06 de julho de 2010, da Vila Setembrina do Continente de São Sepé, Bruno Lima Rocha
Nesta nova série, faremos o exercício de formulação teórica, propondo um método de análise estratégica aplicável no modelo de organização política de minoria e de estrutura federalista que tem como atividade-fim o objetivo estratégico narrado até aqui nos artigos anteriores. Ou seja, a construção do poder do povo organizado mediante a radicalização da democracia em todos os níveis. Vale observar que esta séria nova representa um acúmulo de formulação, exercício, prática, incidência e docência na área da formação política e da educação popular que já completam dez anos ininterruptos. Deste momento até o fim da série, ressalto que os conceitos são de autoria própria.
Categorias para fazer análise de conjuntura com intenção de e acumulação e câmbio
Uma análise pode ser de conjuntura (de momento), de médio, longo prazo ou comum outro tipo de recorte. Mas, sem estipularmos quais categorias utilizamos e consideramos importantes, não dá prá fazer análise alguma. De forma didática e simplificada, vamos listar aqui as categorias fundamentais utilizadas neste trabalho:
Processo Histórico:
Conjunto de transformações estruturais, mudanças ou alterações e o sentido em que se dirigem.
Etapa:
Período histórico com um intervalo de tempo pequeno, caracterizado por algumas mudanças em determinadas estruturas sociais. O que se define são as variáveis táticas e/ou estratégicas (de tempo restrito) no processo histórico que distintos agentes podem estar redirecionando.
Considerações:
Em função da etapa do sistema, conforme suas características, um coletivo define sua atuação. A etapa do agente dominante, portanto, é importante na definição da esquerda com intenção de câmbio. Isto se chama interação estratégica.
A mudança de etapa se dá quando os agentes sociais que operam na sociedade avançam ou recuam, em ofensiva ou defensiva, mas sem alterar a estrutura de dominação. Se mudar a estrutura da sociedade, aí, não mudou a etapa somente, mas sim o Processo Histórico.
Estrutura:
São as partes mais consistentes e estáveis de um sistema social. São as formas que organizam o convívio coletivo. Daí que podemos dizer que a sociedade está estruturada.
Conjuntura:
Manifestação da estrutura, instituições e dos agentes sobre esta, em uma determinada realidade durante um período de tempo estipulado (geralmente as análises conjunturais são feitas no momento exato em que se vive). Não se pode analisar um cenário conjuntural sem necessariamente ter um cálculo do tempo de validade desta análise (ex: qual a estimativa do tempo que este cenário vai ficar sem ser alterado).
Cenários Conjunturais:
É o momento vivido, mas que é necessário fazer um recorte da realidade para poder interferir sobre ela. São 3 recortes simultâneos no mínimo. Um é o recorte temporal, ou seja, o período ao qual nos referimos. Podemos dizer que o período de tempo estipulado pode partir do próprio planejamento (Curtíssimo Prazo = 2 anos; Curto Prazo = 4/5 anos; Médio = 8 a 10 anos e Longo = 12 a 16 ou mais), ou que se está analisando a Conjuntura do mês, do bimestre, do trimestre e assim em diante. Também podemos afirmar que analisamos o planejamento de algum outro agente (pode ser outro partido político, pode ser uma instituição de dominação), e aí se utiliza o recorte de tempo que este outro agente estipulou.
Outro recorte necessário é o do espaço geográfico. Ou seja, qual terreno estamos analisando. Tanto podemos analisar a conjuntura de uma região da metrópole (ex. a Restinga), como podemos tentar analisar o Rio Grande do Sul como até nos uma análise da Guerra contra o Iraque. Simplesmente não dá para fazer política fora do Tempo e do Espaço, portanto estes dois recortes são fundamentais.
Conflito: Choque entre forças sociais (agentes sociais incidindo sobre sujeitos sociais = setor ou setores de classe organizados) pelo controle de um ou de alguns objetos de disputa (alvos, interesses, espaços, algo para conquistar). Os objetos podem ser bem variados: dinheiro, recursos naturais, opinião pública, alimentos, energia, entre outros.
Poder: É a relação que está por trás das estruturas. É o que constrói e dá estabilidade e consistência para as mesmas. O poder quase sempre se origina de uma relação de conflito, desta forma, poder é o ato de imposição da vontade, das intenções de um agente sobre o outro. Imposição esta que pode gerar resistências. As formas básicas das relações de poder trabalhadas no documento são:
exploração x dominação
O conceito de exploração remete a uma leitura em que predominantemente é abordada a relação patrão x trabalhador / empregador X empregado. Ou seja, lê-se a dominação apenas segundo o aspecto econômico. Hoje, sabemos, há uma série de sujeitos sociais – desempregados, trabalhadores precarizados e informais – que mostram a superação de uma leitura economicista da realidade.
Utilizar o conceito de dominação vai além do nível econômico, pois considera-o apenas um dentre vários níveis de dominação. Ou seja, a categoria de exploração está dentro de uma categoria mais abrangente, que é a de dominação.
poder x opressão
O Poder e a Opressão são indissociáveis? No Poder Hierárquico, sim. Ele amplia-se à medida que gera dependência, alienação e exploração econômica. No Poder Popular, não. Porque se expande através de livre-associação, autogestão e independência de classe.
O Poder quase sempre é resultante de uma situação de conflito e/ou hegemonia. Forças sociais com interesses antagônicos disputam espaço. Aquela que mais expandir sua força social em detrimento da força social antagônica é quem tem o Poder. Podemos chamá-las de Dominante e Dominada, respectivamente. O Dominante, atualmente, permanece nessa posição através da estruturação da relação de domínio. Para isso, são criadas instituições que visam a cristalizar o Poder e, portanto, a posição das forças sociais.
poder e resistência
Consideramos que há, sim, Poder sem Resistência, se entendermos por Resistência, não uma ação individual, espontânea, esporádica, mas sim o esforço coletivo de um ou mais agentes sociais, que realmente configure uma resposta ao Poder, uma força social em disputa com a força social dominante. Sendo assim, concluímos que o Poder é “imposição que pode gerar resistência”, mas que isso não necessariamente acontece.
Agentes: São as associações de pessoas que incidem no nível político (agentes políticos) e político-social (agentes sociais) para atingir a seus objetivos e vontades políticas além dos interesses materiais. Uma idéia mais ampla pode classificar como agente, em diversos níveis: social, político, militar, econômico, jurídico, religioso, cultural, entre outros Estes âmbitos ou níveis de análise não são totalmente separados e o recorte é apenas para intervenção.
Sujeitos Sociais: São os setores e segmentos da classe como um todo. Dentro destes, incidindo sobre os sujeitos sociais, estão os agentes que os tentam organizar ou controlar.
Ator(es): Podem atuar em vários níveis (ex: político, político-social, militar, etc.). São os indivíduos que incidem mais que nada a partir de sua perspectiva individual/pessoal. Um exemplo clássico é uma liderança cristalizada, tipo chefe político.
Comentário final
Espero, com toda sinceridade, que a difusão destes conceitos e o amparo de rigor aqui estabelecido possam equivaler a um tijolo a mais no mutirão de esforço conjunto para construir uma teoria de democracia política com justiça social e amplitude de direitos individuais e coletivos. Não existe prática política sem prática teórica. Nesse sentido, todo e qualquer ato de contribuição para o acúmulo deste conhecimento e sua necessária aplicabilidade sempre será de grande valor e necessidade. Nesta série consta meu modesto, mas tenaz aporte de uma teoria brotada da construção coletiva e da incidência militante.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)