Bruno Beaklini e Ahmad El Zoubi – fevereiro 2024
Se algum desavisado ler portais da mídia brasileira vai chegar à uma conclusão equivocada. A de que estamos em uma crise dimplomática sem precedentes entre o Brasil e o Estado Sionista.
O suposto escândalo internacional teria sido iniciado após a declaração do presidente brasileiro, em entrevista coletiva na cidade de Adis Abeba, capital da Etiópia. Pouco antes do retorno de sua viagem ao continente africano e onde participou como convidado da 37a reunião de cúpula da União Africana. Luiz Inácio Lula da Silva respondeu a uma pergunta delicada comparando – apropriadamente – o holocausto judeu promovido pela Alemanha nazista com o genocídio palestino perpetrado pelo Apartheid Sionista.
A mídia brasileira repercutiu muito, quase como uma extensão das relações públicas de Tel Aviv. Mas em levantamento realizado 24 horas após a fala do mandatário brasileiro – a repercussão “mundial” – comprova o oposto.
As empresas de mídia dos EUA, CNN, NBC, MSNBC, Washington Post e New York Times simplesmente nada falam sobre o tema. Já os veículos de comunicação mais respeitados da Europa, como Frande 24 (França), BBC (Reino Unido), RAI (Itália), DW (Alemanha) e RTVE (Espanha) tampouco publicam sobre o assunto. Na mídia sionista produzida na Palestina Ocupada, o Haaretz ignorou o tema já a partir da 2a 19/02 e o Jerusalem Post publicou uma manchete de terceiro nível, sem dar muito destaque. A mais importante mídia árabe em língua inglesa, a Al Jazeera, deu destaque de capa, mas na subseção América Latina. Apenas a versão em língua portuguesa da alemã da DW e a mídia portuguesa da RTP repercutem como manchete secundária na capa de seus portais.
Horas antes o jornalista Leandro Demori publicava corroborava que: “Neste momento: Quantidade de jornais pelo mundo que destacam a fala do Lula em suas capas (NY Times, Washignton Post, La Repubblica, Guardian etc): zero. Quantidade de líderes que apoiaram Netanyahu ou repreenderam a fala de Lula: zero. Esse é o tamanho da “crise diplomática”.
O próprio repórter e colunista do ICL e ex-Intercept Brasil afirmava algo bastante lúcido: “Lula chegou atrasado no assunto. O genocídio acontece há meses. Os métodos estão expostos há meses. A minha crítica ao Lula é justamente essa: o Brasil demorou pra tomar uma postura mais firme e sem meias palavras.”
Na mesma segunda 19 de fevereiro o presidente Lula chama de volta o embaixador brasileiro nos Territórios Ocupados de 1948 (“Israel). A nota foi dada por diversos jornais brasileiros, incluindo a relevante colunista Monica Bergamo, da Folha de São Paulo.
No mesmo dia, a primeira dama do país, Janja da Silva, com forte presença nas redes sociais, defendeu o presidente no antigo Twitter afirmando que:
“Orgulho do meu marido que, desde o início desse conflito na Faixa de Gaza, tem defendido a paz e principalmente o direito à vida de mulheres e crianças, que são maioria das vítimas. Tenho certeza que se o Presidente Lula tivesse vivenciado o período da Segunda Guerra, ele teria da mesma forma defendido o direito à vida dos judeus. A fala se referiu ao governo genocida e não ao povo judeu. Sejamos honestos nas análises. Perguntei certa vez a uma jornalista por que a imprensa não divulga as imagens do massacre em Gaza, ao que ela me respondeu: ‘porque são muito fortes as imagens das crianças mortas’. Se isso não é esconder o genocídio, eu não sei o que é.”
A chamada “grande mídia”, conforme denuncia a própria Janja, trata a ofensiva militar iniciada como resposta da operação liderada pela resistência palestina em 07 de outubro de 1948 como uma “guerra”. Longe de ser verdade, o conflito é assimétrico e toma como refém a população da Palestina Ocupada em 1967 através do financiamento dos Estados Unidos para o Estado Sionista implantado nos Territórios Ocupados em 1948. Considerando que a superpotência teria enviado no mínimo – desde outubro de 2023 até fevereiro de 2024 – USD 15 bilhões de dólares, logo, se trata de genocídio. A expulsão de população inteira da faixa litorânea – limpeza étnica, pogrom – para a Península do Sinai é a meta estratégica já anunciada pelo gabinete de Netanyahu,
Já a alegada “oposição moderada”, comandada pelo carniceiro de Gaza, o general da reserva do Apartheid Benny Gantz pronunciou um ultimato ao Hamas e disse que a organização político-militar tem até o dia 10 de março de 2024, início do Ramadã, para libertar reféns. Caso contrário, o Estado Sionista irá aumentar os ataques, incluindo um avanço em Rafah, cidade que os palestinos usam para deixar a zona de conflito.
