Por Ricardo Machado / Instituto Humanitas Unisinos (IHU)
Para o professor de Relações Internacionais Bruno Lima Rocha, a escolha do novo presidente argentino pode representar uma retomada do crescimento da direita na América Latina
Mais do que uma vitória da oposição, a conquista de Maurício Macri no segundo turno das eleições argentinas, há uma semana, pode representar o começo de uma guinada à direita latinoamericana. “Para a América Latina é uma virada nítida no rumo do neoliberalismo, o que pode implicar em ‘onda’ ou algo assim como uma tendência mais à direita e um novo canto de sereia para a entrada de capital transnacional volátil – sem reservas – e a retomada das privatizações”, avalia Bruno Lima Rocha, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.
Embora siga a matriz política e econômica de Menem, o futuro presidente da Argentina teve o cuidado de ingressar politicamente com uma legenda própria se desprendendo um pouco do histórico neoliberal argentino. “Ele [Macri] seria um neoliberalismo de cara limpa (até quando não se sabe, mas por agora é o fato) ao contrário de Scioli, uma espécie de centro-esquerda envergonhada e que não convence a sua própria base”, pondera o entrevistado.
Ao analisar a vitória de Macri sobre Scioli, Bruno considera que o enfraquecimento do adversário político se deve, também, a ilusão da esquerda latinoamericana de apostar no capitalismo periférico. Entretanto, ele não considera que o novo comandante argentino possa trazer uma alternativa nova à constante crise da Argentina. “Macri vai aprofundar a presença de capital estrangeiro e renegociar com os fundos abutres, endividando novamente o país em uma escala bastante perigosa”, sustenta. “Posso afirmar que o modelo econômico de Macri, para além do discurso de legitimação, é aumentar a integração com os países do norte e, com isso, tentar barganhar maior presença chinesa na economia real e na infraestrutura argentina”, complementa.
Bruno Lima Rocha é cientista político, com mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e jornalista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. É professor de Relações Internacionais na ESPM-Sul e na Unisinos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que significa para a Argentina a vitória da Mauricio Macri? E para a América Latina?
Bruno Lima Rocha – Implica, de forma resumida, em um esgotamento de modelo por parte do kirchnerismo, muito em função de corrupção estrutural, certa domesticação das bases sociais e também o exagero na dependência da venda de commodities, incluindo a mineração a céu aberto, profundamente danosa ao meio ambiente. A vitória de Macri também é uma certa reação da classe média portenha e também da classe média baixa da Província de Buenos Aires, que hoje vive melhor mas que ao mesmo tempo, não tem identidade ideológica com a retórica nacional-popular evocada pelo peronismo de linha kirchnerista. Para a América Latina é uma virada nítida no rumo do neoliberalismo, o que pode implicar em “onda” ou algo assim como uma tendência mais à direita e um novo canto de sereia para a entrada de capital transnacional volátil – sem reservas – e a retomada das privatizações. O modelo de crescimento do capitalismo periférico dos governos de centro-esquerda pós 1998 está se esgotando pelas suas próprias limitações.
IHU On-Line – O que deve mudar na Argentina a partir da eleição de Macri? Como o Congresso argentino deve reagir?
Bruno Lima Rocha – O congresso argentino – onde Macri não vai ter maioria – é bastante volátil. Cristina perdeu a votação do imposto sobre a exportação de soja e seu governo quase acabou. De la Rúa enfrentou o congresso na demissão de um ministro de confiança das transnacionais e isto foi o estopim para a crise política. Quem derruba governo neoliberal são as ruas, mas a crise política pode ser uma constante. Não acredito que Macri vai constituir um consenso forjado como Menem fez no início dos anos 1990 para dilapidar o patrimônio nacional argentino.
IHU On-Line – O que deve mudar na relação da Argentina com Brasil e com os países latino-americanos, especialmente com o Mercosul?
Bruno Lima Rocha – A meta explícita é a revisão da natureza do Mercosul ou então implodir seu acordo fundamental. Esta é a razão para tentar a expulsão da Venezuela no Mercosul, criar uma cunha no sentido da pergunta abaixo, onde a Aliança do Pacífico opera como o canto de sereia para a integração subordinada ao eixo do Oceano Pacífico, especificamente tentando jogar entre os interesses da China – que opera uma interdependência com os países latino-americanos – e se inclinando para o projeto de expansão dos EUA. A Aliança do Pacífico opera como uma má influência de curto prazo para dentro do Mercosul, quando as urgências do governo de turno e o poder de veto de setores específicos – como os industriais argentinos – terminam por jamais aprofundar as necessidades do marco de união estratégica do Mercosul
IHU On-Line – Qual deve ser a relação da Argentina com os países membros do Acordo Estratégico Transpacífico de Associação Econômica?
Bruno Lima Rocha – Acredito que respondi a pergunta acima em conjunto com esta, mas vale lembrar que a direita argentina não-peronista é ainda mais vende pátria do que a direita brasileira – ao menos a direita que hoje não faz parte do pacto lulista. Logo, qualquer atração neste sentido fará parte do discurso de Macri. Seu mentor Menem tomava o exemplo de Cuba, como uma antítese do que ele queria para a Argentina; agora é a vez da Venezuela operar como bode expiatório das mazelas internas da Argentina.
IHU On-Line – Quais são as principais diferenças e semelhanças entre o eleito Mauricio Macri e seu adversário, no segundo turno, Daniel Scioli?
Bruno Lima Rocha – Se formos observar bem, Scioli e Macri tem a mesma trajetória política (no início de carreira), a formação intelectual e empresarial e até a semelhança estética e de hábitos incorporados. Scioli faria um programa meio semelhante – ao menos no meu ponto de vista – do segundo mandato de Dilma aqui, mas sem a chefe de Estado (Cristina), ou seja, com capacidade de exercer os mandos que o Kirchnerismo não o faria com Cristina. Talvez esta semelhança e a rejeição de Scioli na Província de Buenos Aires – onde perdeu – possa ser a pista da vitória muito apertada de Macri.
IHU On-Line – Qual a relevância política do partido de Macri o “Propuesta Republicana” ou PRO? O que significa a derrota das tradicionais forças políticas como o peronismo e a UCR?
Bruno Lima Rocha – Vejo o PRO e a aliança de forças ao redor de Macri como um setor político do menemismo sem vergonha de ser o que é, mas com uma imagem mais “limpa” do que foi Menem. Macri teve o cuidado de entrar no sistema político com uma legenda própria e ratificando sua base social e ideológica na maioria menos barulhenta de Buenos Aires. Ele seria um neoliberalismo de cara limpa (até quando não se sabe, mas por agora é o fato) ao contrário de Scioli, uma espécie de centro-esquerda envergonhada e que não convence a sua própria base.
IHU On-Line – Quais são as lições à esquerda latino-americana após o resultado das eleições na Argentina?
Bruno Lima Rocha – Muitas, mas as que veremos pela frente serão ainda maiores. Se Macri seguir o conselho editorial de La Nación e Clarín, ele vai arrumar dois problemas. Vai usar do capital político como recém eleito para cortar os benefícios sociais ao invés de caçar os dólares escondidos pelas famílias mais abastadas da Argentina. Ao mesmo tempo, se puser uma pá de cal na punição dos repressores e criminosos de lesa humanidade da ditadura argentina, vai ser condenado como pró-repressão, como fora Carlos Saúl Menem e até Alfonsín, com sua condução muito recalcitrante e pouco convicta. As lições entendo como a necessidade de criar “calos ideológicos” nas sociedades latino-americanas e não embarcar na ilusão do crescimento através do capitalismo periférico que aqui impera.
IHU On-Line – O resultado apertado das eleições na Argentina, tal qual foi ano passado no Brasil, pode ser interpretado com um sinal amarelo para a esquerda da América do Sul? Como? Por quê?
Bruno Lima Rocha – Trata-se de um fim de ciclo, um fim de um ciclo de cegueira e exaustão. Tivemos plenas condições de diminuir a dependência externa no início dos anos 2000, mas os governos de centro-esquerda e suas absurdas composições de governabilidade aprofundaram o perfil de plataforma agro-exportadora de nossas economias, além da mineração a céu aberto. Ao mesmo tempo, não fomos capazes de criar um pool petrolífero do Sul, com a Petrobrás, PDVSA e YPF encabeçando. Logo, a unidade não se deu no setor estratégico e a dependência externa aprofundou. Se há pouca abundância em função do problema na balança externa, logo todo o arranjo de governo fica muito frágil.
O sinal de alerta eu diria, passa pelo pensamento das esquerdas latino-americanas se afastarem dos pactos de classe e do vale-tudo pela tal da governabilidade. Do contrário, jamais os setores majoritários da ex-esquerda (insisto com este termo) vão ter condições de criar um novo consenso advindo dos setores que progrediram nas condições materiais de vida, mas sem câmbio ideológico de profundidade.
IHU On-Line – Como foi a participação de Mauricio Macri nos debates? Sua vitória pode ser vista como uma surpresa?
Bruno Lima Rocha – Macri supera Scioli nos debates justo porque é mais autêntico, mais fiel ao seu sistema de crenças, por mais nefasto que este seja. Scioli compartilha na maior parte das vezes e teve dificuldades de se desmarcar das críticas e ao mesmo tempo, definir a diferença entre ele e seu rival e parceiro. Não há necessariamente surpresa com a vitória de Macri, mas a diferença anunciada nas pesquisas era bem superior ao que a urna revelou. Logo, se as pesquisas não induzissem tanto o voto, a decisão final poderia ser ainda mais apertada, e talvez com a vitória de Scioli.
IHU On-Line – A vitória de Macri pode ser interpretada como uma nova guinada à direita na América Latina? O seu projeto de desenvolvimento econômico está sustentado em quê?
Bruno Lima Rocha – O pensamento de Macri é uma repetição das políticas menemistas, as mesmas que em parte foram reproduzidas mesmo sob os governos Kirchner, mas com matizes distintos. Macri vai aprofundar a presença de capital estrangeiro e renegociar com os fundos abutres, endividando novamente o país em uma escala bastante perigosa. Posso afirmar que o modelo econômico de Macri, para além do discurso de legitimação, é aumentar a integração com os países do norte e, com isso, tentar barganhar maior presença chinesa na economia real e na infraestrutura argentina.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Bruno Lima Rocha – A cultura política argentina é belíssima e combativa. Lá, ao contrário do Brasil, nos parece que a cancha está sempre aberta e dependendo do ataque aos direitos fundamentais, literalmente tudo pode acontecer. Se Macri for com muita sanha e sede pode conseguir um alçamento social em menos de dois anos. Cabe acompanhar com muito interesse, sabendo que o Brasil é fundamental para a Argentina e vice-versa.