Bruno Lima Rocha – janeiro de 2024 (blimarocha@gmail.com)
Fazer um balanço das relações estratégicas ocorridas no ano de 2023 entre países latino-americanos e o Oriente Médio é uma tarefa que não cabe em um artigo de análise. No texto que segue vamos colocar atenção aos eventos ocorridos na Argentina, Bolívia, Venezuela e o Brasil em âmbito multilateral.
Argentina fora dos BRICS: a maior das derrotas
Em 22 de dezembro de 2023 o recém-empossado presidente argentino Javier Milei reforça em carta oficial o que já havia sido anunciado por sua chanceler, a banqueira Diana Mondino. O primeiro escalão da extrema direita do maior parceiro comercial latino-americano do Brasil anuncia ter “outra orientação em política externa, diferindo do governo anterior de Alberto Fernández”. Ao não aderir como membro pleno do bloco dos BRICS – cuja adesão seria a partir de convite do Brasil – Argentina afirma o maior dano para as relações entre a América Latina e o Oriente Médio. O “novo muro de tijolos” tem uma lógica própria na sua expansão, operando na conta petróleo e através do Sul Global, seria centrado no Oriente Médio.
Os demais novos membros são: Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Com a desistência da Casa Rosada sob orientação neoliberal e colonizada, são cinco países aderentes, os quais quatro com aliança explícita junto aos EUA há pelo menos quarenta anos. Fora o Estado persa, os demais se aproximaram da Casa Branca, tanto no período da Guerra Fria no Mundo Árabe, como após vergonhosas traições ou golpes de Estado, como é o caso de Egito e Etiópia.
Para o “cálculo da desdolarização”, a Argentina não aderir é uma perda considerável. No espaço geográfico latino-americano e especificamente no Cone Sul, perdemos uma chance histórica de inaugurar um fluxo contínuo (mercadoria, novos capitais, financeiros) desdolarizado, balizando contratos em yuan, materializando a nova arquitetura financeira.
Uma das razões alegadas para não aderir ultrapassa o sionismo convencional (hegemômico nas elites políticas argentinas) e o neo-colonialismo (majoritário na classe dominante do país) e vai ao encontro do pior do chauvinismo. Não por acaso, na recusa para aderir aos BRICS alega o fato de que seria impossível entrar em uma aliança com a presença de um inimigo estratégico do Estado Sionista. Milei “estuda” o judaísmo há alguns anos e tenta formalizar sua conversão. Vai ao encontro da aliança da extrema direita estadunidense, o pacto entre neoconservadores e tele-evangelistas (neocon telecon) advindo da década de 1990, no final do governo Bush pai. Javier Milei em sua construção de personagem adere como discípulo do rabino novaiorquino Simon Jacobson.
O ex economista-chefe da empresa Aeropuertos 2000, parte do conglomerado Corporación America (comandado pelo bilionário Eduardo Eurnekian, o quinto mais rico da Argentina) foi projetado por um conjunto reduzido de empresários (Círculo Rojo) e tinha como coordenador de campanha o grente do fundo Blackrock para a América Latina, Darío Epstein. Nas duas visitas à Nova York relizadas por Milei em 2023, líderes empresariais “coincidentemente” também seguidores de Simon Jacobson e sua liderança no movimento Chabad-Lubavitch estiveram presentes. Igual influência operou na escolha da representação diplomática argentina em Washington. Como se não bastasse, Benjamin Netanyahu convidou Milei para visitar os Territórios Ocupados em 1948 sob controle esrangeiro desde então. De sua parte, o novo presidente argentino, tal como Horacio Cartes (sócio do doleiro brasileiro Dario Messer), se comprometeu em transferir a embaixada argentina para Al Quds ocupada.
O rabino que fez Javier Milei “chorar” revelou que:
“Quando uma pessoa ganha uma eleição, além de haver questões de políticas de campanha, há sempre uma coreografia misteriosa. Estes momentos estranhos em que vivemos, com o que aconteceu na Ucrânia e o ataque terrorista do Hamas, é muito raro que um estranho ganhe desta forma e se torne uma figura tão importante”.
Definitivamente a vitória eleitoral de Milei e a ascensão da extrema direita na Argentina implicou na recusa de ingresso como membro pleno dos BRICS, resultano na maior das derrotas para as relações latino-americanas com os países do Oriente Médio.
Bolívia e Irã: uma aproximação estratégica intermediada pela China e Venezuela
Em julho de 2023 os governos da Bolívia e do Irã realizaram uma série de acordos em Teerã e na sequência houve uma visita formal de autoridades iranianas à La Paz. Embora não tenha sido revelado o teor do memorando de entendimento e o cronograma de execução, algumas conclusões já podem ser tomadas. O início das conversações de alto nível se deu entre os presidente Luis Arce e Ebrahim Raesi em uma reunião bilateral no ano de 2022 (setembro) durante a 77a assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
O acordo assinado pelo ministro boliviano da Defesa, Edmundo Novillo Aguilar, e seu homólogo iraniano, e Mohammad Reza Ashtiani, vai além de cooperação em segurança e defesa e inclui desenvolvimento científico. Como é sabido, a indústria aeroespacial e eletrônica do irã é bastante avançada e suas aeronaves não tripuladas (drones) já são utilizadas por 22 países. Considerando que a a Bolívia é rica em minerais estratégicos, incluindo o lítio (sendo parte do Triângulo deste mineral, concentrando 60% das reservas mundiais conhecidas junto a Argentina e Chile), é de se esperar o avanço em cadeias de valor e beneficiando. O mesmo já ocorre no convênio da YLB (Yacimientos de Lítio Boliviano, a estatal específica do país) e a joint venture com o consórcio chinês liderado pela empresa Contemporary Amperex Technology (CATL), com a CMOC Group e Guangdong Bangpu Cycle Technology, também da China.
Desta forma, a Bolívia atrai a atenção – e a vigilância – do Departamento de Estado e do Comando Sul, pela aproximação a economias fortalecidas na Ásia e Eurásia e a determinação de gerar indústrias de beneficiamento em áreas estratágicas, como em minerais raros. Outro fator importante na relação entre o governo Arce e o Irã e a tradição de ambos na indústria petrolífera, podendo implicar em futuros acordos entre a YPFB (estatal de petróleo e derivados boliviana) e sua correspondente iraniana, a NIOC.
Relações entre Venezuela e Turquia
Outra importante aproximação entre a América Latina e o Oriente Médio se deu através do incremento das relações da Venezuela com a Turquia. Em junho de 2023 o mandatário venezuelano Nicolás Maduro realizou uma visita oficial e teve reuniões de alto nível em Ancara, junto a Recep Tayyip Erdogan.
Segundo a agência oficial turca TRT, na conferência de imprensa conjunta realizada na capital turca, Erdogan disse que seu país “sempre apoiou a Venezuela” e que “continuará a fazê-lo no futuro”. Observou também que há muitos domínios em que ambos os países podem aumentar a sua colaboração, incluindo comércio, energia, mineração, construção, saúde e turismo.
“O nosso volume de comércio com a Venezuela foi de cerca de 150 milhões de dólares em 2019. Duplicámo-lo em 2020 e aumentámos para 850 milhões de dólares em 2021”, disse Erdogan, acrescentando que o objetivo do seu governo era aumentar este valor para 3 bilhões de dólares num futuro próximo. Em 2023, tal meta foi alcançada.
Os dois líderes estiveram presentes na cerimónia de assinatura de três acordos bilaterais sobre turismo, agricultura e economia antes da conferência de imprensa. No giro de Maduro pelo Oriente Médio também incluiu uma visita à Arábia Saudita. Ambos Estados têm uma proximidade histórica em função de serem membros plenos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP)
Adesão do Brasil ao grupo OPEP +, coordenado pela Rússia e aliado da OPEP
No final do mês de novembro de 2023 outro movimento das relações estratégicas entre a América Latina e o Oriente Médio se deu através de uma iniciativa multilateral. Após a garantia de ingresso de produtores de petróleo e derivados como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã (além da Etiópia, Egito e o recuo da Argentina) ao bloco dos BRICS, o convite veio no sentido inverso.
O Brasil foi convidado a aderir ao consórcio OPEP +, composto por Rússia, México, Casaquistão, Omã, Azerbaijão, Malásia, Bahrein, Sudão do Sul, Brunei e Sudão. Junto aos membros da OPEP (além dos novos aderentes aos BRICS, inclui Venezuela, Congo, Gabão, Guiné Equatorial, Líbia, Argélia, Nigéria, Angola e Kuwait), ambas alianças controlam o volume de produção e preços dos barris de óleo cru, lutando permanentemente contra os índices especulativos dolarizados (o Brent e o WTI). Com a entrada do Brasil, a posição dos Estados Unidos fica muito enfraquecida e o consórcio OPEP e OPEP + pode ampliar suas operações sem o uso do dólar, conforme definição estratégica dos BRICS.
Linhas conclusivas
O movimento pendular da política externa junto a América Latina de países do Oriente Médio membros dos BRICS, OPEP ou pivôs geopolíticos como a Turquia implica em grande oportunidade de desenvolvimento de novas cadeias de alto valor agregado assim como a conversão de excedentes em avanço técnico-científico. Este é o pêndulo positivo.
Por outro lado, o jogo de força contra o sionismo e a projeção de poder dos EUA no Oeste da Ásia é colocado no centro das atenções latino-americanas, sobrepondo as iniciativas do Império para a América Latina, podendo inaugurar uma nova etapa de golpes de Estado, operações de Lawfare, espionagem e desestabilização de nossas sociedades. O destino do século XXI está em jogo em nossa região.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio