Soldados dos Estados Unidos urinam sobre corpos de vítimas afegãos. Episódios como esse eram comuns durante a ocupação do Iraque e novamente chamam a atenção mundial, agora, no Afeganistão.  - Foto:Jornal do Brasil
Soldados dos Estados Unidos urinam sobre corpos de vítimas afegãos. Episódios como esse eram comuns durante a ocupação do Iraque e novamente chamam a atenção mundial, agora, no Afeganistão.
Foto:Jornal do Brasil

20 de fevereiro de 2012, de Nova York, Amy Goodman, com tradução de Rafael Cavalcanti

Oito adolescentes que guiavam suas ovelhas nos campos nevados do Afeganistão foram assassinados no início do mês durante um ataque aéreo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no distrito de Najrab, província de Kapisa, ao leste do país. A maioria dos garotos tinha entre 6 e 14 anos. No momento do ataque, eles buscavam refúgio junto a uma grande pedra sob a qual fizeram uma fogueira para se proteger do frio. Em princípio, os oficiais da OTAN afirmaram que se tratava de homens armados. O governo afegão condenou a ação militar e publicou fotos de algumas das vítimas. Logo a organização expressou em um comunicado à imprensa “suas sentidas condolências aos familiares e parentes de vários adolescentes afegãos que morreram no ataque aéreo de 08 de fevereiro na província de Kapisa”.

Os garotos assassinados tinham quase a mesma idade do soldado Osbrany Montes de Oca, 20 anos, cidadão de Nova Jersey, que morreu em combate dois dias depois na província de Helmand. A morte desses nove jovens é o incidente mais recente da guerra mais longa da história dos Estados Unidos. Uma guerra que, segundo um corajoso oficial do Exército estadunidense responsável por denunciar a dita instituição, perpetua-se com base em “uma lógica de mentiras explícitas e substanciais” por parte de “vários líderes militares norte-americanos de alta patente no Afeganistão”.

Essas são as palavras escritas pelo tenente-coronel Danny Davis no seu relatório de 84 páginas denominado “Abandono de funções II: A perda da integridade dos líderes militares de alta patente prejudica o esforço de guerra no Afeganistão”. A revista Rolling Stone conseguiu um rascunho do relatório no dia 27 de janeiro, mas o gabinete de Assuntos Públicos do Exército dos Estados Unidos não aprovou sua publicação, apesar de Davis negar que o conteúdo seja secreto. O tenente-coronel apresentou uma versão confidencial aos membros do Congresso. Militar desde os 17 anos, Davis é um veterano com quatro combates nas costas. Esteve a serviço de seu país por um ano no Afeganistão com a Força de Equipamento Rápido do Exército quando percorreu mais de 14 mil quilômetros em meio aos setores mais ativos da ocupação estadunidense, o que lhe permitiu conhecer diretamente as urgências dos soldados.

Em um artigo que escreveu para a Revista das Forças Armadas intitulado “A verdade, as mentiras e o Afeganistão”, Davis falou sobre sua experiência: “O que vi não tem nada a ver com as floridas declarações oficiais dos líderes das forças estadunidenses sobre as condições no campo de batalha”. Dizer o que pensa é uma conduta fortemente desaconselhada nas forças armadas dos Estados Unidos, em particular se a opinião vai de encontro a um superior. Seu relatório foi publicado pelo jornal The New York Times e pela revista Rolling Stone, cujo jornalista Michael Hastings me disse: “A realidade é que estamos diante de um veterano de guerra que esteve 17 anos no Exército, que foi convocado quatro vezes (duas no Afeganistão e duas no Iraque) e decidiu arriscar sua carreira (falta-lhe anos e meios para se aposentar) porque sente que tem a obrigação moral de fazê-lo”.

O tenente-coronel Davis entrevistou mais de 250 pessoas (militares estadunidenses e cidadãos afegãos) em seu último ano na zona de guerra. Comparou seus testemunhos com as projeções otimistas de oficiais como David Petraeus, ex-diretor do Comando Central e das forças norte-americanas no Afeganistão, atualmente, diretor do serviço secreto dos Estados Unidos (CIA). Petraeus disse ao Congresso no dia 15 de março de 2011 que “a influência do Talibã no Afeganistão vem diminuindo desde 2005 em grande parte do país e perdeu espaço em várias localidades importantes”.

No seu artigo para a revista militar, Davis destaca: “Na mudança, fui testemunha da falta de êxito em praticamente todos os níveis. Os insurgentes controlavam praticamente todas as zonas do Afeganistão fora do nosso campo visual ou da Força Internacional de Assistência à Segurança”.

Suas observações coincidem com a morte do soldado Montes de Oca. Sua namorada, Maria Samaniego, disse ao jornal New York Daily News que o companheiro “estava saindo da base quando atiraram de repente”. São quase dois mil oficiais das forças armadas estadunidenses mortos no Afeganistão, quase a mesma quantidade de civis assassinados a cada ano nesse país. Nic Lee, diretor da ONG independente Gabinete de Segurança do Afeganistão, escreveu em seu relatório anual de 2011: “Foi um ano importante por tratar-se do momento em que as forças armadas estadunidenses e da OTAN finalmente reconheceram que é impossível ganhar a guerra contra o Talibã”.

O secretário de Defesa Leon Panetta declarou recentemente: “Esperamos que no segundo semestre de 2013 possamos fazer a transição e passar da função de combate à de treinamento, assessoramento e assistência”. Petraeus contradisse essa afirmação ao dizer que os Estados Unidos continuam comprometidos em pôr fim à missão de combate apenas no final de 2014. Enquanto isso, as mortes continuam e os meios de comunicação divulgam imagens de soldados da Marinha estadunidenses urinando sobre cadáveres afegãos ou pousando junto à bandeira nazista da SS. O tenente-coronel Davis escreve: “Quando tiver de decidir sobre a continuação ou não da guerra, mudar os objetivos ou terminar uma campanha impossível de ganhar sem um preço considerável, nossos oficiais de alta patente têm a obrigação de dizer a verdade para o Congresso e o povo estadunidense”.

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O texto original contou com a colaboração jornalística de Denis Moynihan. Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol realizam a tradução para o espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol é traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisado por Bruno Lima Rocha.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

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