A urna do sufrágio delegativo é legitimada pela participação dos partidos de suposta esquerda na farra da democracia de especialistas e profissionais; já nas internas destas mesmas legendas, o mínimo de democracia é visto com desconfiança pelo falso pragmatismo reinante - Foto:uc3m
A urna do sufrágio delegativo é legitimada pela participação dos partidos de suposta esquerda na farra da democracia de especialistas e profissionais; já nas internas destas mesmas legendas, o mínimo de democracia é visto com desconfiança pelo falso pragmatismo reinante
Foto:uc3m

04 de março de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

Qualquer estudo de profundidade que aborde o funcionamento do sistema político terá de debruçar-se sobre uma variável espinhenta. Esta é o nível de democracia interna na vida orgânica dos partidos eleitorais. A origem de tudo é o controle oligárquico das legendas oficiais. Controlados por caciques, pouco ou nada leais ao seu próprio programa, o Brasil parece o lugar ideal para materializar o conceito de oligarquia partidária. Em tese, a exceção desta regra seriam os partidos de esquerda reformista com democracia interna, seguindo o modelo de tipo Frente Popular consagrado na Europa da década de ’30. Neste caso, ao invés de chefes políticos, a divisão interna se daria primeiro por correntes e depois por indivíduos subordinados a estes coletivos. A disputa seria um equilíbrio de forças entre correntes organizadas e os filiados individuais. Se esta norma já fosse internalizada, não seria uma “surpresa” para os correligionários de José Dirceu e Delúbio Soares a postura, a meu ver coerente, de Suplicy.

Mais uma vez o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) opera como catalisador de uma lacuna dos partidos legais. Ao exigir as prévias partidárias para o governo de São Paulo, o simpático e por vezes quase-folclórico Pós-Doutor por Stanford crava os dedos na ferida exposta. Se as definições na interna partidária privilegiarem a opinião dos afiliados, ao invés dos acordos de caciques e cardeais, a vinculação das candidaturas com os programas partidários aumenta. Isto porque, os filiados detêm mais informação do que a média dos eleitores. Assim, abre uma cunha, mesmo que indireta, para o questionamento do pragmatismo eleitoral como sendo a prática consagrada em sua legenda. Infelizmente a indicação dos candidatos a cargo eletivo sair pelo voto militante e não por acordos entre investidores e aliados de ocasião termina sendo a exceção quando deveria ser a regra. E, justiça seja feita, tal prática é generalizada no Brasil.

Nada disso é à toa. Como sabe qualquer estudante de ciclos iniciais de sociologia, toda estrutura é estruturante e tende a reproduzir-se de modo acelerado nas práticas coletivas e condutas individuais. Talvez até exagerando em sua condição de político “original”, o professor de economia da FGV, provoca a estrutura de seu partido depois que a própria cúpula partidária (a qual ele pertence) compreendeu que para ganhar no voto teria de transigir em seu já lavado programa político. O problema é o efeito bumerangue. Suplicy não é um revolucionário, mas demonstra haver entranhado valores de democracia política, entendendo que a institucionalização destes é algo tão ou mais importante do que a vitória na urna. Pelo visto, está indo no sentido contrário do vale-tudo eleitoral que se avizinha.

Há quem diga que uma prévia partidária divide as bases, acirra os ânimos e, faz dos derrotados nas legendas dissidentes políticos. Até pode ser verdade, mas é outro reflexo da estrutura torta que rege a disputa eleitoral brasileira. Uma vez que as agremiações políticas têm registro formal e legal na corte especializada, o Estado poderia induzir o aumento da participação através da obrigatoriedade da consulta aos filiados. Do contrário, estará naturalizado o partido de caciques e a democracia capenga que se apavora diante da opinião qualificada e do engajamento político.

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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