Bruno Beaklini (@blimarocha) – janeiro de 2023
Na terça feira dia 24 de janeiro o presidente Lula participou da reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que contou com relevante declaração final. Fundada em 2010, ainda no auge da “maré rosada” no Continente, acumulava o potencial econômico liderado pelo Brasil e Venezuela à época e possibilitaria um importante desenvolvimento capitalista regional. É exatamente este o intuito da política externa da social-democracia brasileira e aponta um paradoxo. Como buscar o multilateralismo e a presença altiva e soberana no Sistema Internacional se a ação do inimigo externo (EUA, Sistema Cinco Olhos, OTAN e o Apartheid Sionista) é tão ou mais perigosa do que o interno, as clássicas oligarquias pós-coloniais convertidas em elites parasitas financeiras?
Neste sentido a unidade latino-americana tem certa semelhança com a projeção de poder pan-arabista entre as décadas de 1950 a 1980. Os processos de independência e libertação não alcançaram a coesão interna necessária para um desenvolvimento soberano, mesmo controlando a indústria do petróleo, com alto grau de nacionalização.
Já na América Latina, o “cansaço do século XXI” é ter de refazer tudo o que foi feito nos últimos vinte anos. Nos trinta anos gloriosos acima citados, o planejamento econômico e as altas taxas de nacionalização da produção industrial garantiram um importante desenvolvimento latino-americano. Washington despejava mais de U$S um bilhão de dólares ano como gasto médio da “Aliança para o progresso”. No presente século, as cloacas jorraram com operações de Lawfare ou no intercâmbio da extrema direita trumpista. E a estupidez também sempre jorra por editorias ou comentaristas de “economia”. Na verdade, não passam de porta-vozes e propagandistas de parasitas financeiros controlando o mercado de capitais, câmbio e papeis de nossos países. Infelizmente, no Brasil ocorre exatamente isso.
A importância do BNDES para a inserção internacional do Brasil
Antes da cúpula Latino-Americana, o mandatário brasileiro teve um importante encontro com o presidente argentino Alberto Fernández. Nestas conversas oficiais, estavam presentes equipes de primeiro escalão de ministérios importantes e lideranças empresariais dos dois países. Algumas metas foram traçadas, passando pela garantia de unidade do Mercosul (considerando a unilateralidade do Uruguai sob governo de centro-direita), o desenvolvimento de uma moeda de uso comum para transações bilaterais (que pode servir de embrião para operações continentais) e a retomada de investimentos do BNDES na região, começando por importante gasoduto argentino e operações no campo de Vaca Muerta.
Era para ser recebido com certo entusiasmo, afinal se trata de uma reaproximação que pode gerar um novo “ciclo virtuoso”. Obviamente, a reação da extrema direita bolsonarista e da opinião publicada por economistas e colunistas da especulação atacaram a iniciativa.
Precisamos de um contraponto. O economista e internacionalista brasileiro de origem palestina, Róbson Carloch Valdez, em um brilhante trabalho demonstra o que os grupos hegemônicos de mídia fazem questão de não difundir. Por mais que o Brasil tenha feito um esforço durante os governos de Lula e Dilma de aplicar uma política externa universalista, as parcerias já consolidadas com economias fortes se mantiveram.
“No que tange aos investimentos diretos, os dados do Banco Central do Brasil mostram que entre os anos de 2010 e 2014 a distribuição de estoque de investimento direto no Brasil (participação no capital) apresentou o valor médio acumulado no período de US$ 577,9 bilhões. Desse total tem-se o seguinte percentual médio acumulado entre os principais países investidores: Estados Unidos (20%), Espanha (12%), Bélgica (8%), Reino Unido (7%), Países Baixos (5%), Japão (5%), Alemanha (4%), Itália (3%), Suíça (3%) e China (25).”
Neste caso, a informação técnica, mas de acesso público acessível através de uma simples conferência aponta a omissão das “editorias de economia”. Beira o absurdo. Em outro trecho, Róbson Carloch demonstra a preocupação dos EUA com a concorrência capitalista contra empresas e instituições brasileiras.
“Assim como já foi evidenciado neste trabalho, a preocupação com a inserção internacional de firmas brasileiras por meio do apoio financeiro do BNDES por parte do governo norte-americano refletiu-se, por exemplo, nos relatórios anuais do Exim Bank dos Estados Unidos ao Congresso Nacional deste país.”
Na sequência Valdez exemplifica a presença da Odebrecht operando um importante setor da indústria açucareira cubana e como este movimento do BNDES, incluindo o correto financiamento de parte das obras de infra-estrutura da ampliação do Porto de Mariel, influenciou na mudança diplomática de Obama ao final de sua segunda administração. Evidentemente a ação gerou revolta na base de exilados cubanos na Florida (conhecidos como gusanos), ampliando os laços da extrema direita em escala continental.
O sistema conjunto de lobbies e forças de pressão dentro dos EUA, incluindo a tecnocracia de carreira e a ocupação de postos-chave no Export Import Bank of the United States (Exim Bank), aumenta o poder de fogo dos inimigos domésticos e imperiais de toda a América Latina. Logo, as acusações de “farra do BNDES” além de infundadas, servem como propaganda da projeção de poder dos Estados Unidos dentro da elite brasileira, prejudicando o país assim como os vizinhos latino-americanos.
Retomando o impulso do início da década passada
Cada um dos itens já mencionados merecia vários artigos e um amplo debate. Reconheço esta necessidade de longa data. Em abril de 2012 escrevia elogiando a retomada de controle nacional na YPF – a petroleira argentina. Dizia que “é preciso entender que os argentinos foram saqueados nos anos ’90, derrotaram um projeto neoliberal através de uma rebelião popular (dezembro de 2001) e exigem medidas de retomada de patrimônio”.
No ano seguinte, em agosto de 2013, me exasperava com o acordo da YPF com a estadunidense Chevron para explorar Vaca Muerta e operar com fracking. Afirmava o óbvio por que: “O contrato também reflete a ausência de pensamento estratégico dos países latino-americanos, em especial os que contam com estatais petrolíferas, como Petrobrás (Brasil), Ancap (Uruguai), PDVSA (Venezuela) e YPFB (Bolivia). A exploração de um campo desta envergadura poderia ser um projeto do Banco do Sul, cujos aportes em julho de 2013 atingem a USD 7 bilhões de dólares, estando a meta em 20 bilhões. Alternativas não faltariam caso os governos de centro-esquerda não reproduzissem a visão colonial sobre nós mesmos”.
Em outubro de 2013 repetia crítica semelhante de falta de integração latino-americana e estratégia de desenvolvimento comum justamente no leilão do Campo de Libra com o modelo de partilha, onde “o consórcio da Petrobrás (40%) tinha na composição a Shell (anglo-holandesa, 20%), Total (francesa, 20%) e duas empresas chinesas, CNPC e CNOCC (cada qual com 20%)”. Evidente que o regime de partilha, onde empresas estrangeiras não perfuram o subsolo marítimo, é infinitamente superior ao puro entreguismo. Ainda assim está distante de ser uma saída permanente.
Passados dez anos, o programa de governo da nova leva de coalizões lideradas pela centro-esquerda está ainda mais lavado. Mas, a urgência do multilateralismo e percepção absoluta que não se pode ficar a mercê da tirania do dólar, de ataques cambiais e da possibilidade de ser desligado do Swift parece mais evidente. A moeda de uso comum (Sur pode ser seu nome), utilizada em contratos de alto volume de investimentos e garantidos por ativos tangíveis (como petróleo e trigo) pode realmente ser uma saída de médio prazo, estruturando as relações Brasil-Argentina e projetando seu avanço para a América Latina.
Cabe observar que qualquer projeto de médio prazo precisa de atenção e alerta constantes para sua consecução. Considerando a meta de sabotagem permanente de oligarcas, parasitas, o Império e seus aliados, teremos uma luta árdua pela frente.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio