23 de dezembro de 2010, da Vila Setembrina de Farrapos ludibriados por latifundiários escravagistas, do continente de Artigas y valientes traicionados, Bruno Lima Rocha
O governo de Dilma Rousseff vai sendo escalado, tomando forma e, ao mesmo tempo, recebe críticas pela maneira como é montado. Não digo que conceitualmente discordo destas cobranças, mas afirmo que do contrário, nem ela teria sido eleita com votos de PMDB (abertamente) e PP (indiretamente) e menos ainda, teria alguma chance de obter a tal da governabilidade. Ou seja, cobra-se da presidente eleita justo a característica pela qual formou sua base de sustentação (antes e depois do primeiro turno). Exige-se coerência interna e unidade programática quando uma equipe ministerial desse quilate vai obter, no máximo, unidade tática e alinhamento de discurso. Seu governo não será o primeiro, e pelo visto tampouco o último, a obter musculatura através da composição ampla, geral e irrestrita. Vejamos.
Quando os operadores políticos não têm um objetivo permanente e uma via comum para materializarem estes projetos de poder, podemos afirmar que os une uma aliança tática e não programática. É justo por essa característica que é possível ver ministros como Nelson Azevedo Jobim ocupar cargos de primeiro escalão no governo FHC (como ministro da Justiça) e no de Lula (na pasta da Defesa), antes passando até pela presidência do Supremo. Em sendo uma unidade programática, não seria tolerável pela coerência interna do projeto a manutenção em postos-chave de operadores marcados por gestões anteriores. O difícil é “fechar o grupo”, como se diz no futebolês. Como as discrepâncias no primeiro escalão de um governo dão uma fonte inesgotável de fatos midiáticos transformáveis em fatos políticos, a salvação da lavoura é um alinhamento de discurso, ao menos publicamente. Em tese, alinha-se externamente (nas falas e comunicações organizacionais) a adesão ao projeto. Isto em tese, porque na lida do dia a dia do Planalto, reza-se para que nenhum descontente utilize a via Golbery, fazendo a sociedade saber – através de vasos comunicantes – das mazelas de um Executivo em permanente disputa interna.
O paradoxo está no admirável, mas não desejado pelo pragmatismo reinante no Brasil. Conseguir coerência interna em uma agremiação política ou entidade representativa, não importando tanto sua dimensão, é o anseio de quem se dedica à vida associativa de forma séria e não carreirista. Já a unidade programática é aquela obtida quando os componentes de um mandato concordam em onde chegar e como atingir os objetivos. Traçar metas unitárias não é o mesmo que entrar em acordo com as vias para atingi-las.
Por outro lado a coerência, em geral, é vista como radicalismo pelo senso comum e, na história recente da política brasileira, também como moralista. O mais interessante desta característica é que ela marca não apenas uma harmonia funcional entre meios e fins (processos por tanto), como também é cunhada numa cultura política distinta. Ouso dizer que o exercício desta cultura da coerência traz elementos de diferenciação para com o estabelecido, dando condições para a crítica das formas oligárquicas e tradicionais (paroquiais). O problema é que a coerência interna e a unidade programática são o oposto da tal da governabilidade e todos os seus acórdãos necessários para dividir a maior parte do bolo entre os mesmos de sempre.
Dizia-se que a crítica antes exercida pelo PT aos pares na política profissional auto-proclamava a legenda de José Dirceu como “pura” sendo as demais “maculadas”, adeptas da “velha política”. Isto porque a forma tradicional de fazer política no Brasil é marcada pelas leis sociológicas cunhadas pelo léxico do povão. Uma, é a Lei de Gérson (“levar vantagem em tudo”) e a outra, a Máxima do Robertão (“é dando que se recebe”). A compreensão mediana da política brasileira é marcada pela relação de clientela e patrimonialista para com a coisa pública.
Ao entrar em acordo e evitar colidir com parte dos correligionários do Centrão à época da carta magna de 1988, Luiz Inácio e seus correligionários (incluindo a herdeira sucessora) apontaram como meta o exercício do mandato através de unidade tática e alinhamento de discurso. É isto e nada mais, sequer ficando em segundo plano as outras formas de análise e valoração da política.
Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat