5 de agosto de 2010, Amy Goodman
“Ao mesmo tempo em que anunciamos o fim da missão de combate dos Estados Unidos no Iraque”, disse o Presidente Barack Obama ao anunciar o começo da retirada do Iraque nesta semana em Atlanta (estado da Georgia), “Os Estados Unidos, agradecido, deve render homenagem a todos os que serviram ali”. O Presidente Obama deveria ter agregado “a não ser que sejas gay”, porque apesar de seu discurso, semanas dantes o Comandante em Chefe das Forças Armadas destituiu do posto a um desses veteranos da guerra do Iraque: o tenente Dan Choi.
Choi é um veterano da guerra do Iraque, egresso de West Point e lingüista especializado no idioma árabe. Cruzei-me com ele no dia seguinte a sua destituição oficial. Estávamos na conferência Netroots Nation, uma reunião de milhares de bloggers, ativistas e jornalistas, ocorrida na cidade de Las Vegas, estado de Nevada.
Ainda que Choi já estivesse inteirado de sua demissão, ainda estava profundamente abalado pela notícia. Pegou seu telefone celular e mostrou-me a carta que recebeu por correio eletrônico: “Este é o correio eletrônico que recebi ontem pela manhã, notificando-me da ordem de minha destituição”.
Choi anunciou que era homossexual em um programa de televisão em rede nacional em março de 2009. Conhecia os riscos. Perguntei-lhe por que o fez. “Regressei do Iraque e decidi que não valia à pena… Poderia ter morrido em qualquer momento na zona em que estava, no ’Triângulo da Morte’. Por que teria de temer dizer a verdade sobre quem sou? Achei o amor, e essa é a razão porque o fiz. Queria regressar ao Iraque e ao Afeganistão, mas depois pensei, ’Se morro no Afeganistão ou no Iraque, vão avisar ao meu namorado? Ou ele terá que se inteirar através de Democracy Now! ou CNN? Quem vai lhe avisar?’ E o fato concreto é que a política de ’não perguntar, não dizer’ obriga a nossas famílias a não sair à luz e as condenam a não existirem. E essa não é a forma correta de apoiar a nossos soldados nem às famílias que lhes permitiram continuar servindo no Exército”.
O Presidente Obama prometeu durante sua campanha presidencial derrubar a lei que permite que os soldados como Choi sejam demitidos por ser abertamente homossexuais. Essa política, a qual Obama prometeu combater, é denominada por “Não perguntar, não dizer”. Esta invenção do governo de Clinton tem provocado a demissão de cerca de 14.000 membros das forças armadas.
Obama ordenou ao Secretário de Defesa Robert Gates que realize uma pesquisa entre os membros das forças armadas e seus familiares sobre o que pensam a respeito de derrubar a lei “Não perguntar, não dizer”. Isso soa como algo razoável? Não, segundo Dão Choi.
“Acho que é absolutamente insultante que tenha uma pesquisa neste momento, nesta época, quando nosso Comandante em Chefe é um representante da primeira minoria racial a alcançar este posto e essa posição. Foi um momento significativo para todos nós, sejamos minorias raciais, ou minorias sexuais, sejamos cidadãos estadunidenses ou nem sequer cidadãos estadunidenses ainda, foi um grande momento de reivindicação para muita gente, quando pela primeira vez o Presidente e Comandante em Chefe seja afro-americano, inter-racial; e o fato de que estejam realizando esta pesquisa que regride às épocas de segregação e de racismo, é totalmente contrário ao que nosso país sempre defendeu e continua defendendo. Acho que é incrível e sinceramente penso que as gerações futuras vão olhar para esta época e quererão vomitar. Verão o que estamos fazendo com muita indignação! E vão se perguntar por que as pessoas não saíram para as ruas a defender seus direitos. Então, quando falamos de pesquisas e de perguntar opiniões de soldados e membros das forças armadas, ninguém jamais faz uma pesquisa com os soldados a respeito de se deveríamos ou não ir à guerra. Nunca ninguém pergunta aos soldados para saber se para eles vai ser difícil ou não”. Choi, ele próprio um orgulhoso coreano-americano, reforça que: “Ninguém jamais diz ’O que vocês pensam a respeito do fato que seu Comandante em Chefe seja afro-descendente?’ Ninguém faz pesquisas desse tipo, e por que teríamos de realizar pesquisas quando estamos falando de fazer o correto. É vergonhoso que estejamos fazendo esta pergunta”.
É difícil pensar em Dan Choi como um afortunado, já que o egresso de West Point queria fazer sua carreira militar, mas ao ter sido desligado com honras, pôde manter seus benefícios. Segundo ele, esse não é o caso de muitos de seus pares. “Muita gente tem renunciado a importantes benefícios, incluindo o acesso a benefícios médicos, o direito de ir a um hospital de veteranos sem ter que pagar, se a sua avaliação de inaptidão é como a minha – estou inapto em um 50% por meu tempo em serviço. Eu pude chegar a perder tudo isso além da possibilidade de obter bolsas, dos direitos que me outorga a Lei de benefícios para soldados e veteranos de guerra e o acesso a empréstimos hipotecários”.
Durante a conferência Netroots Nation em Las Vegas, os líderes democratas trataram de convencer a sua base progressista de que o Partido Democrata realmente representa a mudança. Quando o senador por Nevada e líder da maioria do Senado, Harry Reid subiu ao palco, o moderador lhe entregou o anel de graduado de West Point do tenente Choi e disse que Choi queria que ele o guardasse. Choi depois subiu ao palco ficando ao lado de Reid. Enquanto segurava o anel, Reid falando a respeito da derrubada da lei ’Não perguntar, não dizer’, perguntou a Choi, “Quando consigamos que seja aprovada, você vai aceitar o anel de novo, correto?” Choi respondeu, enquanto o abraçava, “É certo que vou, mas você será o responsável”.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2010 Amy Goodman
Texto traduzido do castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em aqui Estratégia & Análise
Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.