13 de setembro de 2009, por Bruno Lima Rocha
Neste artigo de difusão científica na forma de análise política com intenção de câmbio, vou tentar expor algumas perguntas básicas que apontam o conhecimento do terreno, das perspectivas de desenvolvimento organizativo e de inserção social com vistas à radicalização da democracia e do acúmulo de forças para a transformação social no longo prazo. O sujeito coletivo na fala (nós) se posiciona como este que aqui escreve está simplesmente aportando um grão de areia a área da teoria para a ruptura e entende que quem concorda com as premissas deste texto assim também se posiciona. Vem daí a primeira pessoa do plural aqui proferida.
Vou expor aqui dois teoremas do processo de radicalização democrática, afirmações estas que balizam estas palavras em forma de artigo de opinião e todos os demais textos que eu venha a escrever ou sub-escrever. São estes:
Teorema 1: A aplicação da estratégia possibilita o conflito social através da luta popular. Sem organização política finalista não há possibilidade de estratégia permanente, portanto não há planejamento estratégico e nem conceito estratégico. O inverso também é verdadeiro.
Teorema 2: A luta popular constrói Radicalização Democrática e acumula Poder Popular. A democracia se torna substantiva à medida que serve como valor organizacional na acumulação e coordenação de forças pelas maiorias (Poder Popular) e o avanço nas conquistas de direitos, redistribuições, soberania, garantias e liberdades são obtidas através do conflito social organizado.
Um processo não se resume aos episódios isolados
Sigo ressaltando assim a idéia de processo e não de episódio. O processo social é permanente e sistêmico, e é a partir dele que operam as distintas forças antagônicas de uma sociedade. Os marcos visíveis ou discretos do conflito são manifestados dentro do processo o qual o mesmo está inserido. É por isso que afirmo e reafirmo que, no que diz respeito às construções intelectuais no âmbito da incidência política, fora da luta e da projeção da mesma luta, não há teoria e sim fantasia
Partindo desta idéia de processo de longo prazo, temos as mesmas perguntas e hipóteses que as instituições hegemônicas fazem. Tomamos como premissa que o processo de câmbio social que queremos e compreendemos como o único válido tem o movimento popular (o povo organizado por interesse, programa e defesa) como protagonista. Este posicionamento já de cara aponta a negação de vanguardas auto-esclarecidas e a preferência pelo conceito de minoria ativa com intenção militante; a rejeição de liderança carismática como condutoras de “massas” embora se reconheça a existência factual de referentes políticos e a necessidade de obrigar a liderança a obedecer organicamente às vontades coletivas (o mandar obedecendo que afirmam os zapatistas chiapanecos) e, por conseqüência das duas premissas anteriores, a opção anti-estatista e que compreende o Poder Popular como alternativa a qualquer tipo de construção de Estado. Isto se afirma ainda que se reconheça que taticamente é importante defender o patrimônio público das privatizações e que é necessário obrigar o Estado a ser responsivo e atender às demandas sociais por bem ou por mal. Dito isso, apontando o processo de longo prazo, cabem por tanto os seguintes questionamentos:
– Quais são os setores sociais das classes oprimidas cuja organização mínima é uma exigência para ter no processo uma representatividade popular de todas as frações de classe?
– Dentro do mundo do trabalho formal, quais são as categorias de trabalhadores essenciais de serem organizadas? Quais já estão organizadas?
– Quais setores sociais, grupos de identidade e/ou trabalhadores formais têm experiência histórica recente de luta e quais sequer tem esta experiência?
– Destas com experiência recente, a serem organizadas ou a buscar incidência, quais estão sob hegemonia de qual Central Sindical ou setor de movimento popular e quais não?
É óbvio que estas e as demais perguntas não se esgotam por si só. São uma orientação das questões necessárias de serem respondidas e o quanto antes. O mesmo tipo de pergunta tem de ser feita e refeita em relação aos chamados setores sociais, não organizados necessariamente como categoria de trabalhadores, mas onde exista uma latência de rebeldia ou ao menos, tenham causas justas e organizáveis a partir dos agentes sociais aí inseridos. Partindo de algumas observações práticas, podemos ver as respostas válidas. Vamos tomar as observações acima apenas como exemplos.
Estas e outras informações são essenciais para compormos uma hipótese de processo de longo prazo. A questão acima é apenas um recorte do tipo de pergunta a ser respondida. Uma vez alimentados das informações e da vivência real (no terreno social que se quer incidir para organizar), podemos passar ao segundo momento, o de iniciar o desenho de uma hipótese de longo prazo. Iniciamos por aquilo que vemos como necessidade já constituída, que podem ser consideradas também como premissas. No que diz respeito da organização para a luta, estas são as premissas revisitadas:
É necessário um conjunto de agentes organizadores, que tenham interesses irreconciliáveis com a sociedade de classes e de exclusão. A isto se denomina organização política finalista. Portanto, sem organização política (uma ou mais) com a intenção de construir um processo de câmbio não há possibilidade alguma.
Só há processo de Radicalização Democrática, permitindo um câmbio social profundo através de acumulação de forças (Poder Popular) de longo prazo com o povo organizado. É fundamental o protagonismo do povo em luta. As organizações políticas têm de impulsionar as lutas do povo, superando suas necessidades imediatas. Assim, sem movimento popular em condições de combatividade nos seis níveis de incidência (político, econômico, jurídico, social, cultural, e de defesa) tampouco há possibilidade de processo e acumulação.
Para conquistar o apoio das maiorias é fundamental que o conjunto das organizações políticas e movimentos populares (o povo organizado dentro do limite de cada conjuntura) sejam identificados como confiáveis e indo ao encontro com os interesses e imaginário do povo. Portanto a hegemonia de intenção de Poder Popular implica em inserção social no tecido social e produtivo, aumentando o volume de cultivo social nas relações horizontais.
Das formas de organização popular, ainda pelo ângulo da luta e do enfrentamento, passamos a algumas certezas aprendidas com a história do Continente. Considerando que a contestação é parte da luta popular, mas tem a função de apoiar a luta, tomamos como premissa que:
1) Se houver desvio e determinação de excesso de conflito (militarista ou movimentista), o processo de acumulação está natimorto.
2) Só a acumulação de forças por parte dos agentes sociais organizados pode definir o grau de adesão das maiorias.
3) Não há qualquer previsibilidade do nível de repressão a ser empreendido pelos operadores da classe dominante. Se levarmos em conta o nível repressivo em plena democracia representativa, os cenários são previsíveis embora não pré-determinados.
4) É necessário um conjunto de movimentos populares demandando para o Estado e construindo alternativas complementares e paralelas a este. A capacidade responsiva ou não do Estado é o que marca a etapa do processo de radicalização democrática.
Para tomar uma conclusão
O que chamamos neste texto e em outros mais de Radicalização Democrática não é um invento nosso e sim a formalização de um modelo já em voga por minorias ativas latino-americanas e de intenção libertária. Este conceito, o de expandir a democracia e a participação ao máximo tolerável pela tal da governabilidade conservadora e oligárquica, equivale para as lutas sociais e o nível político-social ao de etapa de resistência e de coesão em contra da fragmentação.
Na peleia pela ampliação dos direitos, deve-se passar para o exercício de uma forma de democracia sem representação profissional. Ou seja, a idéia de democratizar a democracia passa por romper com o pacto político liberal-burguês, exigindo do Estado Capitalista, mas ao mesmo tempo, gerando formas de democracia direta, tendo como eixo organizativo o federalismo político. Para isso é imprescindível a incidência e inserção de organizações políticas finalistas no interior dos movimentos constituídos. Do contrário, não há planejamento estratégico que sobreviva ao curto prazo das demandas setoriais. Esta é a forma de gerar uma luta e processo de longo prazo.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas da Unisinos (IHU)