16 de dezembro de 2009, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha
No último domingo dia 13 de dezembro o Chile viveu o primeiro turno de suas eleições gerais. A segunda volta será no dia 17 de janeiro e até lá, E, para surpresa de muitos, poderemos ver uma parte da direita pinochetista voltando ao poder. O candidato deste setor (Coalizão pelo Câmbio), Sebastián Piñera, da Renovação Nacional, RN, aliada do ex-partido pró-Pinochet, União Democrática Independente (UDI), atinge a 44,05% fazendo quinze pontos a mais do que o candidato oficial, o democrata-cristão e ex-presidente Eduardo Frei (PDC-PPD, 29,60%). O Partido Socialista (PS) divide os votos da aliança de duas décadas entre sua própria legenda e o PDC (Concertação), e lança candidato solo. Os números falam por si. Marco Enríquez-Ominami, candidato socialista, fez 20,13% e dividiu o eleitorado governista. A identificação por esquerda sai ainda mais rachada, pois o Partido Comunista (PC) lança um ex-ministro de Salvador Allende, Jorge Arrate, recebendo 6,21% dos votos.
De sua parte a presidente Michele Bachelet ultrapassa os 80% de aprovação, mas não consegue sequer lançar candidatura unificada da aliança de governo. Há quem diga existir uma associação direta entre identificação ideológica e opção de voto. Afirmo que a premissa é falsa, e este caso chileno exemplifica. Michele Bachelet termina o mandato rivalizando com Lula no quesito popularidade. Ao mesmo tempo, a soma dos votos de seu candidato oficial e o de seu partido, juntos, ultrapassariam em apenas cinco pontos os números de Piñera. Outro analista poderia contra argumentar, dizendo que um Executivo popular tende a descolar-se de seu partido ou base aliada. O fato é verdadeiro, mas não costuma ocorrer em sociedades polarizadas como a chilena. Outro fator para a alta votação da Coalizão pelo Câmbio (UDI-RN, base pinochetista) poderia ser o desgaste de um grupo no poder após quase duas décadas. O argumento é igualmente válido, mas não explica a não associação entre voto e noções gerais de idéias-guia (a ideologia em formato difuso).
Uma real possibilidade do alto índice de votação de Piñera se deve à fragmentação do eleitorado, ceticismo e voto útil. O voto fragmentado decorre do PS apresentar candidatura própria, concorrendo por votos similares ou próximos de Eduardo Frei (PDC) pela situação. Ao mesmo tempo, o recado era direto. A Concertação estava com seus dias contados, até porque, sem a legenda de Allende, esta aliança não se realiza. Assim, diante de um novo cenário, os eleitores reforçaram algumas identidades em particular, até porque no Chile o voto é distrital (herança da Constituição de 1980), o que aumenta o localismo e o voto por pautas locais.
A dura verdade é que o ceticismo do chileno médio se dá também pela manutenção das estruturas de poder de Pinochet. Todos os governos após 1990 mantiveram alto nível repressivo aos movimentos sociais, com foco especial na esquerda social e no Movimento Mapuche (indígena). Já as políticas econômicas foram igualmente conservadoras (neoliberais) sem aumentar o nível de emprego formal e menos ainda o poder aquisitivo. Com o terreno preparado, a herança política do ditador já pode reencarnar.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat