Bruno Lima Rocha, 03 de setembro de 2016

Muito poucos são o que têm capacidade de interpretação efetiva dos processos de captura das instituições públicas, das realizações incompletas de promessas da democracia em sua forma liberal e capitalista. Para piorar, estes que podem compreender a captura dos recursos coletivos por instituições privadas e seus grupos de pressão, ou estão em posição inferior de poder, ou então são cúmplices desta mesma captura.

Avaliar a crise brasileira e o golpe semi-parlamentarista em andamento, só é possível se pensarmos o nível doméstico – nacional – conectado e também subordinado, às esferas de poder de fato. A concentração de recursos, compromissos e obrigações contratuais transferindo renda e poder para o controle de pouquíssimos agentes financeiros, é uma realidade global. Não é nova esta interpretação, embora seja marginal e paralela sua disseminação, mesmo no ensino superior. No Brasil, as análises relacionando a escala nacional com o Sistema Internacional, especificamente as produzidas pelos professores da PUC-SP, Reginaldo Nasser e Ladislau Dowbor, já trazem conteúdo suficiente para uma crise de paradigma. O problema de fundo, além da pouca difusão destes excelentes analistas e pesquisadores, é a sua difusão limitada e de pequeno alcance.

O fenômeno se repete em escala mundial. Muito poucos são o que têm capacidade de interpretação efetiva dos processos de captura das instituições públicas, das realizações incompletas de promessas da democracia em sua forma liberal e capitalista. Para piorar, estes que podem compreender a captura dos recursos coletivos por instituições privadas e seus grupos de pressão, ou estão em posição inferior de poder, ou então são cúmplices desta mesma captura. Bastaria uma descrição pormenorizada dos lobbies profissionais de empresas e oligopólios dentro do Congresso dos EUA e do Parlamento Europeu (antes do Brexit) para, apenas com a narrativa, gerar uma indignação coletiva tão séria como o ceticismo hoje vivido pelas maiorias nas sociedades “ocidentais”.

Para exemplificar a contundência destas informações e a evidente censura corporativa pelo poder dos anunciantes, no projeto Corporate Research Project (corp-research.org), na seção Dossiês (corporaterapsheets), há resumos de supostos crimes corporativos cometidos por conglomerados econômicos divididos em setores de atuação. Assim, dentro da indústria da comida e do agronegócio, vemos supostos crimes de Cargill, Coca-Cola Company, ConAgra, Darden Restaurants, McDonald’s, Monsanto, Nestlé e Yum Brands.  Na seção de crimes financeiros, as instituições acusadas são: Bank of America, Barclays, Citigroup, Credit  Suisse, Deutsche Bank, Goldman Sachs, HSBC, JPMorgan Chase, Morgan Stanley, Royal Bank of Scotland, UBS e Wells Fargo. Já a lista de supostos crimes da indústria automobilística é composta por: Daimler, Ford, General, Motors, Honda, Nissan, Toyota e Volkswagen. Na indústria farmacêutica, as empresas gigantes da alopatia e da saúde supostamente acusadas são: Aetna, Anthem (formerly WellPoint), AstraZeneca, Eli Lilly, GlaxoSmithKline, Humana, Johnson & Johnson, Merck, Novartis, Pfizer e United Health Group. Temos ainda supostas acusações com dossiês resumidos contra as líderes do setor da mineração; contratos militares e aeroespaciais; serviços de fornecimento e logística; petróleo, óleo e gás; tabaco e fumo;  grandes atacadistas; conglomerados mistos; e, mídia e entretenimento.

Tais acusações de supostos crimes e a relação desigual entre eleitores e representantes ocorrem em países de capitalismo desenvolvido e democracia institucionalizada, tal como EUA, Canadá e União Europeia. Entende-se que se tais corporações são capazes de operar como força decisiva em sua política “doméstica”, as mesmas podem exercer através destes Estados líderes e instituições multilaterais internacionais, tanto de tipo direito público como de regulação e fomento, sua vontade e determinação estratégica praticamente sem freios. Logo, a instância tomadora de decisões, as instâncias legítimas – ou legitimadas – no jogo liberal e democrático representativo, ficam secundarizadas pelo poder da tomada de decisões de conselhos de administração e mesa diretora composta de presidentes, vice-presidentes corporativos e diretores mundiais de empresas transnacionais.

Como a base do faturamento e acumulação privada dos conglomerados é sua relação de acessos desiguais, criando leis ou passando por cima da legislação existente, as posições de privilégio dentro do aparelho de Estado e dos governos supranacionais é evidente. Se levarmos em conta o modus operandi dos 28 maiores conglomerados financeiros do planeta, vamos encontrar uma evidência. O faturamento dos gigantes do capital fictício é proporcional ao tamanho da dívida pública mundial. Assim, em último caso, a capacidade de gerar legislação de expansão do endividamento público, e a complementar necessidade – por parte de bancos e instituições afins – de pregar o “austericídio” e a auto regulação do capital é um discurso emitido de forma sistemática. Nas escolas de ciências econômicas e sociais, esta fala é como um mantra, se não de forma totalitária, ao menos e perigosamente de forma hegemônica. Na mídia especializada, há o complemento desta versão, visto que a crítica da economia política é pauta excluída ou secundária das publicações especializadas em “economia”. Por fim, como o tema aborda o poder de fato, os governos de turno, mesmo em democracias ditas consolidadas – como as europeias – evitam ao máximo o conflito com as instituições financeiras privadas.

Através desta cumplicidade e complementaridade observamos o óbvio.  Há uma política permanente de portas giratórias, quando o presidente de um banco com presença em importantes países, pode vir a ser ministro de Estado em pasta afim, e na sequência ocupar cargo de diretoria no FMI ou Banco Mundial. Há o caminho inverso, quando servidores de carreira no Estado, após ocuparem cargos importantes com dotação orçamentária, “migram” para postos semelhantes dentro de empresas privadas, desde conglomerados econômicos líderes de oligopólios em escala continental ou mundial, passando por bancos de “investimentos”. Como medida do tamanho desta enorme “porta giratória”, podemos observar a trajetória de Henry Paulson em 2008. Este deixou de ser o diretor-presidente mundial da Goldman Sachs para assumir a crise que ele próprio ajudara a criar, sendo indicado para secretário do Tesouro dos EUA. O mesmo se dera na Europa, assim como no Brasil.

O funcionamento dos lobbies, instituições dirigidas por elites dirigentes em constante revezamento e o discurso oficial que torna invisível as falas opositoras, ocultam da maior parte dos cidadãos os verdadeiros processos decisórios. Esta é a captura das instituições públicas sob controle estatal e a democracia subordinada ao poder realmente existente.

 

 

 

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