Milhares de armas foram vendidas a intermediários de traficantes na Operação Velozes e Furiosos para se chegar às lideranças do narcotráfico mexicano. O problema é que nem as cabeças do tráfico, nem todas as armas foram localizadas. - Foto:http://biggovernment.com
Milhares de armas foram vendidas a intermediários de traficantes na Operação Velozes e Furiosos para se chegar às lideranças do narcotráfico mexicano. O problema é que nem as cabeças do tráfico, nem todas as armas foram localizadas.
Foto:http://biggovernment.com

Por Amy Goodman

As violentas mortes de Brian Terry e Juan Francisco Sicilia, num intervalo de poucos meses, na cada vez mais perigosa fronteira entre México e Estados Unidos, deram início a uma reflexão tardia da chamada “Guerra contra as drogas” e ao questionamento da forma como o governo dos Estados Unidos está, definitivamente, piorando o problema.

Na noite de 14 de dezembro de 2010, o agente Brian Terry encontrava-se no deserto do Arizona como parte da patrulha da Unidade Tática do Serviço de Aduanas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos (BORTAC, na sigla do nome em inglês), uma força policial altamente treinada e armada, descrita como o segmento paramilitar de elite da Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos. Nessa noite, o grupo participou de um tiroteio em que Terry morreu. Sua morte poderia ter se tornado apenas mais um acontecimento violento associado ao tráfico de drogas na fronteira, porém um detalhe aumentou sua proporção e deu lugar a um forte embate entre o governo de Obama e o Congresso dos Estados Unidos: as armas encontradas na cena do crime, fusis AK-47, foram provavelmente vendidas a criminosos mexicanos durante uma operação sigilosa da Agência Estadunidense de Controle ao Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivo (ATF, na sua sigla em inglês).

Leia também, ao final dos créditos da coluna, o comentário da equipe do portal.

Conhecido por “Operação Velozes e Furiosos”, o programa secreto tinha como finalidade rastrear armas vendidas nos Estados Unidos a supostos intermediários, pessoas que compram armas em nome de outros. A operação da ATF permitiu que lojas de armas vendessem grandes quantidades de armas a intermediários que a Agência suspeitava de comprar para cartéis de drogas mexicanos. No lugar de prender o intermediário, considerado pela ATF como um criminoso relativamente menor, rastreavam as armas que ingressavam no México com o intuito de prender as cabeças dos cartéis criminosos. Ao menos, esse era o plano.

Segundo informações do Centro para a Integridade Pública, na região do programa “Velozes e Furiosos”, venderam-se de modo consciente 1.765 armas. Outras 300 foram vendidas antes de começar a operação. Dessas mais de duas mil armas, apenas 800 foram recuperadas. Duas das armas recuperadas foram encontradas na local da morte de Terry, um uma região conhecida como Peck Canyon, na parte estadunidense da fronteira entre Nogales, no México, e Tucson, no estado do Arizona.

O agente especial John Dodson da ATF foi um dos tantos policiais de campo que alertou a seus superiores sobre o caráter imprudente da operação. Ninguém deu atenção a suas preocupações e os trabalhos continuaram. Após o assassinato de Terry, Dodson denunciou a operação primeiramente ao Departamento de Justiça, em seguida ao senador republicano Charles Grassley. O senador pediu explicações ao procurador-Geral dos Estados Unidos, Eric Holder, e agora o Comitê de Supervisão e Reforma do Governo da Câmara de Representantes – presidido pelo representante republicano Darrell Issa – está realizando uma série de audiências sobre o caso.

Ao sul da fronteira, Juan Sicilia e outros seis jovens foram brutalmente assassinados em março deste ano. Apenas outras sete vítimas inocentes da violência arrasadora que padece no México e que já cobrou a vida de 35 mil pessoas desde dezembro de 2006, quando o presidente mexicano Felipe Calderón começou sua ofensiva contra os cartéis de droga. Javier Sicilia, o pai de Juan, é um famoso poeta e intelectual mexicano. Pouco depois do assassinato de seu filho, Sicilia escreveu um último poema em homenagem a Juan. Agora seu compromisso é com a luta contra a violência e o derramamento de sangue em seu país. Ele liderou uma marcha de protesto em maio que partiu de Cuernavaca, sua cidade natal, até a famosa praça do Zócalo, na Cidade do México, na qual participaram 200 mil pessoas. No fim de semana passado, liderou outra marcha até a fronteira, e em seguida até El Paso, Texas.

Com certeza, Sicilia combate os cartéis. Mas também culpa Calderón e os Estados Unidos. Pede que se ponha fim à “Iniciativa Mérida”, pela qual os Estados Unidos proporcionam armas e treinamento às forças militares mexicanas para a luta contra o narcotráfico. Sicilia também pede a legalização das drogas, uma bandeira em que é surpreendemente acompanhado pelo ex-presidente mexicano conservador, Vicente Fox e cada vez mais pelo próprio Calderón.

O presidente Calderón viajará aos Estados Unidos esta semana. Recentemente questionou a indústria bélica estadunidense por lucrar com a venda de armas que acabam no México. Calderón também criticou a revogação da proibição de armas de assalto nos Estados Unidos, o que provocou um aumento maciço da violência com armas no México.

Um novo relatório publicado por três senadores democratas informa que aproximadamente 70% das armas apreendidas no México entre 2009 e 2010 são provenientes dos Estados Unidos. Das quase 30 mil armas apreendidas no país latino durante esse período, mais de 20 mil vieram do país vizinho.

Se algo deve ser veloz e furioso nos Estados Unidos é o incentivo de políticas sensatas e prudentes sobre o controle de armas e drogas. Talvez quando isso acontecer, Javier Sicilia volte a escrever poesia.

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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Fernanda Gerpe y Democracy Now! em espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado porBruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

Comentários dos editores:

A chamada Guerra contra as Drogas, no sentido de prevenir a adição de drogas ilícitas e combater as redes que comercializam as substâncias ilegais, é um rotundo fracasso nas políticas do Império desde a Era Reagan. Mais, foi o próprio Departamento de Estado, através de ligações perigosas com a Seita Moon, narcotraficantes aliados de neonazistas bolivianos, e o incentivo aos paracos na Colômbia que incendiou o Continente, elevando a níveis perigosíssimos o potencial de penetração nos aparelhos de Estado latino-americanos. Se no civil a maioria dos divórcios é complicada, na complexa rede de interpenetração entre operadores políticos profissionais, os interesses imperialistas e o narcotráfico, aí a coisa é explosiva. O governo de Calderón no México tenta divorciar a elite política dos cartéis do norte e o resultado é uma tragédia em escala nacional. O presidente eleito num pleito fraudado opera como Cavalo de Tróia do Império em seu país satélite por extensão, elevando o nível de violência interno e tentando sanear o insanável – pois sobre as ruínas do Estado priista se estrutura uma relação dominante e interdependente entre grandes empresas, grupos políticos estaduais e os cartéis fornecedores de drogas ilícitas para os guetos dos EUA. Cortar essa relação dependeria de uma nova política por parte da administração Obama, mas pelo visto, tudo restara como mais uma promessa fracassada de campanha mentirosa.

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