Nas três chapas majoritárias com chances de vitória na Província, todos já se aliaram ou estão aliados com algum aliado de seu rival. Pelas clivagens eleitorais e as lealdades políticas, isto representa o fim da política “gaúcha”. - Foto:clesio.net
Nas três chapas majoritárias com chances de vitória na Província, todos já se aliaram ou estão aliados com algum aliado de seu rival. Pelas clivagens eleitorais e as lealdades políticas, isto representa o fim da política “gaúcha”.
Foto:clesio.net

05 de setembro de 2010, da Vila Setembrina de Farrapos traídos pelo apagar da memória da Epopéia Missioneira, Bruno Lima Rocha & Diego Costa

Nas eleições estaduais de 2010 no Rio Grande do Sul, o palco pela disputa do Palácio Piratini já está bem traçado. De um lado o candidato do PT, Tarso Genro, embalado pelo atual presidente Lula e o sucesso de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais até o momento. De outro, a atual governadora do estado, Yeda Crusius do PSDB e José Fogaça do PMDB. Ao perceberem que o ex-prefeito por duas vezes de Porto Alegre já tem popularidade suficiente para chegar ao segundo turno, os ataques entre PSDB e PMDB acirram as relações entre aliados de longa data no pago. Inclusive já com reflexo dentro da Assembléia Legislativa, onde o PMDB está unido (algo raro) – fechou a bancada – barrando as propostas que poderiam dar alguma visibilidade ao governo do estado.

O triste fim da política “gáucha”

Cabe observar a miscelânea e a salada de alianças de ocasião. Isto, no mínimo confunde o eleitor e desorganiza ainda mais as idéias-guia de direita e esquerda, público e privado, distribuição e concentração, dentre outras clivagens pouco perceptíveis, muito em função da chafurda de se ganhar um pleito a todo custo e valendo qualquer preço. Quem pensa que exageramos, basta comparar o padrão de aliança em nível federal com o co-governo da Província.

O que resta de direita puro-sangue para o Planalto aqui não se reflete. O DEM, de Índio da Costa, Bornhausen e Cia. aqui corre solito, com uma aliança proporcional com o PTB de Sergio Zambiasi (senador em final de mandato), por sinal aliado de 2ª categoria da chapa nacional Tucano-Udenista (Serra e Da Costa) e que também fora governo no RS na atual e na anterior gestão, e concomitante, co-governo em Brasília, lá permanecendo mesmo após o episódio da crise política derivada das denúncias de Roberto Jefferson, o Macunaíma da República. A coligação de Yeda tem o PP para o Senado com seu projeto de poder da direita agrária com suporte midiático, através da ex-funcionária de confiança da RBS, Ana Amélia Lemos, representando o agro-negócio, a Farsul e os modelos de concentração fundiária; para vice está Berfran Rosado, um dos últimos sobreviventes do PPS-RS, por sinal racha com o grupo de Eliseu Padilha fruto da convenção do litoral norte de 2001, quando ainda era uma “estrela” da dissidência peemedebista o ex-funcionário da Globo Antônio Britto, ex-governador com índice recorde de rejeição. Berfran, que também foi secretário de Meio Ambiente (um dos operadores do novo zoneamento “florestal” aplicado em áreas de planície e pradaria), agora corre como vice da ex-ministra de Planejamento de Itamar e também, ela mesma, ex-funcionária da RBS, Yeda Rorato Crusius. Rosado fora o candidato a vice-prefeito de Manuela D’Ávila, estrela do PC do B, puxadora de voto da antiga legenda de João Amazonas e que, junto do PSB de Beto Albuquerque (ex-secretário de transportes de Olívio), estão sempre dispostos a quebrar paradigmas e aproximar-se de legendas oligárquicas em nome sabe-se lá do que e para que senão a própria conveniência!

Se neste pleito o ex-ministro da Justiça e da Educação de Luiz Inácio da Silva (ele, presidente mais popular da história do Brasil, e que segundo o próprio, é um ex-sindicalista que nunca foi de esquerda) Tarso Genro fecha uma chapa com os aliados tradicionais, PSB e PC do B (entrando com Abigail para a segunda vaga, na carona de Paulo Paim rumo a reeleição para o tão “nobre, ilibado e correto” Senado da República onde o político natural de Canoas é uma raríssima exceção positiva), mas sabemos que esta não foi sua opção primeira. Muitos flertes houve entre o PT, e sua direita operacional e vitoriosa (Unidade na Luta, Amplo e Democrático, Rede, o grupo da Maria do Rosário e os avulsos cada vez mais agrandados), junto ao ex-funcionário da RBS, o radialista Sérgio Zambiasi, liderança incontestável do PTB-RS, mesma legenda do secretário de saúde assassinado de Porto Alegre e operador político do neopentecostalismo, Eliseu Santos.

Com a dianteira de Tarso, percebe-se que a peleia pelo segundo posto é tarefa dos oficiais subalternos. Em debates, Berfran bate em Pompeo de Mattos (deputado federal pelo PDT e acusado de manter albergues de acolhimento e hospedagem de pacientes e supostamente eleitores) que é candidato a vice-governador junto a José Fogaça, de volta ao PMDB já na eleição municipal de 2008. O PDT está mais que rachado (como sempre), uma vez que o ex-petista José Fortunati é o atual prefeito de Porto Alegre, assumindo o posto na reeleição do poeta e também ligado a RBS, José Fogaça. A queda de braço é com prefeitos dissidentes, polarizados pelo ex-governador Alceu Collares, declarando voto em Dilma e manifestara-se um sem número de vezes a favor da aliança com o PT.

Assumir o apoio da dobradinha Tarso e Beto Grill implicaria em quebrar a aliança beneficiária de Fortunati. O ex-dirigente do sindicato dos Bancários de Porto Alegre e atual prefeito que se recusa a conversar com o Sindicato Médico do RS (Simers), após a partida do outro José na trilha do Piratini, senta na cadeira do Paço Municipal exercendo a partir de então o Executivo da capital da Província de São Pedro (e do Eucalipto!). Agora, de vento em popa e PPPs pela proa, faz o possível para ser o prefeito da Copa do Mundo (antecipando um intento quase declarado de correr para a reeleição, retomando após décadas um projeto de poder com envergadura para a legenda de Leonel Brizola no pago). O que houve em 2008 foi um ensaio da candidatura em dois lances e que se repetiria na corrida rumo ao Piratini. Já Berfran Rosado, atacando a Rigotto e em sua herança, é um dos mentores políticos do PPS, articulou a vitória de Fogaça em 2004 (derrotando a Raul Pont com Maria do Rosário como vice da capital, candidatura esta a representar na época a aliança entre as duas alas do partido de José Dirceu, Delúbio Soares e Sílvio Pereira) e fechou a aliança com PDT, PTB e também PMDB (em segundo plano) na prefeitura. Hoje, como quase sempre, este simulacro de luta diante dos holofotes, não se reflete nas divisões de cargos e salários por dentro do aparelho de Estado.

O fato é inequívoco do mesmo padrão de comportamento político e composição de forças. O PMDB disputa com Yeda o governo (de novo, já o fizera com Rigotto tentando a reeleição e a economista neoclássica ultrapassando-o como azarão da última semana) e logo após o exerce em conjunto. O vice-governador de Germano Rigotto foi o professor Antônio Hohlfeldt (à época ainda no PSDB e no momento correndo como um dos suplentes ao Senado de seu ex-governador); sendo que o vice-governador de Antônio Britto (1995-1998) foi o também tucano do pago, Vicente Bogo. As jóias da coroa da Província, o banco de economia mista Banrisul, está sob o mesmo comando já há duas gestões. Fernando Lemos presidiu a instituição financeira mais capilar do estado tanto no governo do dentista caxiense e herdeiro político de Simon como, posteriormente, da economista paulistana Yeda Crusius. Este ano, deixou o posto com um prêmio, o mesmo dado ao coronel da Brigada Militar Paulo Roberto Mendes, líder absoluto da concepção de emprego da BM como braço repressivo político. Ambos ocupam posto com boa remuneração e pouca visibilidade (portanto sossego, pouca vitrine e possibilidade de reagrupamento de forças e articulações políticas, repousando o favoritismo sobre Mendes), sendo lotados no “deveras relevante” Tribunal de Justiça Militar.

PMDB e PDT estão no governo com Lula (estando o primeiro com o garfo e a faca sobre amplas fatias de orçamento e o comando do esquema de apoio na câmara alta, comandada a tropa de choque por notáveis do quilate de Sarney, Jucá e Calheiros), junto ao PT, ao PP, ao PC do B e ao PSB, passando também pelo PTB em nível federal. Na Província, PSDB, DEM (rompido com o governo em função do seu vice) e PPS são governo, junto a PMDB, PTB, PDT (este demorando muito para deixar esse governo, assim como todos os outros anteriores) e PP (esteio político da governadora em sua tentativa vitoriosa de salvar o mandato interiorizando-o). Nas três chapas majoritárias com chances de vitória na Província, todos já se aliaram ou estão aliados com algum aliado de seu rival. Pelas clivagens eleitorais e as lealdades políticas, isto representa o fim da política gaúcha. Tem gente que afirma ser esta declaração um exagero, acusando-nos por tabela de sermos entusiastas da “grenalização” da política. Afirmamos que não, pois ideologia não é (ou ao menos não deveria ser) apenas logomarca para campanhas publicitárias superfaturadas e, supostamente teria grau de existência (em tese de difícil comprovação no modus operandi da fábrica de salsichas da polititica) também como marca da política do RS.

Na verdade dos fatos, resta pouco além de pilchas e cavalos, evocando um passado nem tão heróico assim (não como gostaríamos) e ocultando o fator distribuição de riquezas tributadas, nem sequer passando pela pauta do vergonhoso e desnecessário empréstimo do Rio Grande contraído junto ao Banco Mundial. Esta transação fora blindada pela mídia estadual, abençoada pela União, através do ex-secretário da Fazenda da Província durante o governo de Olívio Dutra (aliás, por onde anda mesmo o ex-ministro das Cidades preterido em plena crise de 2005 por Márcio Fortes, da cota do PP e cuja indicação fora reforçada pelo notório ex-presidente da câmara baixa Severino Cavalcanti), o atual secretário nacional do Tesouro Arno Augustin (este, ex-secretário da Fazenda do ex-galo missioneiro e cuja moratória durou menos do que a decretada pelo também então governador e ex-vice de Collor e ex-presidente Itamar Franco). O quadro se agrava porque o poder legislativo do RS, e supostamente poder fiscalizador dos desmandos do Executivo, votou em uníssono consensual (por acórdão de colégio de líderes) a absurda contração de recursos cuja contra partida é a presença de consultores (gerentes indicados pelo Grupo Banco Mundial) dentro do aparelho de Estado. E agora, como diferenciar os projetos quando quase todos estão quase iguais?

De volta para a Província

O PSDB encabeçando a chapa da reeleição tem de superar a marca de um governo (e uma governante) com alto grau de rejeição por parte da população, em especial dos residentes na área urbana e metropolitana. Yeda apanha por todos os lados, e boa parte do problema ou é fogo amigo ou é fruto do ambiente interno no Palácio Piratini e no primeiro escalão de suas caóticas secretarias. Tal tese não é novidade e fora corroborada por ninguém menos que José Barrionuevo, sendo o próprio profundo conhecedor das entranhas do poder (real e transitório, político e econômico) da Província. Além disso, motivos para a rejeição não faltam. A série de crises (que ainda seguem, haja vista a última do suposto esquema de campanhas publicitárias superfaturadas e triangulando, segundo a PF e o MP estadual de Contas, a partir de sua diretoria de marketing), somada a truculência repressiva (como na relação com o CPERS, Via Campesina, movimento estudantil e servidores públicos estaduais) e a desconfiança nos processos de PPPs (como na Operação Solidária e o suposto esquema na construção das barragens de Taquarembó e Jaguari), alimentam a fábrica de fatos policiais midiatizados e devidamente interpretados como fatos políticos. O elenco de problemas para Yeda ainda não acabou. Além do entreguismo verificado no empréstimo junto ao Banco Mundial (com a bênção dos vende-pátrias gaúchos ocupando cargos-chave no primeiro escalão da União), temos também casos chocantes como as aulas de ensino básico e médio em containers de lata e o “quase” fim da TV Educativa do RS (TVE-RS). A televisão mantida pela Fundação Cultural Piratini só não foi enterrada pela boa articulação dos trabalhadores de comunicação, que seguindo a meta de gestão do modelo da BBC inglesa, aproximou-se de setores do movimento popular e alguns formadores de opinião, conseguindo assim evitar o despejo! Temos de ser justos na crítica. A falácia do déficit zero, peça-chave da propaganda dos neoclássicos rio-grandeses, cuja contabilidade é a mesma aplicada no Planalto quando a equipe econômica comandada pelo tucano Henrique Meirelles orgulha-se do superávit primário e da desvinculação dos recursos obrigatórios para saúde e educação.

Já o PMDB, padece de luta interna manifestada na queda de braço entre Eliseu Padilha (concorrendo novamente para deputado federal, puxando votos e fazendo dobradinhas nos quatro rincões do RS) e o manda-chuva cansado e esquivo de críticas, Pedro Simon. A sinuca de bico está no puxador de votos, ou na ausência deste. Falta “pegada” com a velha raposa ausente do páreo, e o poeta andando a meia-boca tentando cavar uma terceira posição, como “neutro e responsável”. Já Serra aprofunda a cunha, tentando grudar em Fogaça, vindo aqui e é cortejado pela trupe de Padilha (lembrando que Eliseu foi ministro dos Transportes de FHC com passagem, no mínimo, turbulenta, com Vicente Chelotti lotado em seu gabinete). Se Dilma ultrapassar Serra livrando margem segura, até pode dar primeiro turno no pago, algo que ninguém apostaria meses atrás. O nó da campanha de Fogaça e Pompeo está na relação Província-Planalto. A saia justa não é do homem de confiança do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia (que por sinal apóia José Serra), Michel Temer. O candidato a vice-presidente da ex-secretária de energia de Olívio Dutra, flana, deita e rola, em nível nacional. No RS, sua presença é no máximo tolerada pela equipe de campanha de Fogaça.

Aprumando as conclusões

Já não cabe o discurso de isolamento do estado, não sem romper com o modelo centralizador do poder central. Assim, ao anunciar a neutralidade nas eleições presidenciais, a ala rio-grandense do partido de Geddel Vieira Lima deixa claro sua falta de objetivo unitário, trazendo para a superfície e o conflito existente.

No RS, sempre houve uma polaridade bem definida, ou ao menos o elogio desta. Agora, a debandada é geral. A disputa interna entre o grupo de Eliseu Padilha e Pedro Simon desestabilizou completamente a campanha do partido de Marco Alba e Alceu Moreira. Agora, o subsistema político gaúcho está com sua parte basilar, a polaridade histórica e revigorada a cada geração, sob ameaça. Já o morde e assopra entre PMDB e PSDB no pago manifesta-se na troca de ataques através dos vices, aliados de grandeza proporcional ao tamanho das legendas líderes. Em geral a coisa se alinha no segundo turno e ganha forma ao recompor o co-governo na transição de governo. Se bobear, não há mais tempo para muito. Talvez a cova já esteja aberta e a lápide vem com o nome da Operação Mercari, cujo alvo é o Banrisul sob o governo de Yeda Crusius e compartilhada a sua gestão por Rubens Bordini (PSDB) e Fernando Lemos (PMDB), coordenando ações supostamente fraudulentas (segundo a PF e o MP estadual de Contas) com as agências de publicidade DCS e SL&M. Se o pato for pago para além de Walney Fehlberg (superintendente de marketing do Banrisul), as chances de segundo turno passarão de já pequenas, para mínimas ou nenhuma.

Este artigo foi originalmente publicado no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

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