24 de setembro de 2010, da Vila Setembrina de farrapos e lanceiro negros pelas costas apunhalados por latifundiários inimigos da epopéia missioneira e federalista-artiguista, Bruno Lima Rocha
Semanalmente recebo questionamentos e participo de debates onde pessoas de distintas formações buscam compreender os porquês da oposição de elite ao governo de Luiz Inácio e, especificamente, contra a candidatura de Dilma. Geralmente a pergunta é simples: “Do que esta gente está reclamando tanto?!” As questões são expressas com bastante perplexidade, o que é muito razoável diante dos argumentos expostos.
Para analisar um governo e a sucessora por este indicada, é preciso adentrar algumas variáveis. Destas, àquelas relacionadas com a estabilidade e o evitar das incertezas são as mais importantes para a manutenção da divisão de poder, assegurando os ganhos nababescos daqueles de sempre. Vejamos. Ninguém em sã consciência pode dizer que Lula aprofundou a reforma agrária, diminuiu o lucro dos bancos, taxou o capital transnacional, encurtou as grandes fortunas, redistribuiu as verbas de publicidade (liquidandos os opositores midiáticos), incentivou o aumento do nível de protesto e organização popular assim como nenhuma outra das demais bandeiras históricas que deram cara e corpo para seu partido na década de 1980. Muito pelo contrário, o presidente atingiu uma nova base social, foi beneplácito com os históricos adversários sindicais (hoje representados na Força Sindical) e tranqüilizou os movimentos sociais com subsídios e projetos de infra-estrutura. Executou as suas políticas sem aumentar a tensão social e foi diminuindo paulatinamente o poder das lideranças populares que não ele próprio. De quebra, seu governo desorganiza a esquerda social e também a eleitoral, deixando as legendas que crêem nesta via (PSOL, PSTU, PCO e PCB) com ínfimos índices de intenção de voto, muitas vezes sequer pontuando.
Se buscarmos em alguns dos feitos narrados acima pelo governo de Luiz Inácio, não veremos nenhuma razão de interesse material para a oposição mais à direita. Mas, como política não se faz com a máquina de calcular apenas, é óbvio que o problema é de fundo. Certa vez escrevi neste blog que o preceito da racionalidade dos empreendedores não estava acima de suas opções ideológicas. Parafraseando James Carville, figura carimbada na CNN e estrategista do Partido Democrata durante a campanha presidencial de 1992, quando Bill Clinton derrotou a George Bush Pai, constata-se que: “É a ideologia, estúpido!” No caso, me referia à sanha privatizante dos neoliberais da Província de São Pedro (Rio Grande do Sul), mesmo isto implicando no hipotético fim de sua fonte de recursos quase exclusiva e na maior parte das vezes atendendo ao neologismo de “empréstimos a fundo perdido”. Os seus fluxos de caixa não justificam a permanente vontade política de desmontar toda e qualquer estrutura que lembrasse o passado positivista (nos governos do PRR), o Estado Nacional-desenvolvimentista deixado aqui por Leonel Brizola (quando governador do pago) e aprofundado pela ditadura através de sua modernização conservadora.
É esta mesma falta de “lógica” cartesiana que leva ao desespero qualquer avaliador pretensamente sensato, como se isso existisse no Jogo Real da Política. É um problema de identidades e não de conseqüências societárias. Recordo da fábula do sapo e do escorpião, quando o primeiro leva o aracnídeo sobre seu dorso ao atravessar o charco (ou seria o “mar de lama”). Se o segundo picasse o sapo a transportá-lo, ambos morreriam afogados. Mas, como é de sua “natureza” o ataque venenoso, o escorpião o realiza, não importando as mais funestas conseqüências. A sorte do andar de cima da pirâmide social brasileira é que o atual mandatário leva outros bichos consigo além dos que contra ele combatem.
Vejamos o paradoxo. Quando ainda podiam “marchar com Deus e a família pela democracia”, não o fizeram. Agora, imagino o arrependimento dos que apostam no tudo ou nada na reta final do primeiro turno. Tivessem esta mesma disposição no auge dos depoimentos durante a crise política de 2005 e até poderiam arrumar alguma coisa. Mas agora, na reta final do primeiro turno da sucessão, fica tudo muito difícil quando não impossível.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat