A Votorantim Celulose e Papel é mais um exemplo de como os interesse corporativos são atendidos, sem quase nenhum pudor em transferir renda e recurso para mãos privadas, pelo Estado Capitalista.  - Foto:vcp
A Votorantim Celulose e Papel é mais um exemplo de como os interesse corporativos são atendidos, sem quase nenhum pudor em transferir renda e recurso para mãos privadas, pelo Estado Capitalista.
Foto:vcp

por Bruno Lima Rocha

O Grupo Votorantim que já detinha 84% das ações da empresa conhecida como Aracruz Celulose e Papel, oficializa a incorporação e chama a atenção da mídia de sempre que louva a criação de uma nova empresa. Sim, o nome da gigante da celulose e derivados é Fibria e orgulhosamente as fábricas de sentido desassociados de uma sociedade justa (a chamada mídia corporativa) seguem exaltando a “maior empresa de celulose do mundo”. Nada mal. Para consumir boa parte da água disponível no segundo maior manancial de águas do planeta, teremos sobre o Cone Sul uma malha de deserto verde com vocação para usurpar os recursos naturais não renováveis do Aqüífero Guarani.

A situação beiraria o absurdo se não fosse uma construção de discurso que abafa o volume do problema. Sob o manto das premissas capitalistas mascaradas com valores socialmente construídos a partir da lógica do sistema, vivemos o mundo das hipocrisias e da inversão conceitual. Vejamos o porquê de tanta ira. A Aracruz totaliza uma dívida de R$ 12 bilhões. A desculpa esfarrapada vem sob o eufemismo da “exposição” dos riscos que a empresa correra ao ver-se diante de um cenário inseguro no mercado dos derivativos e do dólar futuro. Pura balela! Compraram papéis podres, jogaram em pirâmides digitais, apostaram em cima de recurso oriundo do financiamento produtivo e aumentaram a quebradeira! Assim como no Congresso Nacional tem acórdão para todos os tipos de crime de colarinho branco, no mundo dos negócios em geral e das finanças em específico, vale tudo desde que ninguém fale um idioma compreensível pelos mortais.

O Grupo Lorentzen, o Grupo Safra através de sua Arainvest, a VCP (subsidiária do grupo econômico da família Ermírio de Moraes) foram para a jogatina descontrolada apostando na roleta com o dólar futuro. O resultado foi igual o da Sadia do ministro Furlan. Veio a quebradeira e os arigós pagaram o pato, entrando por tabela na operação salva vidas através do dinheiro do BNDES, ou do BNDES participações, subsidiária do maior banco de fomento do mundo e especialista em praticar a versão tupiniquim da Reaganomics – Tirar dos pobres para dar aos ricos! Nada disso é novidade e em matéria da excelente Eco Agência (Núcleo de Ecojornalistas do RS, NEJ/RS), datada de 25 de janeiro de 2009 já se expunha o volume da transferência para fins privados do recurso coletivo. Ou seja, do ROUBO por vias legais!

Segundo a Ecoagência, a VCP pôs no negócio o valor de R$ 4,5 bilhões que obviamente estavam subsidiados. Da parte da União, o BNDES entrou com R$ 2,4 bilhões de subsídio – sabe-se lá as condições de pagamento, se é que não acabará indo tudo a fundo perdido depois de várias renegociações – para que um gigante adquirisse a maior empresa “brasileira” de celulose e que estava à beira da falência total. De sua parte, o Banco Safra tirava da frente, informando que não tinha relação direta com a empresa. Quem sim tinha eram apenas os dois irmãos fundadores da casa bancária mui peculiar e outras passagens nebulosas a mais. O Safra, segundo o Valor Econômico de 10 de outubro de 2008 (no olho do furacão de derivativos), este banco de “investimentos” estaria com imagem abalada pela perda da Aracruz de R$ 1,95 bilhão com os ativos tóxicos e outros derivados.

O que a nota do Valor esqueceu de relacionar foi a participação do Safra nas pirâmides do Sr. Madoff, o autor da maior estafa individual da história da humanidade. Luis Nassif nos apresenta a pérola do fundo Safra Zeus (nome inspirador para financistas levantinos), Segundo o Nassif, nem todos dos cerca de uma centena de investidores podem apresentar a origem dos recursos aplicados, que extrapolam e muito qualquer razoabilidade de comprovação de gastos. Enfim, este dinheiro que sumira, tem boa dose de chances de ser do contribuinte e não dos titulares das contas.

Agora o cenário está completo. Sai de vez a Lorentzen e o Banco Safra, entra com tudo a VCP (Votorantim, família Ermínio de Moraes), assume o controle e muda o nome. Isso, mais a ajuda de sempre do BNDES, prova que as relações assimétricas do Capitalismo financiado por seu Estado seguem vivas e fortes no governo de Lula, o ex-dirigente sindical que nunca foi de esquerda. Percebam que eu sequer mencionei até agora detalhes mais técnicos da desertificação de cor verde e outras mazelas. A própria natureza das operações já atesta nosso fundo teórico. O botim se organiza na composição de seu Conselho Diretor, entrando os homens de confianças de Antônio Erminio com quatro vagas de sete, o BNDESPar com dois assentos e o restante bem que poderia ficar para o governo do estado do RS, que tanta força fez para assegurar a incorporação na base do financiamento estatal e cuja orientação estratégica passa pela derrubada da legislação ambiental ainda vigente no estado do Rio Grande do Sul e no Brasil.

Para concluir

Gostaria de me permitir uma ilação, apenas uma. Na 5ª anterior ao assassinato do colono sem terra Eltom Brum da Silva na cidade de São Gabriel (fronteira oeste do RS), a chiadeira geral do latifúndio sob a bandeira de plataforma de exportações de bens primários com tecnologia transgênica era quanto ao aumento do índice de produtividade. Absurdo todos eles gritavam (incluindo na grita os editoriais e falas dos âncoras das mídias corporativas), assim como gritam e esperneiam diante da proposta de aumento da reserva legal. Um dia depois, em 21 de agosto de 2009, Eltom é assassinado com tiros de 12 com balins de chumbo nas costas. Uma semana depois, no sábado 29 de agosto se consuma a aliança financiada com dinheiro do FGTS e outros recursos públicos. A Fibria, que já nasce devendo a R$ 12 bi é isso.

Uma poça de suspeita coletiva cai sobre o modo transacional, sobre os benefícios dados aos CEOs com cargo na nova empresa e a mácula de tentar (seguir tentando) derrubar o código de legislação ambiental mais respeitado do planeta. É óbvio que esta agenda não é marcada por uma conspiração em escala nacional (ainda que esta hipótese nunca pode deixar de ser levada em conta), mas sim por um poder de agendamento e demonstração de forças dos gigantes corporativos.

Mais do que xingar (embora este recurso sempre seja válido), entendo que o dever de ofício dos que vivem para analisar é retirar o véu das premissas e descortinar tanto as indústrias predatórias (como na celulose) como o linguajar supostamente técnico e que atenta contra nossos ouvidos. Esta “compra” de capital da Aracruz por parte da Votorantim é uma vergonha nacional por ter sido financiada pelo BNDES e sem consulta de nenhum tipo para a população contribuinte (e que no fundo sustenta a todo o aparelho de exercício das relações assimétricas).

Temos de abrir a agenda corporativa, traduzir o linguajar “técnico” e pautar o debate em cima das decisões políticas que atravessam nossa vida e pelas quais nunca somos consultados. No que depender deste modesto analista, esse tipo de compra jamais terá existência e convivência pacífica.

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *