Passados mais de quarenta anos do golpe de 1º de abril, ainda convivemos com a mentira histórica o perigo do “trauma do revanchismo”. Esta conformidade implica em permitir que crimes de lesa humanidade sejam tolerados. O país que admite o horror no passado é porque pode vir a tolerar novamente no futuro próximo.  - Foto:morcego.blogger
Passados mais de quarenta anos do golpe de 1º de abril, ainda convivemos com a mentira histórica o perigo do “trauma do revanchismo”. Esta conformidade implica em permitir que crimes de lesa humanidade sejam tolerados. O país que admite o horror no passado é porque pode vir a tolerar novamente no futuro próximo.
Foto:morcego.blogger

17 de março de 2011, da Vila Setembrina, Bruno Lima Rocha

No Brasil temos alguns tabus de nossa história recente. Um deles se nota na celeuma criada pelo alto comando dos militares ao se contraporem a criação da Comissão da Verdade, medida esta que entendo vir tarde e limitada.

O tema é tabu por motivos políticos, uma vez que a transição foi fruto de uma “abertura lenta, gradual e restrita”. Na defesa desse jogo transitório pacificado, nos últimos anos surgiram neologismos políticos, como “ditabranda” ou a idéia banal da “necessidade de punir crimes dos dois lados que cometeram excessos”. Esta noção reflete a odiosa “teoria dos dois demônios”.

Originalmente formulada por intelectuais argentinos favoráveis ao golpe encabeçado por Videla, anunciava que o estado de guerra interna promovido ainda no governo de Isabelita Perón era uma medida necessária diante do fato das maiores forças políticas não pactuarem uma convivência pacífica com um regime sem distribuição de riquezas. Nos anos ’80 a teoria correu o Continente, servindo de legitimação para as soluções negociadas, inspiradas na transição espanhola pós Franco, onde também ninguém foi punido.

Ao ler o documento de sete itens escrito pelo Comando do Exército e com adesão das forças aérea e naval, noto a mesma referência. Os oficiais generais ressaltam a compreensão do processo de transição no Brasil, onde as forças políticas foram chamadas a participar, uma vez derrotada a luta armada. À época, isto tinha um sentido de reforçar uma ala das Forças Armadas em contra a “tigrada dos porões” também chamada de “linha dura”. Hoje falam que esta tímida medida pode reabrir feridas, afetando a paz nacional, uma vez que, segundo os militares, este tipo de comissão acaba tendo um viés distorcido e maniqueísta da realidade.

Há anos escrevo neste blog a respeito da necessidade do Brasil rever a Lei de Anistia e não passar uma borracha por em cima de crimes de lesa humanidade como desaparição forçada, tortura sistemática e científica, pena de morte dos dissidentes e apropriação pessoal de bens e propriedades de militantes capturados. Entendo ser este um tema recorrente e pouco ou mal abordado no país, em especial se comparamos com os vizinhos do Uruguai e Argentina. É o cúmulo do absurdo, mas mesmo no Chile, onde a herança da ditadura de Pinochet é muito presente, puniram mais operadores desses crimes do que aqui. Cobrir a lacuna da falta de punição até o momento implica em revelar tudo o que falta da época para assim superar a versão brasileira da teoria dos dois demônios.

Este artigo foi originalmente publicado no blog de Ricardo Noblat

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