A sede do Banrisul, palco do início da privatização do que resta de patrimônio público no Rio Grande do Sul.


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A sede do Banrisul, palco do início da privatização do que resta de patrimônio público no Rio Grande do Sul.

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1º de maio de 2007, Vila Setembrina dos Farrapos, Continente de São Sepé

O vice-governador Paulo Afonso Feijó (Dem) declarou guerra permanente contra o seu governo. Abundam problemas desde a metade da campanha, entrecruzados com interesses e rivalidades empresariais de longa data. Seu desafeto era presidente do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) no governo Germano Rigotto e continuou na função na troca de comando no Piratini. Fernando Lemos, homem do PMDB de Záchia, é alvo de um dossiê extenso e cheio de insinuações.

Para complicar, a pugna se soma à venda de 20% de ações preferenciais do banco estadual mais forte do país. Fechando no azul desde o Proer, o Banrisul tem uma carteira de clientes superior a 3 milhões de correntistas. Segundo os homens fortes da Fazenda, com a venda de ações sem direito a voto, o Banco terá um ingresso de capital da ordem de R$ 1bilhão e meio de reais. Caso consigam prosseguir na operação, a próxima soma seria de 49% de ações ordinárias, não prioritárias no lucro, mas votante. Passaria o Banrisul a ter capital misto, e provavelmente um Conselho de Administração ortodoxamente neoliberal.

No momento que escrevo o artigo, ocorre assembléia de acionistas e protestos do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre. Mesmo que o Banrisul siga sob controle do Estado, a mentalidade hegemônica somada a correlação de forças em sua direção deixará a lógica privatizante com margens de manobras quase ilimitadas. Temos de observar o papel que joga a Petrobrás para trancar o desenvolvimento nacional. Mesmo sendo líder em exploração em águas profundas e dotar o país de auto-suficiência de prospecção (não de refino), a gigante brasileira opera como transnacional. Mundo afora e país adentro.

A mesma situação se antevê em um dos últimos orgulhos do Estado Desenvolvimentista no Rio Grande. Empresas locais se fundem e transnacionalizam, a oligarquia rural perde espaço para empresas de reflorestamento e seus líderes ainda defendem mais medidas neoliberais. O argumento da venda do Banrisul é a geração de um fundo previdenciário para o governo, cobrindo parte do rombo da folha de pagamento e do IPE. Em parte é certo, apenas em parte. Conforme é sabido, a União deve mais de R$ 5 bilhões para o estado e outros R$ 14 bilhões esperam julgamento da dívida ativa. Tem R$ 19 bilhões de reais para serem resgatados e a solução final para o problema da dívida é vender parte do que resta de patrimônio?! É certo que não.

Voltando a ira de Feijó, a situação é tão inusitada, que agora o líder corporativo, ex-dono da Rede de Supermercados Econômico trabalha contra uma de suas metas. O dossiê pode redundar em breque para a venda da estatal. Sendo que, para um dos fundadores do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), bastião dos neoliberais gaúchos, a venda de toda a Banca estatal é questão estratégica. Este tema é reiterado e vale um estudo aprofundado. É quando a esfera ideológica supera o interesse econômico. Agora, com a investigação e o tom acusatório, as esquerdas e os sindicatos ganham munição para tentar impedir a liquidação de uma parte significativa do banco estadual.

O fenômeno é estranho, porque aqueles que se dizem agentes econômicos, preferem pelear empréstimos e créditos na Banca privada e transnacional, do que seguir se alimentando dos cofres públicos. Sim, porque programas como o Fundopem e Integrar RS, somados aos fundos de investimentos do Banrisul, Caixa RS e BRDE, destinam a maior parte de sua receita líquida para a oligarquia rural e urbana do pago. Considerando que o empresariado visa o lucro antes que nada, é inexplicável querer vender aquilo que os favorece há quase dois séculos.

Embora não seja de meu feitio, fui consultar a um dos gurus da ciência política gringa para ver se me ajuda. O polaco-estadunidende Adam Przeworsky, em seu clássico de 1985, “Capitalismo e Social-Democracia” (edição de 1995, Cia. das Letras, p.243), nos trás uma interessante interpretação da pretensa cientificidade do pensamento neoliberal:

“As teorias econômicas são racionalizações de interesses políticos de classes e grupos conflitantes, e como tal devem ser tratadas. Por trás de alternativas econômicas espreitam visões da sociedade, modelos de cultura e investidas em direção ao poder. Projetos econômicos implicam projetos políticos e sociais.”

Sendo assim, o mais provável é que tenha dado a louca no vice. Ou então, a ideologia é mais forte do que o vil materialismo jamais imaginou.

Artigo originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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