09 de dezembro, de Durban, Amy Goodman
Bem acima da calçada, em frente à famosa South Beach de Durban, África do Sul, e às ondas do Oceano Índico, apenas a algumas quadras da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que reúne esta semana cerca de 20 mil pessoas, sete ativistas lutavam contra o vento para prender uma faixa que dizia: “Escutem o povo, não os poluidores”. Não era uma tarefa fácil. Apesar do sol da manhã e do céu celeste, ventava forte e o grupo que tentava firmar a faixa não era necessariamente bem-vindo. Eram do Greenpeace e estavam pendurados no teto do Protea Hotel Edward.
Dentro do hotel, ocorria o encontro de executivos do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, um coletivo que se apresenta como “uma organização liderada por executivos de companhias com pensamento de vanguarda que impulsiona a comunidade empresarial a criar um futuro sustentável para as empresas, a sociedade e o meio ambiente”. No térreo, em frente à porta do hotel, enquanto a polícia se aproximava e muitas pessoas portavam cartazes e faixas, cantando em solidariedade aos que escalavam o hotel, Kumi Naidoo criticou o Conselho e o qualificou como um dos “doze maiores poluidores”, segundo o Greenpeace.
Naidoo não é um estranho para quem acompanha de perto a mobilização popular em Durban. Embora seja atualmente o diretor-executivo do Greenpeace Internacional, uma das maiores e mais reconhecidas organizações ambientalistas do mundo, em 1980, quando tinha apenas 15 anos, foi um dos milhões de sul-africanos que lutaram contra o regime racista do apartheid. Logo foi expulso da escola e teve de conviver com a clandestinidade. Reapareceu na Inglaterra, vivendo no exílio, onde prosseguiu seus estudos na Universidade Rhodes. Durante anos, Naidoo militou por direitos humanos, contra a pobreza e a favor de ações para combater as mudanças climáticas.
Meu colega de Democracy Now!, Hani Massoud, e eu subimos até o teto para registrar o momento em que os sete ativistas foram presos. O escalador sul-africano Michael Baillie, um deles, disse-me: “Queríamos denunciar que os governos estão sob influência excessiva de um punhado de corporações que tentam influenciar negativamente nas negociações relacionadas às mudanças climáticas que ocorrem aqui em Durban. Estão tomando o clima como refém”.
Mais tarde, durante a conferência da ONU no Centro Internacional de Convenções Alfred Luthuli, cujo nome é uma homenagem ao presidente do Congresso Nacional Africano e primeiro africano a ganhar o Prêmio Nobel da Paz, Naidoo me falou sobre a ação daquela manhã: “Não nos opomos à idéia de dialogar com as empresas, mas está claro que as grandes corporações não estão se mexendo na velocidade que necessitamos. Pelo contrário, deixa-nos de lado. Por isso acreditamos que denunciá-las, nomeá-las, embaraçá-las torne-se necessário para que as pessoas saibam por que as negociações sobre o clima são tão lentas”.
Entre os “Doze maiores poluidores” de Durban figuram Royal Dutch Shell, ExxonMobil, Koch Industries e BASF, assim como as associações comerciais a exemplo da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e o Instituto Americano do Petróleo. O Greenpeace denunciou essas corporações e coalizões corporativas por sua presença na cidade sul-africana e por suas ações ao longo do processo de negociações sobre as mudanças climáticas, já que prejudicam um processo significativo. O informe completo intitulado “Quem nos impede de avançar? A pressão da indústria poluidora na negociação sobre o clima” explica de que modo essas corporações agem quanto à legislação responsável por tratar das mudanças climáticas. A esfera privada não apenas impede qualquer sucesso da legislação nos países, como também obtém acesso privilegiado às negociações internacionais, a exemplo do que acontece nesta conferência das Nações Unidas de vital importância.
O ex-Arcebispo sul-africano Desmond Tutu fez um discurso durante uma manifestação em que classificou as mudanças climáticas de “grande inimigo”: “Afirmamos que esta é a última oportunidade. Por favor, pelo amor de Deus, tomem a decisão correta. Este é o único mundo que temos, o único lar que possuímos; se o destruirmos, afundaremos todos”. A ex-Presidenta irlandesa Mary Robinson completou: “As pessoas estão sofrendo em virtude dos impactos das mudanças climáticas. Os que mais sofrem não são os responsáveis, o mundo rico tem de assumir sua responsabilidade. Temos que dar continuidade ao Protocolo de Kyoto, seguir um caminho que nos leve a um acordo justo, ambicioso e vinculante. E temos de fazê-lo aqui em Durban”.
Existe um crescente consenso em Durban de que os Estados Unidos representam o maior obstáculo ao avanço das negociações cruciais. Uma coalizão formada por 16 dos mais importantes grupos ambientalistas do país norte-americano publicou uma carta dirigida à Secretária de Estado Hillary Clinton, que supervisiona diretamente as negociações sobre as mudanças climáticas por parte dos Estados Unidos. Na carta, os grupos destacam que, apesar do Presidente Obama ter prometido na campanha eleitoral liderar as negociações mundiais em relação às mudanças do clima, “três anos depois, os Estados Unidos correm o risco de serem considerados não mais um líder mundial na luta contra as alterações climáticas, mas sim o grande vilão no progresso dessa luta”.
A indústria de combustíveis fósseis exerce uma enorme influência sobre o governo dos Estados Unidos e sobre o povo estadunidense. Isso acontece porque investe dezenas de milhões de dólares para fazer pressão e em campanhas publicitárias destinadas a influenciar a opinião pública. Naidoo, que esteve preso várias vezes por conta do seu ativismo, comparou a luta contra o apartheid com a luta contra as mudanças climáticas: “Se povos de todo o mundo conseguem se unir – sindicatos, movimentos sociais, líderes religiosos, grupos ambientalistas e outros – como vimos acontecer sábado durante a marcha, rezo para que acontece um milagre parecido que leve estas negociações sobre a mudança climática a um resultado justo, ambicioso e legalmente vinculante”.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2011 Amy Goodman
Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol,
Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.
Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul