Bruno Beaklini – junho 2024
O Chile vai subscrever a demanda de acusação da África do Sul contra o Estado de Israel. Na cerimônia de prestação de contas – o ritual político de “accountability” do sistema político chileno – Gabriel Boric anunciou que seu país fará parte do processo movido pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ) reforçando a acusação de genocídio.
O discurso do ex-líder estudantil buscou o chamado “equilíbrio” político. De um lado, o chefe de Estado lamentou a situação catastrófica em Gaza e, ao mesmo tempo, exigiu a libertação dos reféns que o Hamas mantém. Durante a prestação públicas de Contas (comunicado ao povo e ao congresso), anunciou que seu país reforçará a equipe de juristas sul-africanos em Haia.
Boric foi enfático, ao afirmar que é necessária uma resposta firme da comunidade internacional. “Decidi que o Chile se tornará parte e apoiará o caso que a África do Sul apresentou contra Israel perante o Tribunal Internacional de Justiça em Haia, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio. Ordenei às equipes do Ministério de Relações Exteriores que preparassem um documento com nossos argumentos”.
No comunicado, o jovem mandatário que também é advogado, torna explícita sua principal preocupação:
“Nunca deixaremos de nos sentir indignados com as ações indiscriminadas e absolutamente desproporcionais contra civis inocentes, especialmente mulheres e crianças palestinianas, que o exército israelita está a levar a cabo.”
A posição do sionismo presente no Chile
Uma vez conhecidas as palavras do presidente chileno, o embaixador de Israel no Chile, Gil Artzyeli, reagiu através de um comunicado público na rede social X, controlada por Elon Musk.
“A Câmara dos Deputados do Chile rejeitou um projeto de resolução que procurava condenar o ataque do Hamas a Israel, cometido em 7 de outubro. A iniciativa contou com o voto a favor de 46 parlamentares, mas teve 34 contra, da FA e do PC, e 15 abstenções, e por não ter obtido o quórum exigido foi rejeitada”, alegou o embaixador.
Seguindo essa linha, o diplomata indicado por Netanyahuafirmou que “a ofensiva de Outubro de 2023 foi o pior massacre sofrido pelo povo judeu depois do Holocausto” e questionou que “continuam a atacar-nos por nos defendermos para evitar mais um massacre”. Assim, o representante do Apartheid reafirma o suposto direito do Estado Sionista de promover limpeza étnica e um pogrom televisionado ao vivo e a cores.
O mesmo embaixador se coloca como um agitador da extrema direita dentro do Chile, demandando contra a mobilização de estudantes que acusam professores sionistas de fazerem pregação do genocídio palestino. Na troca de palavras e a guerra semântica, Artzyeli confunde, propositadamente, sionismo com o exercício da fé judaica. Vejamos.
Alunos do Universidade Metropolitana das Ciências da Educação (@umcecl) pedem a demissão de professores judeus que “transgridem o nosso espaço universitário”. Goebbels não poderia ter dito melhor.
Gil reforça o estereótipo da hegemonia sionista, sequestrando todo o judaísmo.
Como ser abertamente antissemita pode causar um ligeiro desconforto, em vez de os chamarem de “judeus”, chamam-nos de “sionistas”. O sionismo é o direito à autodeterminação do povo judeu, que os estudantes negam na sua carta, embora ainda não tenham sugerido uma solução final para os judeus.
Diante dos crimes de guerra e da constante violação do direito internacional, Artzyeli volta com a alegação de “antissemitismo” para justificar o massacre a céu aberto financiado pelo Tesouro dos EUA.
A comunidade palestina no Chile e a posição diante do anúncio do presidente Boric
No Chile se localiza a mais potente e volumosa comunidade palestina da América Latina, com maioria absoluta composta de cristãos do oriente (a imigração foi concomitante a síria-libanesa para a Argentina e a maioria maronita libanesa para o Brasil) e ainda assim tem dificuldades em se posicionar de forma mais enfática a favor da libertação da Palestina. Esse gesto do presidente Boric pode ser uma inflexão importante, diante do lobby sionista e a ação de propaganda dos grupos de mídia.
A antiga Federação Palestina do Chile, autodenominada Comunidad Palestina de Chile, prontamente se manifestou elogiando a posição do presidente.
“Sob muitos aplausos, o presidente @gabrielboric anunciou a adesão do Chile à reclamação da África do Sul no Tribunal Internacional de Justiça (#CIJ). Agradecemos ao Chile por este anúncio e por manter ao longo dos anos uma posição de acordo com a legalidade internacional e de apoio às reivindicações legítimas da Palestina.”
Logo na sequência, emitiu um sóbrio mas contundente comunicado, afirmando:
“A Comunidade Palestina do Chile expressa seu mais profundo agradecimento ao governo do Chile por seu respaldo à demanda apresentada pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ). Esta ação reflete de maneira exemplar a coerência da política do Estado chileno, fundamentada no cumprimento do direito internacional, assim como a promoção e respeito aos direitos humanos e do direito internacional humanitário”.
Uma estranha “coincidência”
A justiça chilena ordenou na segunda-feira a prisão preventiva por alegação de crimes de corrupção contra Daniel Jadue, ex-candidato presidencial e uma das principais figuras do Partido Comunista do Chile, partido que compõe a coligação governamental. Jadue, prefeito do município de Recoleta, no norte de Santiago, foi acusado de suborno, administração injusta, fraude fiscal e suposta fraude na administração das chamadas “Farmácias Populares”, que promoveu como competição contra as cadeias comerciais de venda de medicamentos.
A juíza Paulina Moya emitiu a prisão preventiva após avaliar que a liberdade de Jadue “é perigosa para a segurança da sociedade”, em linha com o solicitado pelo Ministério Público. A defesa do ex-prefeito, que pode recorrer da decisão para o Tribunal de Recurso, sustenta que o caso se enquadra numa perseguição política. O próprio Jadue indicou na rede social X, de propriedade do apoiador do sionismo, Elon Musk.
“Me julgam pela nossa gestão transformadora. Não tenho um único peso no bolso, mas eles me dão a maior punição. Apelaremos para esta medida desproporcional!”
Daniel Jadue, além de militante, sociólogo e arquiteto e ex-candidato a presidente, é de origem palestina e um defensor de primeira hora da libertação da Grande Cananeia contra os invasores europeus. A iniciativa das Farmácias Populares é muito positiva para minorar preços e atender a população mais carente, ainda mais se tratando de um sistema de saúde ainda herdeiro do arranjo pós ditadura de Pinochet (1973-1990). Ao mesmo tempo, entra em choque concorrencial contra outra cadeias de distribuição de medicamentos, no caso, as que se propõem a lucrar com a doença da maioria.
As datas são “surpreendentemente” próximas. O anúncio de Boric de que o Chile iria aderir ao acionar da África do Sul na CIJ se deu no sábado 1o de junho. Já a prisão deste referente político árabe-chileno ter sido realizado na segunda 04 de junho não parece ser somente uma “coincidência”. A luta pela libertação da Palestina se torna – definitivamente – parte da conjuntura chilena.
Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio