Yeda Rorato e Luiz Inácio da Silva em perfeita consonância quanto ao empréstimo entreguista do RS junto ao Banco Mundial.  - Foto:infoplanalto
Yeda Rorato e Luiz Inácio da Silva em perfeita consonância quanto ao empréstimo entreguista do RS junto ao Banco Mundial.
Foto:infoplanalto

 Bruno Lima Rocha, cientista político, 10 de agosto de 2009

Há momentos da história em que tudo parece cristalino, ou transparente, como é a palavra da moda no pago. Estivéssemos em outros tempos e este plantão não seria na frente da tela do computador, e sim na Praça da Matriz. Conforme já havia dito em situações anteriores, este governo estadual segue a sina do Menemismo e de todos os demais que tenham relações carnais com o vampiro da agiotagem financeira.

 Seguindo na onda da criminalização da política profissional brasileira, ou ‘Societas Delinquentium’, como foi o termo aplicado pelo MPF na sua Ação Cível que começa a ganhar publicidade; a Mansão de Yeda começa a cair e, junto da residência supostamente subfaturada em seu valor venal, se esvai na sangria a todo seu governo. Quando se derrota – ou se retira o capital político de um Executivo – uma cabeça de ponte do sistema financeiro, também escoam pelo ralo as transações governamentais – através de empréstimos financeiros e de intervenção – que via mega empréstimo do Banco Mundial iam terminar por vender o Rio Grande a prazo pelas próximas três décadas.

Para não ser redundante nos fatos, prefiro indicar a leitura do diário oficioso mor da Província, assim como de outras fontes eletrônicas, onde se explica com riqueza de detalhes a ação pública de improbidade administrativa anunciada pelos procuradores federais do RS (MPF/RS). Ao meu ver, aqui ao menos, seria fora de sentido discutir um problema político em linguagem jurídica. Talvez por isso não se deva levar em grandes contas a nota desesperada do co-governo de Yeda Crusius (PSDB + PMDB + PPS + PP + PTB X o vice em rebeldia empresarial do PP sem nunca esquecer que o PDT desembarcara desse governo assim como saltou do cavalo do mandato de Olívio Dutra) que se encontra no sítio oficial do governo do estado.

É preciso compreender alguns fenômenos concomitantes. A corrupção estruturante flagrada pela Polícia Federal e fogoneada pela oposição local (que é governo no Planalto e aliada das mesmas constelações de legendas) não começou com o governo da economista neoclássica. Os esquemas narrados são do tipo Estado Patrimonialista, apimentado por uma direita com certa capacidade de articulação e banhada em saberes jurídicos. O melhor exemplo é o caso do DETRAN-RS (cujo esquema apontado ainda na Rodin I começara em junho de 2003) e que chafurda na lama de terceirizações e precarizações desde que fora reinventado quando o privatista Antônio Britto ainda ocupava o Piratini. A novidade deste mandato é, a ainda suposta participação direta da Chefe de Governo no “batismo” da propina, intervindo ara desenrolar as tramas de Lair Ferst que em tese, estaria estragando a festa dos operadores de sempre, a começar pelo eterno cartola gremista José Otávio Germano (deputado federal pelo PP e réu na Ação de hoje do MPF).

As relações carnais com o Banco Mundial

O lado mais cruel da atual gestão não é a maquiagem orçamentária que retira verba da Saúde e da Educação (como todos os governos no Brasil o fazem) e nem sequer a truculência repressivo-midiática do ainda juiz militar, o coronel Paulo Roberto Mendes. O problema passa pela relação carnal com empreiteiras e grandes agentes econômicos afins (devidamente flagrados na Operação Solidária) – Odebrecht incluída – mas ultrapassa nossas fronteiras. O mal está no que o governo Yeda Crusius representa de ingerência direta do Banco Mundial (BM) no estado. A equipe de neoliberais-neoinstitucionais (neste quesito entra, por exemplo, secretário de Justiça e Desenvolvimento por “terceirização”, Fernando Schiller) tomou posse de um governo com o caixa endividado com a União, enforcado pela sanha fiscal e de juros do modelo econômico do governo de Mr. Meirelles e Luiz Inácio.

No meio do governo, alegando o alongamento da dívida interna, tendo uma dívida ativa para cobrar na praça, Yeda foi “agraciada” com a mixaria de USd 1,1 bilhão de dólares do Banco Mundial. Para termos uma idéia da ninharia, isso equivale ao calote dos dez maiores devedores do fisco do estado, pessoas jurídicas essas que constam dados completos no próprio portal da Receita do RS. Foi nesse momento que a briga política local aproximou os neoliberais dos ex-reformistas e dos fisiológicos de sempre, aprovando em uníssono consenso vende-pátria o absurdo de um empréstimo cuja contra partida implica a ingerência direta de organismo estrangeiro no aparelho de Estado gaúcho.

Repito. Esse absurdo contou com a aprovação de todos os partidos da Assembléia (a “ex-esquerda” incluída, o PT à frente) para contratar o empréstimo, fazer coro com o Secretario do Tesouro Nacional, o gaúcho Arno Agustín (ex-secretário da Fazenda do RS durante a gestão de Olívio) e assim assinar a cláusula contratual da sentença de morte de toda e qualquer possibilidade autodeterminação local.

Além de entregar os recursos públicos aos interventores do Banco Mundial, o empréstimo de trinta anos (cujas parcelas mais gordas vem primeiro), significa também atacar os direitos dos trabalhadores, desmontar serviços públicos, e retirar capacidade de execução ao governo sub-nacional. Para termos uma idéia do volume do ataque, a menina dos olhos dos operadores do Banco e seus aliados da Agenda 2020 é a educação pública. Se Yeda cumprisse as metas do agiota, estaria aberto o caminho para a vinda de outro empréstimo, esse sim gigantesco, servindo para terminar de arrematar o Rio Grande. Para confirmar que não se trata de chute, ofereço o seguinte hiperlink, vindo de um editor que conhece o caminho das pedras da Matriz e jamais falaria em contra da ex-professora da UFRGS (acesse aqui para entender o mega-empréstimo arquitetado sem muito alarde).

