Robert Anthony
Robert Anthony “Tony” Kushner é um famoso dramaturgo e roteirista americano, que ganhou destaque internacional com a peça “Anjos na América: uma fantasia homossexual nos assuntos nacionais”.
Foto:nydailynews.com

Por Amy Goodman

Tony Kushner vai receber o título de Doutor Honoris Causa da Faculdade de Justiça Criminal John Jay da cidade de Nova York, Estados Unidos. Isso não deveria ser uma grande notícia. Kushner é um reconhecido dramaturgo que ganhou o Prêmio Pulitzer no gênero teatro, além de um prêmio Emmy e dois prêmios Tony. No entanto, a outorga do título se transformou em uma grande notícia quando foi abruptamente suspensa pelo Conselho Administrativo da Universidade da Cidade de Nova York (CUNY, sigla do nome original em inglês) durante sessão no dia 02 de maio, logo após um de seus conselheiros acusar Kushner de ser anti-israelita.

Rapidamente teve início uma campanha a favor de Kushner, que a princípio consistiu em solicitar aos ganhadores do título honoris causa da CUNY (da qual a Faculdade John Jay faz parte) a devolução do mesmo. Depois de alguns dias, o que deveria ser apenas uma simples outorga de título, converteu-se em um escândalo de dimensões internacionais. O presidente do Conselho Administrativo da universidade, Benno Schmidt, ex-reitor da Universidade de Yale, convocou uma reunião executiva de emergência do Conselho, que, de forma unânime, votou por devolver o reconhecimento a Kushner.

Leia também, ao final dos créditos da coluna, o comentário da equipe do portal.

A polêmica expôs a polaridade extrema que define cada vez mais o conflito entre Palestina e Israel, tal como a vontade de alguns de acabar com a liberdade de expressão e o diálogo enérgico que clama por mudanças no dogma político intransigente. O administrador que atacou Kushner, Jeffrey Wiesenfeld, começou seu discurso na reunião do CUNY com um ataque a Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e ex-Alta Comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos. Depois continuou: “Há muita atividade hipócrita e irracional contra o Estado de Israel nas universidades de todo o país, no Ocidente em geral e, com freqüência, nos Estados Unidos também”. Como prova de suas afirmações, Wiesenfeld apresentou várias citações que atribuiu a Kushner, e concluiu dizendo “Não quero aborrecê-los com todos os detalhes”.

Kushner me disse: “O que está havendo não tem nada a ver com poupar os pormenores inoportunos, até porque tais detalhes são todas as coisas que disse sobre o Estado de Israel e, de fato, esclareceriam o conselho de que de nenhum modo sou inimigo do Estado de Israel, que não sou um partidário fervoroso do Estado de Israel. A crítica às políticas de Estado não significam que alguém busque a destruição deste. Também tenho muitas críticas a respeito das políticas do meu próprio governo”.

Em primeiro lugar, vejamos um pouco da trajetória de Tony Kushner. Ganhou o prêmio Pulitzer por sua obra “Anjos na América”. A obra tem como subtítulo “Uma fantasia homossexual nos assuntos nacionais”, e trata da epidemia de HIV/AIDS e a luta que muitos gays e lésbicas suportam cotidianamente nos Estados Unidos. Um personagem-chave da obra é inspirado em Roy Cohn, famoso advogado que no começo de sua carreira fora um importante assessor do Senador Joseph McCarthy. Cohn ajudou McCarthy a levar adiante sua perseguição cega contra suspeitos de serem comunistas dentro do governo dos Estados Unidos e mais além. 

Considera-se que o advogado tenha sido um homossexual enrustido durante toda a sua vida, apesar da sua ajuda a alguns alvos de perseguição política apenas por serem gays. Cohn morreu em 1986 em virtude de complicações provocadas pela AIDS. Publicamente, afirmava que padecia de câncer de fígado. Agora, em uma reviravolta dramática da vida real, Kushner, que escreveu muito sobre a caça às bruxas da era McCarthy, tornou-se protagonista de uma nova caça.

Neste caso, o Roy Cohn do Conselho Administrativo de CUNY é Wiesenfeld, que foi designado pelo ex-governador republicano de Nova York George Pataki.

Entrevistei Tony Kushner logo após ele saber que haviam restabelecido seu doutoramento Honoris Causa. Kushner me disse: “Posso falar a respeito dos comentários que fiz ao longo dos anos, quando me perguntaram sobre a fundação do Estado de Israel. Se eu considero que foi a decisão correta ou se foi um erro, se foi inteligente ou imprudente para o povo judeu são assuntos realmente complicados. Creio fervorosamente que o Estado de Israel existe, deve continuar existindo e deve ser defendido. Creio que é necessário haver uma solução pacífica dos Estados em crise no Oriente Médio”.

Ele continua: “Mas creio também que a política adotada pelos Estados Unidos no Oriente Médio, tomando por base fantasias de direita, teocráticas e interpretativas bíblicas do que corresponde a história e a realidade da região é catastrófica e vai provocar a destruição do Estado de Israel. Essas pessoas não o estão defendendo. Não o estão apoiando. De fato, estão provocando a distorção da política estadunidense a respeito de Israel, e uma distorção da política interna do próprio Estado, em virtude de exercerem uma enorme influência no país e apoiarem políticos de direita que considero responsáveis por levarem Israel a um lugar muito obscuro e perigoso”.

Durante a era McCarthy, os Estados Unidos também eram um lugar obscuro e perigoso. Agora, em meio aos levantes populares no mundo árabe e mulçumano, a recente aproximação entre Fatah e Hamas, e o provável reconhecimento do Estado palestino por parte da Assembléia Geral das Nações Unidas, não há melhor momento para se fomentar um debate vigoroso e esclarecedor.

O futuro da paz no Oriente Médio depende da dissidência. Aqueles que, como Tony Kushner, têm a coragem de falar o que pensam são os verdadeiros anjos dos Estados Unidos.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol, contato por esse e-mail aqui.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

Comentário breve dos editores

Um dos maiores entraves ao desenvolvimento dos debates em torno da matriz de pensamento socialista oriunda das comunidades judaicas na diáspora é justamente a hegemonia exercida pelos chauvinistas destas mesmas comunidades. Este portal mesmo já foi alvo de ilações levianas e de patéticas acusações de anti-semitismo. Afirmamos o contrário, indo ao encontro dos argumentos de Kushner. Aqueles que se comportam de forma anti-semita são justamente os portadores do discurso anti-árabe e pró-ocidental, judeus ou não. Nós sempre defendemos abertamente a chamada Primavera do Mundo Árabe assim como todo e qualquer esforço de radicalização democrática com justiça social em todos os cantos e rincões do planeta. Como no Brasil certa suposta elite intelectual dotada de uma para-teoria neoliberal e neoconservadora assume o mimetismo das posições da direita mais rançosa dos EUA, entendemos como válida esta vitória pontual e necessária para o avanço do debate rumo à emancipação dos povos árabes em geral e da Palestina em particular.

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