe são abnegados que fazem curso por conta própria, porque gostam e tem interesse, e que estudam aquilo ali. Agora, o que a Polícia precisa é exatamente isso, de focalizar a formação profissional naquilo ali. E ao longo da carreira a pessoa vai se especializando, quer dizer, se ela ficar na área processual, por isso que eu digo, bacharel em direito é muito importante dentro da Polícia, ele vai exercendo um cargo de delegado da mesma forma e o bacharel especializado em outras áreas, especializado em informática, em química, vai exercer atividade de perícia. Vai existir a classe de perito. E ao final, para o cara chegar a Superintendente, a Diretor, ele vai ter que ter um grau de especialização profissional em gestão pública, em administração pública, coisa que não tem, né. Porque o que a gente está querendo transformar é toda a Polícia, para que a pessoa chegue ao cargo de Diretor-Geral, ela antes tenha no mínimo mestrado em gestão pública, que ela faça no mínimo mestrado, porque um Diretor-Geral não é um delegado, é um administrador. E ele precisa ter um conhecimento policial, mas na verdade é um cargo de administração.

BRUNO – Vocês tão propondo uma equivalência com, aproximadamente, os cursos que existem nas Forças Armadas, como pré-requisito para a promoção a conclusão de cruso específico, como por exemplo, o de Estado-Maior?

ROOSEVELT – Exatamente, e aí você procura mesclar esse conhecimento científico do cara que veio para cá com a experiência policial. Essa é a nossa dificuldade, para o caso da perícia, porque para a perícia precisa de um intérprete para a prova. Mesmo que o cara seja perito, ele vai demorar 10, 14 anos para chegar no cargo de perito e fazer laudo, aí ele vai perder a ciência tecnologia, que vai mudando rapidamente, se eu não tiver um cara que esteja sempre oxigenando a perícia eu vou estar defasado. Mas é porque todo o mundo pensa que o modelo de investigação vai ser igual o que está aí hoje e não pode. Se implantar o cargo único e a estrutura organizacional da Polícia permanecer do jeito que está, o modelo de investigação da forma que está, ele não vai dar certo.

BRUNO – Quando vocês chegaram à proposta do cargo único, qual foi a reação da mídia, alguém cobriu, teve reação direta?

ROOSEVELT – Não, por enquanto ninguém deu muita bola, não. Não houve destaque por parte da mídia, nem de mídia especializada. Só em CONAPEF, eu já participei de CONAPEF que a gente teve tal, vinha a mídia naquele momento. O que a gente sabe é que o Ministério da Justiça está esperando, é que o ministro já falou várias vezes: quer transformar a polícia num FBI. E o FBI, vai lá ver qual é o perfil do policial lá, como é a estrutura de investigação, tem que mudar tudo, entendeu? A carreira, ela não é preparada para atuar num dos maiores serviços que estão sendo feitos hoje. E só voltando a uma coisa que eu esqueci e que tem que complementar, quando teve o decreto que o Paulo Lacerda desvalorizou, desprestigiou a perícia, a gente não entendeu pelo seguinte. Ele fez a política, aquela antiga, que qualquer um faz. Que é o que? Criar delegacias. Exemplo, “- Vamos combater o crime do meio ambiente.”. Vamos criar delegacia do meio ambiente.

BRUNO – Aumentou o contingente?

ROOSEVELT – Não, vai aumentar o contingente. A lei 10.682 deste ano aumentou a quantidade de vagas para a Polícia Federal. Mas aí ele pega e fala assim: “Vamos combater os crimes contra o meio ambiente…”, aí cria a Delegacia do Meio Ambiente. “Ah, está havendo muito crime contra o turista”, vamos criar a Delegacia do Turismo. “Ah, está acontecendo muito crime organizado.”, vamos criar a Delegacia do Crime Organizado. Mas eles esquecem que, é preciso especializar o combate ao crime? É evidente que precisa. Só que não pelo método esse. Isso que ta aí virou o que? Virou mero distribuidor de protocolo de crime. Porque efetivamente a especialização não tem esse espelhamento na perícia. Você quer criar uma Diretoria de Crime Organizado então você tem que fazer esse espelho para a perícia, ou seja, colocar peritos ali. Efetivamente criar a área da perícia, para trabalhar nos crimes organizados. Porque a prova é especializada. Você quer combater crime do meio ambiente, você precisa de peritos aí, criar essa estrutura na área de crimes ambientais. Mas porque ele não faz isso? Porque todo mundo vai ver que não é a delegacia, é a perícia, é a prova que ta ali. Aí criou Delegacia de Combate a Crimes do Meio Ambiente. Que que o delegado sabe sobre dano ambiental? É o engenheiro agrônomo, engenheiro florestal, engenheiro ambiental.

BRUNO – Até para fazer o EIA/RIMA (obs. nosso: Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), correto?

ROOSEVELT – Correto. O pessoal vai estar trabalhando, e tem pessoal que trabalha na área de meio ambiente na PF. To dando um exemplo só. Quer ver, na área de crimes de informática: Delegacia de Crimes Cibernéticos. Precisa disso? Com toda a sinceridade? Não. O que precisa é de um grupo que trabalhe com provas de crimes cibernéticos, mas não há esse espelhamento, não existe. Enquanto a gente não tiver gestores em todas as polícias, não só na Polícia Federal, com essa visão macro do que seja combater o crime, nós não vamos a lugar nenhum. Só pra você ter uma idéia, eu defendo o cargo único e uma mudança radical na Polícia porque eu acho que a Polícia precisa mudar todo o seu conceito. Quando eu falo que é produtora de prova e não outra coisa é porque, eu vou te mostrar aqui: um único artigo do processo penal que você vai entender porque a Polícia precisa mudar. Na revista nossa de número 13, tem um artigo meu, “Prova, Polícia Perícia”. Ele, o policial, o perito, sabe que tem que ter provas suficientes para a condenação. Não existem provas suficientes para a condenação. Se não existem provas suficientes para a condenação, está absolvido. O que que são provas suficientes? É uma coisa tão abrangente, que o juiz diz: “- ah, só tem uma prova, só tem duas, então não é suficiente, está absolvido.” Então, o mínimo que se requer da polícia é que ela produza provas. Não tem como desvincular a prova da perícia, porque se eu disser que você cometeu um crime você entra com uma ação de dano moral, dizendo não, não cometi. Cadê sua prova de que eu cometi o crime? Quando se fala hoje em dia em prova, é prova pericial. A prova testemunhal ela pode auxiliar e ajudar na investigação. Agora efetiva, o que todo mundo quer é a materialidade, certo? E no Código de Processo Penal está bem claro isso. Então você abre a página da Associação, a nossa página e ta lá “A Perícia prova.”

BRUNO – Roosevelt, esta pergunta eu fiz para todos até agora, e faço agora para ti. Na mídia, e como observador, a partir da sociedade, a gente percebe que a imagem com relação à PF é bem superior que a das outras polícias. Queria uma avaliação tua de a que se deve isso?

ROOSEVELT – Na verdade eu acho que isso aí se deve ao que eu falei desde o início, por causa do efetivo. Ao capital humano da Polícia, e até era por isso que eu estava falando da experiência policial. O capital humano da Polícia é muito bom. As pessoas que compõem o quadro na Polícia Federal, elas se dedicam de corpo e alma. Ao seu trabalho, principalmente os agentes. Os peritos que trabalharam ao longo do tempo, você via que eles tinham várias deficiências de instrumentação, mas o cara tinha criatividade e se dedicava para aquilo. A Polícia Federal era o objetivo da pessoa, que dizia: Eu quero ser policial federal. A pessoa entrava aqui para se aposentar aqui na Polícia. Isso tinha antigamente, e hoje já não tem tanto assim. Então a pessoa tinha orgulho, e tem na música nossa, o orgulho de ser federal. Então esse orgulho de ser federal, esse orgulho que tem na música, de ser da Polícia Federal, é que diferencia. Isto está na mente, tá dentro do cara. Principalmente do pessoal mais antigo. Isso aí é o que faz que a pessoa diga: “pô, eu quero ser policial federal.” E isto veio sendo construído ao longo dos anos. Então foi construído com quem? Com o capital humano, com a pessoa que ta ali, com o agente que tá ali investigando. Você vê o policial, não tem previsão legal, de infiltração, você não vê este tipo de previsão legal, mas você vê policial federal fazendo campana, largando a sua família, ficando 2, 3 dias acompanhando bandido, escondido, disfarçado, só para pegar bandido. Então isso aí se faz com muita vontade de ajudar a sociedade. Isso eu, lá no Espírito Santo que teve na Superintendência, eu pude ver isso mais de perto. Às vezes o perito lotado onde eu tô agora não tem muito contato, mas o perito na Superintendência, por causa das operações, você vai de vez em quando. E você vê, exatamente, esta dedicação. Dedicação assim, com amor a camisa da Polícia Federal. É por isso que a sociedade acredita tanto. Eu não sei se nas outras polícias se o pessoal tem essa dedicação ou não, mas eu to falando da nossa. O que eu presencio desde que eu entrei aqui, to há 7 anos na Polícia, é que todo o mundo tem orgulho de ser policial federal. E isso faz o diferencial da Polícia. A vontade do pessoal trabalhar para investigar é muito grande.