Para ajudar a fundamentar a análise, replico aqui as linhas escritas pelo jornalista Políbio Braga:

“SEXTA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2009
A nova agenda gaúcha inclui repactuação da dívida com o governo Lula
Tão logo o governo gaúcho receba a segunda tranche do empréstimo de US$ 1,1 bilhão que assinou com o Banco Mundial, ocorrerão as condições objetivas para estes três outros passos que quer dar Yeda:

1)fica aberto o espaço para um mega-empréstimo destinado exclusivamente a investimento.

2) o modelo gaúcho servirá para que os demais Estados repactuem suas dívidas extra-limites.

3) logo mais adiante estará aberto o caminho para uma repactuação de toda a dívida pública do Estado.

O governo gaúcho já trabalha com a agenda. “

O perigo mora bem acima, nas capacidades entregues, porque o empréstimo do Banco Mundial dá a esta instituição o controle dos gastos públicos por 30 anos. Na verdade, apesar do ex-reformismo do PT e sua indisciplina controlada diante do Palácio do Planalto de da trupe de José Dirceu, foi consensuada uma política de Estado, de longo prazo, que põe o ajuste fiscal por cima das pautas que atendem os interesses dos trabalhadores, do povo como um todo e das funções públicas do ente estatal. Neste bojo entra o arrocho na política salarial; a terceirização ou Parceria Público Privadas (PPPs, novo eufemismo para privatização lastreada por fundo garantidor com recursos públicos) como “única forma” de ampliação e qualidade dos serviços públicos; investimentos sociais na forma de parceira, além de barbaridades semelhantes. Se amarrados nesta camisa de força, implica que as margens de ação dos governos de turno ficaram ainda menores. Caso um dia a nova oposição reformista (PSOL) ganhe o Piratini, para fazer arremedo de governo, terá de decretar a Moratória e conclamar massas em mobilização. Do contrário, ou não governará, ou terá de abrir mão do programa. Diante da derrota possível que se avizinha desse projeto, fica postergado o fato da luta política pela administração do Estado vir a pagar tributo para o Banco Mundial por um longo tempo. Em assim sendo, os projetos estratégicos darão lugar para as medidas administrativas. Se houver oposição institucional, esta será cada vez mais oposição administrativa, governando dentro das pautas estratégicas condicionantes já acordadas.

Estes são os argumentos relevantes naquilo que parece ser o mote de fundo na soma da corrupção endêmica e estruturante nos partidos tradicionais da velha direita do pago lado a lado com a participação dos herdeiros de Nelson Marchezan pai (PSDB gaúcho) repaginados como neoliberais a serviço do Banco Mundial.

Apontando conclusões

Ao que parece, o governo de Yeda vai tentar resistir de uma forma pouco nova, tentando desqualificar a ação do MPF/RS como atividade político-midiática e sem fundamento jurídico. Agora cabem duas medidas.

– Para os que têm como objetivo frear as tratativas do Banco Mundial no RS, o mais sensato é impor a pauta e largar mão de qualquer reboquismo de bancadas estaduais nos processos de CPI da Corrupção e do Impedimento da governadora. 

– No caso daqueles operadores que se vêem estritamente dentro do campo da legalidade jurídica, é urgente exigir a exceção da verdade e o levantamento do segredo de Justiça, mostrando as provas cabais e contundentes para toda a sociedade gaúcha.

Em ambas as possibilidades a temperatura arderá no caldeirão do Piratini. Para não “pipocar”, me posiciono como sempre. Este analista entende ser legítimo e necessário o acionar dos movimentos populares e dos sindicatos dos servidores contra a intervenção do Banco Mundial no estado. Assim, vejo como importante o impedimento ou queda de Yeda Crusius. Para além da corrupção endêmica (segundo o próprio MPF/RS e as operações da PF), as relações carnais são o abraço do demônio na forma de agiota financista.

Muitos vitoriosos terão o que comemorar se a agiotagem criminal. Um deles, paladino solitário da soberania do Rio Grande peleando contra sua venda num balcão de secos e molhados, encaminhara uma representação contra o empréstimo fajuto e nenhum retorno recebeu das instituições para onde enviou o material e tampouco dos mais de 200 jornalistas profissionais localizados em grandes meios de comunicação da Província. Este absurdo foi narrado por um homem digno e honesto, um só diante dos tanques do capitalismo financeiro e cognitivo, o fiscal de tributos aposentado João Pedro Casarotto. Caso isso venha a ocorrer, esta vitória será de homens e mulheres como João Pedro, trabalhadores do serviço público estadual que tem como orgulho terem passado por um sem número de situações sempre de mãos limpas.

Ainda nas conclusões, entendo que a militância social que estivera na primeira linha em contra o entreguismo e a ingerência externa nos assuntos de soberania devem considerar esta possível vitória como sua e não do proselitismo profissional presente nos holofotes midiáticos. Se e caso o governo Yeda venha a sofrer impeachment, esta vitória tática dos sindicatos e movimentos populares gaúchos se transformaria em vitória estratégica (no sentido estrito) caso fossem suspensas as contrapartidas e metas já acertadas com o Banco Mundial. Esta é a meta digna de ser buscada, e não apenas a derrota de um Executivo sob suspeita de crimes e conivência. 

Este artigo foi republicado (com alterações e novidades) no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

 

 

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