04 de agosto de 2010, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha, colabora, direto da Terra dos Papa-méis, Rafael Cavalcanti
Apresentação
Neste artigo, desenvolvo a idéia de que a criação de um fato político de maior tensão nas relações entre Colômbia e Venezuela, deriva de fato midiático promovido por Uribe com o intuito de reforçar a posição imperial em nosso Continente. Nas próximas linhas, apresento o argumento debatendo a produção de sentido da mídia comercial nesta pauta e os possíveis efeitos de sentido na massa de consumidores de informação baseada em premissas falsas e inverdades factuais.
Recordando a fabricação da obviedade
O último ato de governo do presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez foi uma bomba midiática latino-americana. Como se sabe, através de um mapa do Google como demonstrativo (para limpar a imagem original de satélite fornecida pelos EUA), o homem de confiança das forças paramilitares conhecidas como Autodefesas Unidas de Colômbia (AUC) acusou o governo venezuelano de Hugo Rafael Chávez Frías de fornecer abrigo, guarida e apoio para duas forças guerrilheiras, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (FARC-EP) e Exército de Libertação Nacional – União Camilista (ELN-UC). Na afirmação do mandatário do Estado aliado ao Império em nosso Continente, Uribe declarou o protesto de um país soberano contra o que seu gabinete entende como atentado a sua autodeterminação. A afirmação em si já absurda. Era de se esperar que as falas bombásticas dos uribistas de plantão caíssem em descrédito. Afinal, o protesto esperável seria contra a presença de tropas terrestres estadunidenses em seu país. Esse é o contra-senso que a mídia corporativa, os agentes líderes dos oligopólios em cada um de nossos países, sequer cogita em levantar. A insurgência colombiana até pode transitar em áreas de fronteira, mas são as tropas do Império que têm bases físicas, estabelecidas não apenas na Colômbia, mas também em outros de nossos países, tal é o exemplo do Paraguai. Ou seja, o presidente que tem em seu currículo haver sido o responsável pela aviação civil colombiana concomitante ao período de maior crescimento da presença de aeronaves pertencentes ao Cartel de Medellín, viu no trânsito de colunas guerrilheiras em zonas de selva uma ameaça “ao seu país”.
Dessa vez, Uribe exagera nos absurdos declaratórios. Em toda a Amazônia, em todos os países da Amazônia Legal, as zonas de fronteiras são quentes e com pouco ou nenhum controle dos territórios de Estados soberanos. Não apenas inexiste controle dessas regiões como se assume que no interior dos países, sendo zona de selva, tampouco há muito como controlar. Não faz muito e o Exército Brasileiro reconhecera em matéria de TV em rede nacional o trânsito diário de mais de 200 mil estrangeiros na Amazônia Brasileira. Particularmente, tive a oportunidade de ao menos por três vezes, haver conversado com gente ainda na ativa e com folha de serviço em regiões duras como na faixa de Tabatinga-Letícia, fronteira quentíssima do Brasil com a Colômbia. Comentaram em confiança estes militares profissionais que a presença de colunas de insurgência é algo corriqueiro, assim como operações na região contra redes de narcotráfico e contrabando. Falo de emprego real, com uso de força letal, aeronaves de apoio, patrulhas de aviões Tucano com armamento completo e infiltração por detrás de linhas (seriam fronteiras?) de operadores de tipo comando. E, como se sabe, não há insurgência no Brasil. Portanto, a questão que se deveria apresentar aos editores de Mundo ou América Latina dos jornais e portais é: – Qual é a novidade?
Daí a acusar formalmente estar o governo Hugo Chávez dando guarida para a insurgência colombiana é um grande fosso. A equipe de Uribe até inovou, acusando a presença das colunas insurgentes no estado de Zulia, sendo que a convenção é atentar para a presença no estado de Táchira. Os meios de comunicação, operadores políticos massivos da política externa de Hillary Clinton, nada comentaram e nem repercutiram o fato (irrefutável) da presença de paracos, de para-militares colombianos, não só em zonas de fronteira, mas internados em terrenos, chácaras, quintas e fazendas pertencentes a “respeitáveis líderes” da oposição “democrática” venezuelana. Mesmo que o Palácio Miraflores (sede de governo da Venezuela) contasse com um aparato de propaganda brilhante e coerente para a manipulação de verdades factuais, seria impossível produzir tantos falsos paracos presos em território venezuelano. Mesmo assim, nenhum dos associados do Grupo Diários América (cartel da mídia deles) assume esta presença, a de tropas irregulares, e geralmente encarceradas quando estão em propriedades de golpistas e sendo vistos como potencialmente estrangeiros.
Três obviedades que a mídia deles nem se lembra
O primeiro lide que ninguém deu é que na Colômbia é mais seguro para o militante ser guerrilheiro do que organizador de base. E, para além da verborragia de Uribe, poucos se lembram que talvez a única chance de vitória militar da insurgência seja a internacionalização do conflito. Há um impasse na terra de Gabriel García Márquez. Por mais que estejam enfraquecidas, as duas guerrilhas não estão nem perto de serem derrotadas pela força das armas. E, de sua parte, as forças guerrilheiras estão ainda mais distantes da vitória bélica, ainda mais se levarmos em conta que os estilos de fazer política, as formas de relação com as estruturas sociais entre FARC e ELN são discrepantes, quando não confrontados.
O segundo é a participação capilar do narcotráfico na conformação de classes e nas estruturas societárias colombianas De tão atravessado pela indústria do refino da coca, o país vê em suas elites dirigentes, militares e econômicas os verdadeiros representantes do comércio ilegal de substâncias psicotrópicas ilegalizadas no momento. A alternativa proposta pelos governos em geral e com maior ênfase no governo Uribe, foi o aumento da monocultura – para além da coca, a palma africana (para o biocombustível extraído do dendê) e as zonas bananeiras – e o financiamento do Estado através do Plano Colômbia. O absurdo final foi conceder o direito inalienável da própria soberania aceitando a presença de tropas terrestres do Império no solo da Colômbia.
Já o terceiro lide é a culpabilização do outro. A analogia é responsabilizar ao vizinho que mora ao lado há pouco tempo pelas mazelas que ocorrem no seu lar. Ora – como diz um grande amigo com leitura diária da imprensa internacional – como um Estado que convive com a guerrilha há mais de 40 anos atribui ao país vizinho a responsabilidade por não solucionar o próprio conflito?!
O legado político de Uribe e a conclusão que a mídia deles não consegue enxergar
Entendo que a medida do presidente Uribe Vélez foi tentar emparedar o ex-ministro de Comércio Exterior de Cesar Gaviria e seu ex-ministro da Defesa, o político de trajetória liberal Juan Manuel Santos Calderón. Santos também é um dos fundadores e seu correligionário do Partido de La U (Partido Social de Unidade Nacional, criado em 2005, e tido como legenda pró-Uribe). Mesmo sendo visto pelo eleitorado como seu herdeiro político, o presidente eleito aponta para uma maior flexibilidade na política externa em geral e na relação com a Venezuela em particular, podendo ir além do belicismo midiático. A essência das propostas de Santos e Uribe é a mesma, mas a opção tática no curtíssimo prazo pode apontar para a busca de uma solução negociada – ou ao menos a protelação de um conflito iminente. O novo gabinete tem em conta a possibilidade que os ataques verbais resultem em algo factual, haja vista a operação conjunta com o Império, que resultara no ataque ao território equatoriano, em março de 2008.
Neste sentido, Uribe conseguiu proclamar publicamente sua lealdade aos EUA, para com a política externa do governo Clinton-Obama. Com isso se catapultou a operador-chave das ações pró-imperialistas na América Latina, já sendo desde agora uma alternativa reacionária de retorno para a presidência de seu país. Santos é um neoliberal com formação de economista, e talvez seja um pouco mais pragmático e menos belicista que o antecessor. Se isto vier a ocorrer, enfraquece as posições a favor do Plano Colômbia e da solução bélica para a conflito interno. E, apenas em cogitar esta possibilidade já deixa apavorado todo um modo de dominação que necessita do estado de guerra para seguir funcionando e tendo o aporte de recursos bilionários do Império.
Por fim, se por acaso chegar a haver um conflito direto de tropas colombianas com forças regulares venezuelanas e esta escalada leve à intervenção dos militares profissionais ou mercenários pró-EUA estacionados em Colômbia, está dada a situação limite onde se encontra a única chance de vitória da própria guerrilha Fariana e Elena. Já a derrubada do governo Chávez pela força militar não-golpista, ou seja, através de ocupação externa, é simplesmente quase impossível. Este é um tema à parte, mas o mínimo que se pode dizer é que Caracas e sua Região Metropolitana são incontroláveis em um estado de guerra de libertação. Portanto, mesmo que o Império deseje um confronto direto, e tudo leva a crer que esta é a meta da administração Clinton-Obama, elevar este hipotético conflito para além de escaramuças de fronteira é apostar em uma escalada incontrolável, acirrando os ânimos políticos latino-americanos. Isto pode vir a radicalizar não apenas a guerra civil na Colômbia, mas também aprofundar o processo de câmbio bolivariano na Venezuela.
Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)