Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com / @blimarocha) – março de 2024
Desde que assumiu seu terceiro mandato como presidente da república, Lula está muito ativo na chamada diplomacia presidencial. A meta é manter a política externa do país na linha “altiva e soberana” e “independente”. Desta forma, a reaproximação com o chamado Sul Global caminha lado a lado com o aumento do número de países membros dos BRICS (com a infeliz desistência da Argentina sob desgoverno da extrema direita) veio junto da Presidência rotativa do grupo dos vinte países mais ricos e a relação profícua com a União Africana (membro do G20 por convite do Brasil e da Índia).
A realização do encontro anual da conferência no Brasil é sinal de reconhecimento e atrai ainda mais a atenção dos poderes fáticos do planeta para nosso país. Como se sabe, nas relações internacionais, a projeção de poder (no caso brasileiro, brando, cultural, diplomático e econômico) é acompanhada de ameaças (domésticas, externas e transnacionais) ainda mais ameaçadoras. Vejamos a dimensão do G20 e tudo o que está em debate.
O G20 no Brasil
A cidade do Rio de Janeiro será sede, nos dias 18 e 19 de novembro de 2024, da Cúpula do G20, com a presença de chefes de Estado e Governo das maiores economias do mundo, e se prepara para receber várias reuniões temáticas durante o ano que vem. Tivemos em fevereiro o evento preparatório.
Para a realização de novembro, no Rio de Janeiro, a previsão é de ao redor de 20 reuniões ministeriais, mais de 50 reuniões de vice-ministros e altos funcionários, além de dezenas de eventos paralelos, como seminários e visitas técnicas. É realmente impressionante a pujança da presença internacional no evento.
O G20 é considerado o principal foro mundial de cooperação econômica e financeira internacional. Os membros do grupo respondem por mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, por 75% do comércio global e 60% da população do planeta. O grupo foi criado em 1999 em resposta à crise financeira asiática e suas consequências internacionais. Na época, reunia apenas ministros de finanças e presidentes de bancos centrais. Em 2008, para enfrentar nova crise financeira internacional, passou a ter o formato atual, ao nível de chefes de Estado e de governo.
Cabe compreender como o Grupo dos 20 países mais ricos do mundo modificou a sua configuração, ampliando as potencialidades da instância. Não por acaso, 2008 foi o ano mais importante para a chamada “farsa com nome de crise” ou o estouro da “bolha imobiliária” dos Estados Unidos e que veio a “contaminar” o sistema financeiro europeu. A mudança do perfil do G20 veio da necessidade de ampliar a capacidade de governança dos Estados diante das elites especulativas ocupando postos-chave nas principais instituições financeiras e operando muitas vezes nas sombras da lei – como no mercado de derivativos e nas operações de “shadow banking”. Controlar o crime financeiro, em geral cometidos pelos próprios mandantes de bancos e instituições afins, é uma das metas (alegadas) da conferência.
Os países participantes são África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além da União Africana e da União Europeia. Ademais, países e organizações internacionais convidadas pelo anfitrião também participam do G20.
Neste caso o Brasil convidou Angola, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega, Portugal e Singapura. As instituições internacionais convidadas, com ênfase na área de finanças (uma das trilhas do encontro) foram o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD, também conhecido como “Banco Mundial”), a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (UNESCO), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Importante observar o convite brasileiro para países membros do BRICS após a sua ampliação (caso de Emirados e Egito) e a própria instituição financeira do bloco, o chamado Banco dos BRICS (NDB), hoje sob presidência da economista Dilma Rousseff.
Reuniões preparatórias e trilhas
Destacamos que a instância se divide em duas “trilhas”. Uma, chamada de trilha sherpa (na alusão aos trabalhadores do Himalaia), e é organizada pelos emissores pessoais dos chefes de Estado. Para esta preparação os chanceleres dos países membros e convidados pelo Brasil se reuniram no Rio de Janeiro, nos dias 21 e 22 de fevereiro.
Nesta trilha estão agregados 15 grupos de trabalho:
Agricultura; Anticorrupção; Comércio e Investimentos; Cultura; Desenvolvimento; Economia Digital; Educação; Empoderamento de Mulheres; Pesquisa e Inovação; Sustentabilidade Ambiental e Climática; Emprego; Transições Energéticas; Redução do Risco de Desastres; Turismo e Saúde.
Também estão incluídas nesta trilha as forças-tarefa: Mobilização Global contra a Mudança do Clima e a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Na trilha se realiza a Iniciativa de Bioeconomia, um dos pilares da Presidência rotativa do Brasil à frente do G20. Esta se estrutura em três eixos temáticos: ciência, tecnologia e inovação; uso sustentável da biodiversidade; e o papel da bioeconomia na promoção do desenvolvimento sustentável:
Ciência, tecnologia e inovação para a bioeconomia; Uso sustentável da biodiversidade para a bioeconomia; O papel da bioeconomia para a promoção do desenvolvimento sustentável. O MRE (Itamaraty) coordena o grupo que desenvolve esta relevante temática.
A outra vertente é a Trilha de Finanças que trata de assuntos macroeconômicos estratégicos e é comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros. A coordenadora da Trilha de Finanças é a economista e diplomata Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. As autoridades monetárias e os titulares das pasta da Fazenda de Estados membros e convidados pelo Brasil, se reuniram em São Paulo, nos dias 26 e 27 de fevereiro deste ano.
São sete grupos técnicos da Trilha de Finanças, além de três forças-tarefa:
Assuntos do Setor Financeiro; Arquitetura Financeira Internacional; Economia Global; Finanças Sustentáveis; Inclusão Financeira; Infraestrutura; Tributação Internacional. As forças-tarefa são: Aliança Global contra a Fome e a Pobreza; Força-tarefa Conjunta de Finanças e Saúde e Mobilização Global contra a Mudança do Clima.
A multipolaridade passa pela presença brasileira no Sistema Internacional
Como é possível observar, o conjunto das trilhas de debate, forças-tarefa e iniciativas é proporcional ao tamanho e o poder dos Estados membro, incluindo EUA e China. A presença brasileira é importante, mas pode ser fortalecida através de instituições internacionais, como o capital nacional que compõe o NDB e a participação em conselhos de organismos multilaterais importantes. Os recursos próprios do Estado brasileiro passam necessariamente por fortalecer a capacidade de investimento como banco de exportação do BNDES. Além da diplomacia através do corpo de carreira do Itamaraty, o país precisa de uma defesa proativa, ou ao menos diminuir a “porosidade” e a exposição das fragilidades domésticas (como a duvidosa lealdade do alto comando das Forças Armadas e a espinha dorsal da Agência Brasileira de Inteligência, ABIN).
Um caminho que pode ser relevante é ampliar o debate internacional dentro do debate doméstico, desassociando a análise do jogo de poder mundial tanto da manipulação sionista como da estupidez difundida por seus aliados bolsonaristas. Vamos dar seguimento nesta observação analítica e sua necessária divulgação.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio