O FBI e a criminalização da dissidência
Na madrugada da sexta-feira 24 de setembro, nas cidades de Chicago, Minneapolis e St. Paul, agentes do FBI irromperam violentamente a ponta de pistola em vários lares de ativistas contra a guerra, e passaram horas revistando estes locais. O FBI confiscou computadores pessoais e portáteis, fotografias e outros objetos pessoais.
Os ativistas também receberam intimações para comparecer ante um júri em Chicago. Trata-se do mais recente incidente na atual ofensiva contra a dissidência nos Estados Unidos, que persegue aos ativistas pela paz os acusando de apoiar a “organizações terroristas estrangeiras”.
Coleen Rowley conhece bem ao FBI. Foi esta agente especial de carreira que revelou as falhas do Bureau na etapa prévia aos atentados do 11 de setembro. A revista Time nomeou-a “Pessoa do Ano 2002”. Dias após as batidas e operações em sua cidade natal, Minneapolis, ela me disse: “Não é a primeira vez que se vê esta cena orwelliana, a de apontar a guerra contra o terrorismo para grupos pacifistas e de justiça social dos Estados Unidos. Aliás, isto começou imediatamente após o 11 de setembro e teve pareceres judiciais e do Escritório do Conselheiro Jurídico. Estes diziam que a Primeira Emenda da Constituição dos EUA já não controla a guerra contra o terrorismo. Mas mesmo assim, é alarmante que, neste momento, nossos grupos humanitários estejam sendo tratados como sendo, de certo modo, defensores de terroristas”.
A casa de Jess Sundin foi uma das que sofreu com mandados de invasão de seu domicílio. Jess foi a principal organizadora da marcha contra a guerra em St. Paul, Minnesota, ocorrida no Dia do Trabalhador de 2008, e concomitante a Convenção Nacional Republicana. Ela descreveu assim a batida policial: “Na sexta-feira pela manhã me acordei ao escutar que golpeavam fortemente minha porta. Quando desci as escadas, tinha seis ou sete agentes federais dentro de minha casa, onde meu companheiro e nossa filha de seis anos já haviam se levantado. Leram o mandado de busca e apreensão e revistaram toda a casa. Eles passaram provavelmente quatro horas revisando todos nossos objetos pessoais, e fuçando em cada livro, papel, além de mexerem em nossa roupa. Encheram várias caixas e caixotes com nossos computadores, telefones e passaportes. E ao terminarem, como disse, tinham muitas caixas cheias com coisas minhas e da família, e levaram tudo embora”.
Quando no fim de semana passado entraram – através da força – na casa do ativista Mick Kelly, os agentes do FBI destruíram o aquário que havia na entrada da casa. O alvo do FBI nessa manhã incluiu não só os ativistas contra a guerra, mas também aqueles que apóiam ativamente uma política exterior diferente para Israel-Palestina e Colômbia. Depois do ocorrido na residência de Kelly, o FBI buscou todos os registros de suas viagens, não só a esses países, senão também de todas as suas viagens dentro dos Estados Unidos desde 2000, e todos seus contatos pessoais.
Ninguém foi preso depois destas batidas. Ninguém foi acusado de nenhum delito. Dias mais tarde, centenas de manifestantes protestaram em frente aos escritórios do FBI em todo o país.
As investidas policiais ocorreram alguns dias após o inspetor geral do Departamento de Justiça dos Estados Unidos ter publicado um relatório intitulado “Revisão das investigações do FBI sobre grupos nacionais de apoio a diversas causas”. O inspetor geral pesquisou nos arquivos de vigilância e investigação do FBI cujos alvos são, entre outros grupos, os ambientalistas do Greenpeace, o People for the Ethical Treatment of Animals (Pessoas em defesa de um tratamento ético aos animais), e o Centro Thomas Merton de Pittsburgh.
O Centro Merton foi fundado em 1972 com o objetivo de apoiar a oposição à guerra do Vietnã, e continua sendo um centro focal do ativismo contra a guerra em Pittsburgh. Em 2002, o FBI espionou uma manifestação organizada pelo Centro, afirmando que “pessoas vinculadas ao terrorismo internacional estariam presentes”. Como informa o inspetor geral, esta afirmação foi um invento, que depois foi transmitida ao Diretor do FBI Robert Mueller, que a repetiu sob juramento ante o Comitê Judicial do Senado.
A vigilância ilegal habitualmente está a cargo dos chamados “centros de fusão”, os misteriosos centros de inteligência trans-jurisdicional das “Forças de Tarefa Conjuntas contra o Terrorismo”, que reúne aos corpos de polícia federal, estaduais e locais, os organismos de segurança nacional e agências militares. Ali, nestes centros de fusão, parece que é comum classificar como “terrorismo interno” aos ativistas.
Recentemente, o governador de Pennsylvania, Ed Rendell, teve de pedir desculpas publicamente quando revelou que seu Diretor Estadual de Segurança Nacional, James Powers, tinha contratado a uma empresa privada para pesquisar e distribuir informação sobre grupos de cidadãos envolvidos em atividades lícitas. Os grupos, que se opunham à extração de gás natural mediante o método conhecido como “fraturação hidráulica”, ambientalmente muito destrutivo, foram descritos como “extremistas ambientais”.
Seu delito: projetar o documental “Gasland”, ganhador de um prêmio no festival de Sundance Festival.
O governador Rendell disse: “Peço desculpas aos manifestantes contra a fábrica Marcellus Shale, peço desculpas aos contribuintes que participaram nos protestos, peço desculpas ao Festival do Orgulho Gay. Peço desculpas a todos os nomes que figuravam nesta lista”.
Voltando à situação em Minnesota, o estado tem sido obrigado a libertar a outros oito ativistas, denominados os “8 da Convenção Nacional Republicana”, que participaram na organização dos protestos durante a Convenção. Todos foram presos em forma preventiva, antes que começasse a convenção, e acusados de terroristas em virtude da lei estadual de Minnesota. Desde então foram retiradas todas as acusações de terrorismo contra eles (quatro deles irão a julgamento por outras acusações).
Tudo isto acontece enquanto o governo de Obama utiliza o medo dos estadunidenses ao terrorismo para tentar ter maior autoridade e assim poder espionar aos usuários de Internet. Enquanto a atual administração toma esta iniciativa ocorre outro escândalo: O Departamento de Justiça também revelou nesta semana que agentes do FBI sistematicamente burlavam as regras de um exame que avaliava o conhecimento das regras e procedimentos adequados que regem a vigilância interna. Isto é mais que tão só um escândalo por operadores da lei burlar regras de procedimento. Trata-se das liberdades fundamentais que são a base de nossa democracia, trata-se do abuso de poder e da erosão das liberdades civis.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
© 2010 Amy Goodman
Texto traduzido da versão em castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha (blimarocha@gmail.com); originalmente publicado em português em Estratégia & Análise (www.estrategiaeanalise.com.br). É livre a reprodução de conteúdo desde que citando a fonte.
Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur.