O sheik Osama Bin Laden, membro da família real de Ibn Saud, foi um dos homens fundamentais nas duas Guerras do Afeganistão; na primeira, operou como homem de ligação entre as redes integristas e a CIA; na segunda, como inimigo direto do Império. - Foto:hankarralynd
O sheik Osama Bin Laden, membro da família real de Ibn Saud, foi um dos homens fundamentais nas duas Guerras do Afeganistão; na primeira, operou como homem de ligação entre as redes integristas e a CIA; na segunda, como inimigo direto do Império.
Foto:hankarralynd

11 de setembro de 2011, do Recife, Bruno Lima Rocha

Este é um artigo editorial do E&A: uma reflexão política para além da análise dos fatos e dados já por demais observados.

Escrevo estas palavras em pleno 11 de setembro de 2011, dez anos após o chamado maior atentado terrorista da história da humanidade. É difícil formular qualquer análise de tipo retrospectiva uma vez que quase tudo já foi dito de duas maneiras. Os enunciados públicos, verdadeiras peças propagandísticas da guerra imperial contra o Afeganistão e o Iraque, já foram mil vezes reproduzidos pela chamada mídia empresarial corporativa, à época muito insuflada por grupos econômicos como a News Corp, do hoje parcialmente desmascarado Rupert Murdoch. Os enunciados não públicos, tornaram-se missão anti-cruzadista daqueles que se opõem às teses de guerras e choques de civilização e se recusam a reproduzir o imperialismo ocidental sob a forma de “democracia”. Muito do jornalismo e das análises políticas da internet em escala mundial tomam esse partido, onde o portal Estratégia & Análise modestamente se vincula, filia e aporta um grão de areia a mais.

Todos os que vivemos a pronunciar publicamente análises, impressões, opiniões e conflitos de opiniões já falamos, e muito, ao longo dos últimos dez anos, a respeito da década onde a Guerra contra o Terror, pautou o mundo em seu conflito sem limite de terreno e cenários de operações móveis. Esta deve ser a nossa primeira reflexão. Em uma escala de operações acima da média, os Estados Unidos assumem sua vocação imperial e promovem um conflito em escala planetária, para além dos cenários complexos do Iraque (um pântano sem saída alguma) e o cenário conjunto de Afeganistão-Paquistão. A “Guerra contra o Terror” é uma coordenada por um Estado-Maior conjunto, este de tipo combatente, chamado United Special Operations Command (Comando de Operações Especiais, equivalente a um Estado-Maior de Operações Especiais, USSOCOM). Através desta articulação de Grandes Unidades, e o braço estendido do Joint Special Operations Command (JSOC), o Pentágono inclui uma ideologia de tipo segurança nacional por dentro do território dos 50 estados que compõem o país construído pelo pacto oligárquico das 13 colônias originárias. Assim, a “Guerra contra o Terror” se aplica em cenários diversos, em escala planetária, incluindo o cenário doméstico.

Avaliar os efeitos pós-11 de setembro para a democracia americana, quando a avançada dos neo-conservadores e o estímulo do combate ao terror integrista somam vontades e atropelam barreiras legais e políticas, será objeto de próximo artigo. O ponto obrigatório aqui é citar, apenas para demarcar sua relevância, que a criação do Department of Homeland Security (DHS, equilavente ao Ministério do Interior) reorganiza uma série de agências federais dos EUA (como o Serviço Secreto, a Imigração, a Guarda Costeira, Patrulha de Fronteiras e Alfândegas, dentre outros) e estas assim como o FBI (DEA, ATF, e US Marshals, dentre outros), têm prerrogativas sobre as forças de segurança de estados, condados e municípios. Isto implica, no mínimo, uma tensão permanente entre a dissidência interna, as oposições civis e de contestação, e os macro-desígnios do complexo industrial-militar e do poderio dos lobbies, como o do petróleo.

Mas, como disse acima, a análise da política estadunidense pós-11 de setembro, já está alocada para outro texto. O momento é de nos atermos para outro reflexo após os atentados e as guerras de invasão decorrentes destes. Em escala global, o mundo mudou, é possível estarmos nos aproximando de um sistema descentrado – embora tenha o comando militar direto de um Império tipo super-potência – e cujas oposições da Globalização Transnacional Capitalista se viram abafadas, ofuscadas para além do Ocidente, em função da presença integrista de um lado (o correto seria afirmar dos integristas, dos jihadistas) e da avançada da China e o novo bloco em formação (onde o Brasil se inclui e desponta), por outro. E, como uma pista interpretativa, essa pode ser uma das grandes modificações que vimos no planeta em termos de opções e alternativas.

A tese do choque de civilizações e das visões totalizantes do uso de recursos e formas de acumulação na Terra não é algo exclusivo do momento em que vivemos. A exacerbação desse embate, sim. George W. Bush assume um governo através de eleições no mínimo suspeitas (fraudulentas para alguns críticos, onde me incluo) e aplica a vingança como mote de seu governo, garantindo que a desastrosa administração fosse reeleita numa vitória arrasadora em 2004. Já na corrida eleitoral de 2008, dois projetos, um de tom levemente neo-keynesiano (o de Obama com Joe Biden e a bênção de Hillary e do lobby sionista da AIPAC), competindo com um belicista e herói de guerra, John Mccain e sua impagável candidata a vice, Sarah Palin, apontara a necessidade de saída do modelo já esgotado dos EUA. Faltou avisar essa falência de projeto para os poderes fáticos do Império, que fizeram do governo de Obama um inferno desastroso, e cujo grande mérito na política internacional foi eliminar a Osama Bin Laden.

RETROCEDENDO NO TEMPO DA LUTA ANTI-GLOBALIZAÇÃO CAPITALISTA PARA COMPREENDER O PROBLEMA DE PROJETO POLÍTICO ALTERNATIVO

Em 11 de setembro de 2001, quando dos ataques contra as Torres Gêmeas, o ocidente voltava a respirar através de uma nova esquerda que ressuscitava com discursos renovados ou rememorados (como o fortalecimento de idéias-força libertárias), buscando soluções para o neoliberalismo arrasador. A China era já uma potência, mas não tinha a projeção de hoje, embora já operasse como Chimérica, sendo um dos maiores compradores de títulos da dívida estadunidense. Naquele ano, ao menos em termos de ideário, se forjavam um conjunto de idéias de modo a superar a democracia realmente existente, e se cicatrizavam as feridas dos poucos ainda restantes saudosistas do horror societário (distributivista sim, mas totalitário), que fora o “socialismo” real. Até a invasão dos EUA ao Afeganistão, iniciada em outubro de 2001, este país era governado – ao menos seus centros de poder – pela facção vitoriosa da guerra civil pós-derrota e retirada da antiga União Soviética, em 1989 (então com longos dez anos de penúria nas montanhas desérticas naquele Estado fictício, sendo de fato um território ainda tribal), por um partido de estudantes (Talibã), cujos líderes foram educados em escolas religiosas (madrastas), com o apoio financeiro das mesmas redes comandadas por sauditas wahabitas (como o Sheik Osama Bin Laden), apoiadas pela CIA durante os anos ’80 do século XX.

O debate político no mundo se torna, de novo, simplificado, pois de um lado estaria o conjunto de valores ocidentais, concomitante a apologia demente ao fundamentalismo de mercado e ao Estado gendarme. De outro, a igualmente bestial afirmação da Umma e da Avançada Verde, dessa vez sob a interpretação integristas da luta justa em escala global. Hoje, em termos de projetos globais, temos três opções falhas e muitas vezes não concorrentes, e sim complementares. O fundamentalismo de mercado, cujo pior dos exemplos é a fraude com nome de crise a partir da operação da bolha imobiliária dos EUA; esse neo-bismarckismo (incompleto, é verdade), onde o Estado promove empresas campeãs nacionais e recebe capitais transnacionais (desde que gerem emprego direto) e financia o crescimento à base de venda de produtos primários, super-exploração de mão de obra ou o conjunto destas (como é a base transversal dos BRICs); ou então a proposta ainda beligerante e com certa ascendência em alguns territórios (como na Somália, outra derrota estadunidense mais), de uma interpretação mais ou menos fechada do integrismo (aí se localiza uma disputa entre Arábia Saudita e Irã, e a tentativa de influência destes Estados sobre as redes jihadistas), em que tampouco se leva em conta as liberdades individuais e os direitos coletivos não hegemônicos.

Nesse ínterim do último decênio, vimos experiências muito interessantes, como a de Oaxaca (México 2006), e o sopro de esperança com a Primavera Árabe (revolução dos jasmins é um belo neologismo também aplicável), onde se desmascara a falsa oposição entre governos ditatoriais e o Ocidente em guerra contra o terror integrista. A guerra clandestina, além de seqüestrar (potencialmente qualquer um e qualquer parte do planeta), prender sem nenhuma legalidade (como em Guantánamo, uma aberração jurídica, um enclave imperial em Cuba), e por vezes soltar sem julgar, antes entregava prisioneiros para serem torturados e seviciados em masmorras árabes, como em países como a Líbia de Khadafi, a Síria de Assad e o Egito de Mubarak. Neste intervalo de tempo o capitalismo desenvolveu uma solução essencial para as perspectivas neoliberais, quando o problema da acumulação econômica é muito superior ao problema da liberdade política. Neste sentido, a China aponta para os herdeiros da Sociedade Mont-Pèlerin e entusiastas do pacto neo-conservador (como o Tea Party dos EUA, insuflado pela Fox News de Murdoch e cia.), como uma saída pinochetista em escala mil vezes superior.

A herança do 11 de setembro está, para o Ocidente que se opõe a Globalização Transnacional Capitalista, posta como um problema para ser superado. Não há como negar o horror integrista; nem tampouco o terror de Estado da ação imperial no Oriente Médio, no Magreb e na Ásia Central; nem tampouco a opção de desenvolvimento capitalista a todo custo, exaurindo os recursos naturais e aprofundando as fusões e concentrações de capital (como os projetos do Plano IIRSA na América Latina e a ação da China na África). Demarcar um campo de trabalho para além destas opções totalizantes (sendo também, sob alguns ângulos, totalitárias), é um obstáculo da política internacional dos movimentos populares e da contestação contra a Globalização Capitalista (hegemonizada pela Mundialização Financeira). O afirmar tal projeto político, que se incluiria a base da Justiça Social e das Liberdades Políticas e Direitos Individuais e Coletivos, tendo como base do desenvolvimento o respeito pelas culturas originárias e o equilíbrio no uso dos recursos naturais, está presente em todos os discursos mais ou menos legítimos e, ao mesmo tempo, ausente do horizonte de possibilidades de curto prazo.

O 11 de setembro e a Guerra contra o Terror, como que deram carta branca para o pior das forças do capitalismo hegemonizar a já pobre cultura política dos EUA. Isto sobre-dimensiona as forças de fundamentalismo de mercado que partem para o vale tudo e a inconseqüência total de seus atos. Um exemplo desta demência foi ocorrer, gerando do centro do sistema, a maior fraude financeira (e fiscal, e societária, e talvez política) da humanidade. Um dia como o de hoje, além de respeitar a memória das vítimas do ataque desumano e absurdo (não há causa que justifique o ataque contra inocentes!), deveria servir para superar a manipulação midiática e a pobreza dos argumentos de liberais estéreis, defensores do vale tudo de mercado e das instituições de democracia representativa (delegativa e superficiais) realmente existentes. Este desenho de poder fático e produção de sentido não gera nada além de um consenso fabricado em indústrias de bens simbólicos, e desarmam assim o melhor do espírito rebelde do Ocidente. Nestes dez anos após os ataques promovidos pelo ex-aliado dos EUA, já se faz hora de superarmos esta mentira sistêmica alimentada pela desinformação estrutural.

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