“O mundo deve saber, assim como os líderes do Hamas: se até o Ramadã nossos reféns não estiverem em casa, os combates continuarão em todo lado, incluindo em Rafah”, disse Gantz.
Em companhia do próprio Benyamin, a amaeaça macabra foi diante de seus principais lobistas e financiadores, A declaração foi dada na Conferência dos Presidentes das Principais Organizações Judaicas Americanas, um guarda-chuva dos grupos pró-Israel que atuam nos Estados Unidos.
Gantz e Netanyahu competem para ver quem eleva o tom das ameaças e o embate diplomático segue. O embaixador do Brasil nos Territórios de 1948 foi convocado pelo chanceler de Netanyahu (Israel Katz) para uma reunião de reprimenda, realizada em pleno Museu do Holocausto. Na sequência o ministro das relações exteriores Mauro Vieira chama o embaixador israelense para uma conversa de tom duro e convoca o diplomata nacional, Frederico Meyer, de volta para Brasília.
A agenda política brasileira pauta a mídia do país
A franquia da CNN Brasil, sob controle do empresário de construção civil Rubens Menin (presidente da MRV Engenharia e investidor do Clube Atlético Mineiro), exagera na repercussão afirmando que “improviso levou Lula à fala desastrosa”, reproduzindo alguns diplomatas. A organização de mídia que era simpática ao bolsonarismo também publicou na base do fontismo “Fontes diplomáticas israelenses ouvidas pela CNN pontuaram que Israel foi atacado por terroristas, que mataram pessoas e fizeram reféns, gerando uma reação que provocou a guerra em Gaza”.
Já a Bandeirantes, sob controle da família árabe-libanesa Saad, afirma que o mandatário brasileiro deve “diminuir o tom mas não pedir desculpas”, segundo o diplomata Celso Amorim, ex-chanceler e assessor especial para assuntos internacionais. O portal de O Globo, G1 – sob controle da família Marinho – insistiu na classificação do presidente brasileiro como “persona non grata” vinda do Apartheid Sionista na Palestina Ocupada. No domingo a TV Globo pôs uma absurda gravação do agente sionista André Lajst de dentro de um carro, normalizando a ocupação e a guerra de extermínio em Gaza e a limpeza étnica na Cisjordânia. O portal R7, cujo conglomerado está sob controle de Edir Macedo, líder neopentecostal da Igreja Universal e apoiador incondicional do sionismo expôs a reunião do presidente brasileiro com assessores diretos, como forma de tentar controlar o embate diplomático com o Estado sionista.
Quem mais acertou foi o colunista do Estadão, Bruno Soller. Em uma pesquisa – outra dentre várias – aponta que Lula tem rejeição em 91% de evangélicos. O próprio termo-conceito está generalizando, já que entre as denominações protestantes tradicionais, o pentecostalismo importado dos EUA e o neopentecostalismo inventado no país não formam necessariamente uma unidade político-religiosa. Ainda assim, há uma maioria de líderes neopentecostais aliados do sionismo e da extrema direita.
Na tarde de 2a feira, Fábio Wajgarten, o ex-secretário de comunicação do neofascista e ex-presidente Jair Bolsonaro publica uma nota de repúdio assinada pelo autodenominado “pastor” Silas Malafaia (propagador de fake news). Assinam a nota contra a fala do presidente Lula o Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil (CIMEB), cuja página está totalmente desatualizada e conclama que “ministros do evangelho (pastores, evangelistas e missionários) se afiliem por R$ 50,00 ao ano, o equivalente a USD 10 dólares ao ano. Vale ressaltar que a página cobra valores de 2018, justamente o ano em que Bolsonaro foi eleito com o apoio dos sionistas.
No Brasil, a fala de Lula repercute como elemento de agitação pela extrema direita e indignação seletiva de entidades judaicas, como a própria Confederação Israelita Brasileira (CONIB) e sendo aproveitada pela ala política do bolsonarismo. O tema seguirá tendo validade na disputa pela hegemonia brasileira, tanto no campo cultural (ideológico) como no posicionamento do Estado brasileiro diante do genocídio sionista contra o heróico povo palestino. Definitivamente, o país entrou na rota de colizão contra o sionismo.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio