Negro, Troy Davis aguarda em uma prisão da Georgia o acesso à livre defesa. Davis foi condenado à pena de morte por supostamente assassinar o policial branco Mark MacPhail em 1989. - Foto:withintheblackcommunity.blogspot
Negro, Troy Davis aguarda em uma prisão da Georgia o acesso à livre defesa. Davis foi condenado à pena de morte por supostamente assassinar o policial branco Mark MacPhail em 1989.
Foto:withintheblackcommunity.blogspot

Amy Goodman

Vivemos dias em que a morte provoca ovações do público nos Estados Unidos. Quando, durante o último debate entre os candidatos republicanos à presidência, em Tampa, na Flórida, o jornalista da CNN Wolf Blitzer perguntou hipoteticamente ao congressista Ron Paul se o Estado deveria deixar morrer um homem sem plano de saúde que sofresse um mal súbito, a platéia do auditório respondeu entusiasmada e em uníssono: “Sim!”.

Em outro debate, perguntaram ao Governador Rick Perry sobre a sua posição favorável à aplicação da pena de morte no Texas. O público começou a aplaudir e a ovacioná-lo. A reação da platéia fez com que o moderador do debate, Brian Williams, da NBC News, completasse a pergunta: “Como você interpreta a reação que acabou de acontecer aqui? Falar da execução de 234 pessoas provoca aplausos”.

Essa reação é o motivo pelo qual se tornou tão importante a revogação da condenação à pena de morte de Troy Davis, que o Estado da Georgia realizará em 21 de setembro. Davis foi condenado à morte há mais de 20 anos, após declarem-lhe culpado por matar o policial Mark MacPhail em Savannah. Desde o anúncio da sentença. Sete das nove testemunhas não-policiais voltaram atrás em suas declarações, alegando coerção e intimidação da polícia na obtenção de seus testemunhos. Não há provas materiais que vinculem Davis ao homicídio.

Em março deste ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que deveria haver uma audiência probatória para que Davis pudesse provar sua inocência. Várias testemunhas identificaram um dos depoentes que não se retrataram de seu testemunho, Sylvester “Redd” Coles, como o autor do disparo. O Juiz Federal do Distrito, William T. Moore Jr., negou-se, com base num tecnicismo, a aceitar a declaração das testemunhas que afirmaram que, após Davis ser processado, Coles admitiu ter atirado em MacPhail. Na ordem judicial emitida em agosto, Moore resumiu seus argumentos da seguinte forma: “O Sr. Davis não é inocente”.
Um dos membros do jurado, Brenda Forrest, discorda do juiz Moore. Em referência ao julgamento contra Davis disse a CNN em 2009: “Todas as testemunhas puderam identificá-lo como o autor do delito”. Após saber da retratação das sete testemunhas, agora afirma: “Se soubesse antes o que sei hoje, Troy Davis não teria sido condenado à pena de morte. O veredito seria ‘inocente’”.

Troy Davis conta com três grandes obstáculos para o seu julgamento. O primeiro: é um homem afroestadunidense. O segundo: foi acusado de matar um policial branco. E o terceiro: o crime aconteceu na Georgia.

Há mais de um século, a lendária jornalista e ativista Ida B. Wells arriscou sua vida ao denunciar uma onda de linchamentos no extremo sul dos Estados Unidos. Em 1892, publicou um livro com o título “Os horrores do Sul: a lei do linchamento em todas as suas fases”, ao qual se seguiram em 1895 “O informe vermelho”, onde se detalha centenas de casos de violência. Neste último escreveu: “No Condado de Brooks, Georgia, em 23 de dezembro, enquanto este país cristão se preparava para celebrar o Natal, sete indivíduos negros foram linchados em 24 horas por se negarem a dizer, ou por não poderem esclarecer, o paradeiro de um homem de cor chamado Pike, que matou um homem branco…Georgia lidera a lista de estados em que ocorrem mais linchamentos”.

A execução planejada de Troy Davis não estará nas mãos de uma multidão ensandecida, mas sim terá lugar nos confins estéreis, iluminados com luzes fluorescentes, da Prisão de Diagnóstico e Classificação da Georgia, no Condado de Butts, próximo da cidade de Jackson.

O estado não pretende pendurar Davis em uma árvore com uma corda ou corrente. Pendurá-lo – como diz a canção de Billie Holiday – como uma fruta rara: “As árvores do sul têm frutas raras/ sangra nas folhas e sangra na raiz/ corpos negros balançam na brisa sulista,/ fruta rara penduradas nos álamos”. A menos que a Junta de Perdão e Liberdade Condicional intervenha no caso, o estado da Georgia lhe aplicará uma dose letal de pentobarbital. Georgia passou a usar esta nova droga nas execuções porque a Administração de Controle de Drogas confiscou seu estoque de pentotal sódico em março, após acusar o estado de importar ilegalmente a droga.

O presidente da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor, Ben Jealous, falou sobre a situação de Davis: “Este é um caso em que, independente de ser contra ou a favor da pena de morte, deveria deixar a todos perplexos”. A Anistia Internacional solicitou a Junta Estatal de Perdão e Liberdade Condicional que comute a pena de Davis. Larry Cox, diretor-executivo da Anistia Internacional nos Estados Unidos disse: “Não conheço nenhum outro caso de injustiça tão gritante. Trata-se de um julgamento em que sete das nove testemunhas se retrataram das suas declarações. Não há provas materiais que vinculem o acusado ao delito. Há uma presunção ou uma dúvida tão significativa em torno do caso, que condená-lo à morte seria realmente um delito provocado por outro”.

Mas a junta de perdão não deveria escutar apenas os grupos de direitos humanos: o Papa Bento XVI e os vencedores do Prêmio Nobel da Paz, o Presidente Jimmy Carter e o Arcebispo sul-africano Desmond Tutu, entre outros, também pediram clemência. A outra opção da junta é escutar as massas que clamam e aplaudem a morte.
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Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.
@2010 Amy Goodman

Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps y Democracy Now! em espanhol.

Esta versão é exclusiva de Estratégia & Análise para o português. O texto em espanhol traduzido para o português por Rafael Cavalcanti Barreto, e revisado por Bruno Lima Rocha. As opiniões adjuntas ao texto são de exclusiva responsabilidade dos editores de Estratégia & Análise.

Amy Goodman é âncora do Democracy Now!, um noticiário internacional que emite conteúdo diário para mais de 650 emissoras de rádio e televisão em inglês, e mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro “Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos”, editado pelo Le Monde Diplomatique do Cone Sul.

Comentário dos editores. Em geral, as legislações que aprovam a pena de morte, assim como a diminuição da maioridade penal, dão carta branca para que os aparelhos judiciais ajam como vingadores do consenso conservador. É por isso que, como linha editorial, esta publicação é contra a pena de morte e a redução da maioriade penal. O discurso que exige segurança e relativiza os direitos humanos, é proferido pelos mesmos fascínoras que votam e são eleitos como conservadores, quase sempre notórios corruptos.

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