BRUNO – Isso vem fomentado desde a Academia?

ROOSEVELT – Olha, eu não sei se antes, se quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Eu não sei se desde antes, no próprio concurso a pessoa diz: “ – Eu quero ser policial federal.”Quando a pessoa já entra na Academia, todo mundo lá já ta super-empolgado e lá o pessoal incentiva porque quem está dando aula incentiva porque gosta. Nós temos as nossas brigas aqui internas, essa confusão toda que você ta vendo, mas todo o mundo ama a Polícia Federal. Todo mundo adora a Polícia Federal. O que a gente quer é modernizar, é a estrutura que a gente quer mudar, por isso que a gente defende o cargo único. Porque a partir de um novo modelo de Polícia onde todo mundo vai ter o mesmo cargo, não vai ter diferença, a gente acredita que essa nossa união vai ficar mais forte ainda. E aí fica difícil para quem queira brigar conosco. Eu acredito na força da Polícia Federal, porque hoje é aquele negócio, divide prá poder manipular. Se a gente conseguir unir, até pro próprio governo, isso aí pode ser uma ameaça pra ele. Aí através da unificação em um único cargo, onde todos vão estar unidos, isso aí pode ser efetivamente, um caminho. Você vê: “Pô, na Polícia Federal agora tá todo mundo unido, não tem mais aquela briga de delegado com perito com escrivão com agente com papi, todo mundo brigava antes e tava tudo bem né.” Agora não, todo mundo tá unido, é um cargo só, só tem uma entidade de classe, aí fica complicado pra muita gente.

BRUNO – Tu diz então, que a chance de haver impunidade diminuiria?

ROOSEVELT – Exatamente.

BRUNO – Então, entrando no conflito de interesses, a autonomia policial já não interessaria a muita gente, correto?

ROOSEVELT – Eu nem digo que os outros não possam ter interesse, mas eu tô falando o seguinte. Na verdade, se você todos os servidores da PF numa mesma idéia, numa estrutura única, esses conflitos em que a gente perde tempo, discutindo: “- Ah, os delegados tão fazendo isso com a gente. E os agentes querem fazer isso.” Essa perda de tempo, essas brigas, a idéia é que elas vão diminuir. Elas diminuindo, o enfoque vai ser outro. Eu vou parar de focalizar o meu tempo prá defender a minha categoria, e vou defender o que? Meu grupo, que é uma instituição muito maior. E também, olha só, quem mexer na Polícia, e no próprio trabalho. Quer dizer, tirar o foco, porque na instituição, vai ser menos cargo classista, então vai ser mais gente trabalhando também. Porque hoje tá todo mundo brigando um contra o outro, alguns vão sobrar para ter de voltar a trabalhar. Esta perda de tempo vai ser substituída pelo trabalho. Eu acredito que essa unificação ela vai fortalecer a instituição, as entidades de classe e vai ser benéfico para a sociedade, vai ter mais tempo prá gente se dedicar a combater a impunidade.

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