Anderson Santos (editor), Dijair Brilhantes & Bruno Lima Rocha
Jornalismo esportivo ou entretenimento esportivo?
A acentuada ampliação da oferta de produtos midiáticos que misturam estratégias do jornalismo e do entretenimento está cada vez mais evidente nos últimos anos. Entre os que amam ou odeiam, o “modelo Tiago Leifert” de se apresentar programa esportivo tomou conta dos “noticiários” esportivos. Num padrão em que o mais importante é ser descontraído.
Depois de passar anos sob a "objetividade" do jornalismo, agora o questionamento é saber onde foi parar a notícia quando se fala de esporte? Bem…
Em 2008, o repórter Tino Marcos, há 20 anos acompanhando os jogos da Seleção, deixava o cargo para assumir a edição executiva e a apresentação do Globo Esporte nacional. O intuito era que seguisse um modelo de telejornal, com dois apresentadores, uma bancada, telão do lado,… Não durou muito tempo.
Já no ano seguinte, Tino voltou aos jogos do Brasil. 2009 foi ano da divisão em mais centrais da Central Globo de Jornalismo, que passou a ter uma Diretoria Geral de Jornalismo e Esporte e uma Central Globo de Esportes. A ordem era mudar o noticiário esportivo da emissora, muito sério (ah se fosse mesmo sério, o Imperador Teixeira não duraria tanto….).
São Paulo ganhou então o seu Globo Esporte, para atender ao público local. O apresentador da nova empreitada, e editor, seria Tiago Leifert, que seguiu no programa uma direção oposta à iniciada no ano anterior. Informalidade virou palavra-chave para que o esporte fosse tratado de forma descontraída.
Desde então, o modelo cresceu muito dentro da emissora e ganha alguns reflexos nas demais “concorrentes”. O Esporte Espetacular é prova disso, com o ex-jogador de vôlei Tande dividindo a apresentação do programa com Glenda Koslovski. Além da “polêmica” promoção com o joão-bobo João Sorrisão.
Modelo vem do semanal Fantástico
Em 2007, Tadeu Schmidt recebeu a tarefa de fazer os gols do Fantástico virarem um atrativo para toda a família. Algumas novidades foram implantadas, como o jogador que fizer três gols poder escolher uma música; mostrar alguns erros e algumas curiosidades dos jogos; além da “interatividade” do programa com o púbico nos quadros Bola Cheia e Bola Murcha, onde o apresentador recebe vídeos enviados pelos próprios telespectadores. Interatividade controlada na web e alguns minutos a menos de produção de externas e pós-edição….
Neste caso, o Fantástico se propõe a ser uma revista eletrônica, mesmo que nas últimas décadas venha tentando se achar entre jornalismo e entretenimento. O não mais só irmão do “mão santa” Oscar Schmidt (agora funcionário da Record e com passagens consagradas pelo malufismo) conseguiu encontrar um meio-termo que parece faltar ao programa de forma geral.
Um novo público e o sucesso nacional
Voltando ao Globo Esporte, o teste final da adesão ao modelo foi o programa “Central da Copa”, que ocorria após os jogos do Brasil na Copa do Mundo FIFA 2010 ou durante o Jornal da Globo, quase todos os dias. Se mais de um ano após o evento, o programa continuou com o mesmo nome e indo ao ar, não precisava dizer que o formato deu certo.
Durante a Central da Copa, Leifert, e seu fiel escudeiro o atual comentarista e ex-centroavante Caio Ribeiro, criaram um programa de auditório para comentar as partidas, com a presença de alguns dos nomes da cobertura esportiva da emissora como convidados. Uma das suas campanhas favoritas foi contra a Argentina, quando apostou com uma brasileira torcedora dos hermanos quem cairia primeiro no torneio.
Muitos passaram a assistir os programas esportivos da Globo devido ao novo formato, isto é inegável. Basta Tiago Leifert aparecer na telinha que comentários como “não gostava de ver esportes na TV, mas com ele…” aparecerem nas redes sociais.
Mesmo quando ele não está apresentando o Globo Esporte SP, há substitutos nas brincadeiras do programa. Sempre alguém jovem, pronto para fazer piadas sobre as notícias do cotidiano futebolístico, com reportagens que tentam ser engraçadas ao tratar o futebol, em particular, de um jeito menos formal.
As polêmicas
Antes de qualquer coisa, Leifert tem e terá que conviver com o fato de ser filho de um importante diretor da Globo, Gilberto Leifert – diretor de relações com o mercado, mas também, presidente do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Na dúvida para ataques, volta-se para o lado familiar como “facilitador” de sua entrada. Informação passada, independente de como ele entrou, o seu jeito de fazer jornalismo esportivo, se é que ainda podemos chamá-lo disso, ganhou força por méritos próprios. E, sejamos francos, se não desse audiência ele não estaria à frente de um monitor da famiglia Marinho. Já o custo para o bem imaterial mais apreciado do povo brasileiro….
Ao menos o febeapá entra em “divertidas confusões”, como numa versão mais mondo cane da Sessão da Tarde. Na ainda curta carreira como apresentador do Globo Esporte SP envolveu-se em algumas polêmicas. Primeiro foi com o ex- jogador Neto, atual comentarista e apresentador da Band.
Em uma palestra na Uninove, o apresentador do Globo Esporte desmentiu o ex-craque corintiano sobre a possível vinda do holandês Seedorf para o Corinthians, em abril deste ano, e a troca de farpas continuou via Twitter. No microblog, questionado sobre o porquê de não falar contra Ricardo Teixeira, Tiago Leifert ameaçou deixar o Twitter e mandou o telespectador aproveitar o sábado e procurar uma mulher. Que beleza, diante do contraditório o “jornalista” abandona a arena….
Em mais um caso de sinceridade à lá Andrés Sanchez:
Em maio, foi a vez de se desentender com o portal UOL (Grupo Folha). O setor esportivo do site comentou entrevista do apresentador à revista GQ, em que disse achar estranho quando lhe perguntaram porquê não falava sobre outros assuntos.
Leifert ao menos é sincero, como se nota nas palavras abaixo:
“Meu amigo, muda de canal pra ver a sua notícia! Não tem Fórmula Indy na Globo, não vai ter Pan-americano na Globo, não vai ter Olimpíada na Globo! Essa cobrança é puro romantismo! A gente tem que perder essa mania de achar que tudo é uma força do mal. Não é isso, é negócio. Quem paga mais leva e quem leva exibe”.
Depois, também via Twitter, disse que ao contrário do que diz a matéria do UOL, não iriam “esconder” as Olimpíadas. Viram porque o contraditório é importante?
Outro desafeto público é o jornalista Jorge Kajuru, que após vários comentários contra o jovem apresentador, chegou a “ameaçar” Leifert; vindo após a considerar que talvez tenha exagerado em muitas críticas. Kajuru não esconde de ninguém que esse modelo de descontração é usado por ele desde sua passagem pela Band e que a Rede Globo teria tentado o contratar na época para fazê-lo….viram, não adianta negar, a indústria cultural existe, é horrenda e tem fome, muita fome.
Edição gaúcha também aderiu ao novo formato
Com a regionalização nas outras praças do Globo Esporte, que não necessariamente têm agora que seguir a rede, o formato foi repassado. No Rio Grande do Sul não foi diferente, o Globo Esporte RS – que até poderia se chamar por “Só Gre-Nal” – ganhou uma edição completa, não mais apenas o primeiro bloco.
Os telespectadores acreditavam que o esporte local ganharia mais espaço para passar informações sobre o futebol do interior e outras modalidades esportivas, num Estado com importantes clubes, como é o caso do Grêmio Náutico União e da Sogipa. Mas isso não ocorreu, apenas a dupla Gre-Nal teve seu espaço ampliado….o raciocínio da famiglia Sirotsky deve ser guiado pelo gênio de Tiago Leifert. Para que falar de potências olímpicas do Rio Grande do Sul se quem vai transmitir são os compradores da massa quase falida deixada por Renato Ribeiro?!
Ainda assim, parece que meia hora é muito tempo para falar só dos dois clubes da capital. Então, o programa ganhou quadros totalmente humorísticos, não contendo nada de informações relevantes, detalhando, por exemplo, os cuidados com o cabelo de um recém-contratado do Grêmio…
Bandeirantes ainda usa o “meio termo”
Na Rede Bandeirantes, ainda podemos dizer que usam o chamado “meio termo” entre o humor e o jornalismo esportivo, com a polêmica continuando a ser a pauta – imitando o programa de José Luiz Datena.
A edição paulista do Jogo Aberto, cuja primeira parte é nacional, optou por colocar ex-jogadores (Neto, Denílson, Edmundo) ao lado da jornalista Renata Fan (ex-Miss Brasil) e de algum outro convidado, casos do narrador Oscar Ulysses e de Osmar de Oliveira. A ordem parece ser a de demonstrar atrito entre eles.
A âncora do programa já teve seu dia de humorista, quando, após uma campanha reverberada entre jogadores, dançou em meio ao programa uma música da cantora pop Shakira.
Um modelo parecido, com mulher mediando o debate entre homens, ocorre também na Rede TV!, que ainda conta com o “Mulheres na Rede” no domingo, incluindo “personalidades” como a ex-jogadora Milene Rodrigues, para discutir com comentaristas, a exemplo do ex-goleiro do Corinthians Ronaldo (Soares Giovanelli, não confundir com o ex-de Milene).
“Jornalismo esportivo”
De um lado o jornalismo, com seus formatos definidos, que enquadram os fatos – apesar de a ordem de agora seja apostar na informalidade, ao menos na exclusão do Teleprompter nos telejornais de praças. Do outro, o esporte, que traz um entretenimento, com suas paixões e emoções de todo o torcedor.
Será que arranjar uma união entre estes dois elementos é esquecer dos fundamentos de um dos dois?
Tratar o esporte apenas com dados das partidas, quem fez tal jogada em qual tempo, como se faz nos textos de jornal impresso e de sites de internet “profissionais” passa ao largo de demonstrar o melhor que um jogo tem para passar, o que mais atrai o torcedor: a emoção.
Enquanto isso, a proposta de encarar só como entretenimento, acaba por esquecer que há informação a ser transmitida. O esporte é um fato sociocultural e como tal deve ser transmitido. Para além das piadas excessivas e da falta de emoção característica….e convenhamos, as piadas realizadas passam longe de tocar no dedo mínimo das estruturas de poder do futebol profissional e do próprio Comitê Olímpico Brasileiro e as confederações filiadas.
A Rede Globo de Televisão que não possui em sua grande de programação nenhum programa jornalístico com humor, resolveu optar por fazer isso nos programas esportivos. Nota-se que no atual momento, no estilo “CQC”, o jornalista está tentando aparecer mais e mais, sobressaindo-se ataques a notícia, omitindo o contraditório, ignorando a investigação jornalística e pasteurizando o que já foi papo de esquina…..
Hosana dos gramados….
João Sem Medo Saldanha, em sua figura, nós homenageamos a todos os que construíram o gênero da crônica esportiva (futeboleira na verdade) neste país então deitado em berço esplêndido. Como ironia nada sutil (deveras macabra, reconhecemos), nenhum dos bonequinhos de ventríloquos das direções de emissoras líderes no oligopólio tupiniquim mereceriam ser tema de um conto de Edilberto Coutinho.